quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Portos - a ação necessária - WILEN MANTELI


O Estado de S.Paulo - 02/02/12

Notícias veiculadas pela imprensa nos dois últimos meses têm assinalado a intenção da Presidência da República de promover uma reestruturação do setor portuário, que passaria pela possível extinção da Secretaria Especial de Portos (SEP) e retorno de suas atribuições ao Ministério dos Transportes.

Se assim proceder, o governo corre o risco de perder o foco, realizando mudanças meramente institucionais em vez de dar solução efetiva aos crônicos problemas portuários por meio de medidas práticas, que estimulem o investimento privado e a eficiência nos portos.

Tais medidas envolvem, basicamente, prioridade nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para eliminar gargalos nos acessos rodoviários e ferroviários aos portos; reestruturação das administrações portuárias públicas, que, na grande maioria, estão endividadas e incapacitadas para responder aos atuais desafios do setor; estabilização do marco regulatório para dar mais segurança ao investidor privado; redução da burocracia; e equacionamento dos problemas trabalhistas.

A regulamentação do arrendamento de áreas públicas para o setor privado tem caminhado na contramão do desenvolvimento dos portos. A Resolução da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) n.º 1.642/2010 instituiu como pré-requisito para a aprovação de qualquer investimento em terminal portuário arrendado a apresentação de um Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) nos mesmos moldes do exigido a um novo empreendimento.

Longe de se restringir a comprovar viabilidade, esse instrumento funciona como um limitador da taxa de retorno. Lucros auferidos acima de certo patamar previamente estabelecido, de acordo com o EVTE, deverão ser repartidos com o governo. Ou seja, a eficiência passa a ser punida.

Talvez no intuito de amenizar os efeitos dessa norma desestimulante do apetite do setor privado, a Antaq baixou outra resolução, n.º 2.240, que, a pretexto de flexibilizar o sistema de outorgas, criou instrumentos contratuais de discutível legalidade e conflitantes com o princípio da isonomia.

Esses instrumentos - uso temporário, cessão de uso com e sem ônus, passagem e autorização de uso - não passam de medidas casuísticas, soluções precárias que só servem para disfarçar o grave problema da inibição do investimento produtivo de longo prazo no sistema portuário.

A inovação, designada como "contrato de passagem", fere direitos contratuais ao prever que uma empresa localizada atrás de um terminal arrendado possa obter acesso direto ao cais operado por esse terminal, mesmo à revelia do seu titular.

No que concerne aos arrendamentos, o mais importante a fazer é adaptar os contratos de arrendamento firmados antes da Lei dos Portos (n.º 8.630/1993) às regras por ela estabelecidas.

A manutenção de um real valorizado requer o aumento da competitividade nos corredores de exportação, o que não será alcançado sem pesados investimentos em infraestrutura portuária.

Mas, no momento, o Brasil segue na direção contrária. A cada remendo no sistema de regras do setor o governo gera mais ambiguidade, mais instabilidade no marco regulatório e mais insegurança jurídica, inibindo investimentos de longo prazo.

Na área trabalhista o governo deve se fazer mais presente, não somente tomando as medidas que lhe cabem para enxugar o excesso de contingente de mão de obra nos portos, especialmente na área previdenciária, como também coibindo o grevismo na atividade portuária, que tem efeito dominó sobre toda a cadeia do comércio exterior.

A sustentabilidade do desenvolvimento do sistema portuário brasileiro, que em breve estará movimentando 1 bilhão de toneladas anuais, depende de um choque de gestão, e não de uma reestruturação apenas organizacional. Já temos todas as leis, normas e órgãos executivos necessários.

Falta aplicar integralmente as leis e fazer a estrutura funcionar. E com urgência, pois o crescimento da economia gera, além de boas oportunidades, novas ameaças.


Um comentário:

Anônimo disse...

Dr. Manteli parte de premissas equivocadas em seu artigo. Não há, pelo menos até o momento, nenhuma proposta da Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, no sentido de estabelecer compatilhamento de ganhos de performance entre arrendatários e Autoridades Portuárias. Não há qualquer restrição ao investimento privado no âmbito dos portos organizados. São inumeros os investimentos privados em curso nos portos públicos brasileiros. De norte a sul, temos investimentos relevantes a título de ampliação - já aprovados pela ANTAQ, em praticamente todos os portos que possuem áreas arrendadas. Há ainda, investimentos primários (novos arrendamentos) aprovados em vários portos e uma série de outros em análise na ANTAQ e também outros tantos em fase de planejamento/estudos pelas Autoridades Portuárias. Nunca se analisou, no âmbito da ANTAQ, tantos projetos de investimento privado nos portos públicos. Alguma coisa nas afirmações do Dr. Manteli está equivocada, porque planejamento, estudos e dados objetivos são necessários para a análise de qualquer empreendimento. A ANTAQ está atualmente preparada para responder rapidamente ao mercado acerca dos investimentos pretendidos, desde que lhe sejam encaminhadas as informações necessárias. Impossível aprovar um empreendimento que não tenha licenciamento ambiental, por exemplo, ou cuja atividade esteja em desacordo com o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento - PDZ, do porto. Por certo que é totalmente descabido reclamar da burocracia regulatória quando um empreendimento é encaminhado para aprovação da Agência com ausência de documentos essenciais. Já a questão envolvendo os arrendamentos anteriores à Lei nº 8.630, de 1993, é outra coisa, totalmente fora do contexto que ora se discute. Vamos, então, deixar bem claro que o modelo de exploração no porto público de longo prazo é o arrendamento portuário, que a ANTAQ vem analisando e aprovando sistematicamente. Os outros institutos previstos na norma aprovada pela Resolução nº 2240-ANTAQ surgiram em um contexto de atender a atividade offshore em razão dos expressivos investimentos relativos ao Pré-Sal por parte de portos que estejam ociosos, bem como cargas não consolidadas nesses mesmos portos ociosos. O resto, foi somente regulamentar o que já existia. Esclareça-se que os berços dos portos são públicos e que não há qualquer irregularidade em se regulamentar o acesso por terminais localizados em retroáreas, desde que não interfira com a operação de outrem, razão pela qual a matéria requer regulamentação e regulação desta Agência. Trata-se, neste caso, de otimizar os recursos públicos disponíveis no porto (instalações de acostagem) em favor de um maior número possível de usuários, respeitando-se, SEMPRE, o direito dos demais. Por fim, resta somente enaltecer a figura pessoal do Dr. Manteli, verdadeiro exemplo no debate de questões polêmicas junto àqueles que, como eu, se preocupam com o desenvolvimento do setor portuário brasileiro.

Mário Povia
Assessor Técnico da ANTAQ, em Brasília.