sexta-feira, março 09, 2012

Aos trancos e barrancos - MONICA B. DE BOLLE


O Estado de S.Paulo - 09/03/12


O Brasil precisa "se donner un coup de pied aux fesses", disse Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, para grande mal-estar dos brasileiros, que tomaram a frase ao pé da letra. Apesar do faux pas, da gafe do francês, a expressão não tem o significado grosseiro que muitos lhe atribuíram. Usada coloquialmente, quer dizer "dar-se um tranco, uma sacolejada". A julgar pelos últimos resultados macroeconômicos e pelas ações de política econômica do governo, é isso o que o Brasil vem fazendo consigo mesmo. Não importa em que idioma.

A presidente e o ministro da Fazenda disseram que o crescimento de apenas 2,7% do PIB em 2011 foi baixo porque o quadro internacional nos prejudicou. E a inflação - de 6,5%, cravada no teto da meta - foi alta porque... o cenário externo nos prejudicou. O ambiente lá fora realmente foi bastante hostil no ano passado. Altas expressivas das commodities no início do ano, uma tragédia no Japão, o rebaixamento da classificação de risco dos EUA por causa das tortuosas discussões sobre a elevação do teto da dívida e as ameaças de calote e colapso bancário na Europa. Mas o nosso foi o pior desempenho entre os Brics. A China cresceu 9,2%; a Índia, em torno de 7%; a Rússia, ao redor de 4%. Ao menos no quesito inflação perdemos apenas para a China, que registrou uma alta de preços de 5,5% em 2011. Diante disso, pela lógica, a explicação das autoridades não pode ser exaustiva, a turbulência externa não foi a única causa do desempenho desalentador do primeiro ano de governo da presidente.

O que mais, então, ajuda a esclarecer o que está acontecendo com a economia brasileira? O câmbio valorizado? Os problemas de infraestrutura? A carga tributária? A baixa produtividade da mão de obra? Decerto, todos esses são fatores relevantes e, por isso, têm sido citados frequentemente como a fonte das agruras do setor industrial.

Mas há outro problema. Em outros tempos, nos longínquos anos 70 e 80, ele era conhecido como políticas de "stop and go", isto é, medidas econômicas de curto alcance que eram usadas para atingir objetivos contraditórios simultaneamente, como o de impulsionar o crescimento e combater a inflação. Muitos acreditam que foram essas políticas, junto com os choques do petróleo da década de 70, que causaram a grande estagflação americana - o período de crescimento baixo com inflação alta que caracterizou aquela época.

Assim como a expressão em francês usada no início deste artigo perde o seu verdadeiro sentido quando traduzida de forma literal para o português, verter stop and go para o nosso idioma, sobretudo para o seu significado no Brasil de Dilma, não é tão simples. A versão tropical de stop and go é o título do (único?) samba de Raul Seixas, título deste artigo. Aos trancos e barrancos. Foi assim que conduzimos a política econômica no Brasil em 2011, é assim também que estamos fazendo agora. A inflação subiu? Apertemos o crédito com medidas macroprudenciais, seguremos os gastos, para não precisar elevar tanto os juros. O crescimento engasgou mais do que se imaginava? Baixemos os juros, impulsionemos o crédito por meio dos bancos públicos, façamos medidas pontuais para estimular a indústria. A trajetória futura da inflação está desancorada, como mostram, hoje, as expectativas para o ano que vem? Esperemos mais um pouco para fazer algo. No momento temos de priorizar a atividade. E assim vamos. Aos trancos e barrancos.

Trancos e barrancos desorganizam a economia. A gangorra dos instrumentos de política econômica, as incertezas sobre o que o governo usará, desta vez, para estimular a atividade, o vaivém dos dados macroeconômicos que resultam destas dúvidas, tudo isso prejudica o planejamento das empresas, dificulta a administração dos fluxos do setor privado, turva os horizontes e reduz os incentivos ao investimento.

O samba composto por Raul Seixas, o maluco beleza, em 1971, termina assim: Eu não vou levando o nosso leite / troquei por um bilhete / da roleta federal. Eu vou pela pista do aterro / e nem vejo o meu enterro / que vai passando no jornal. Vamos que vamos.

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