domingo, fevereiro 26, 2012

O ''Retrato de Adele'' conta uma época - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 26/02/12


Boa notícia para quem se encantou com o livro "A Lebre com Olhos de Âmbar", de Edmund de Waal, publicado há alguns meses no Brasil. Saiu nos Estados Unidos "The Lady in Gold" ("A Mulher Dourada - A história extraordinária da obra-prima de Gustav Klimt, o retrato de Adele Bloch-Bauer"), da jornalista Anne Marie O''Connor. O e-book sai por US$ 15,99.

A partir do destino de uma coleção de 264 pequenas esculturas japonesas, De Waal contou a história de sua família, a dos banqueiros judeus Ephrussi. Elas foram reunidas em Paris, guardadas em Viena, voaram para Tóquio e estão em Londres. Os Ephrussi perderam tudo o que tinham no confisco nazista, quando a Áustria, em êxtase ariano, foi anexada pelo Reich. A pedido do arcebispo de Viena, os sinos da cidade repicaram, saudando as tropas alemãs.

"A lebre" evitou o tom de indignação diante do antissemitismo e do Holocausto.

É um livro da alma, sem fígado. Mostra os Ephrussi no esplendor de Paris e Viena e na desgraça europeia da guerra. Contando a história do retrato de Adele Bloch-Bauer, O''Connor tomou o caminho oposto. Pisou firme na denúncia do antissemitismo que matou 65 mil judeus austríacos. Expôs os governos do pós-guerra, numa briga que só acabou em 2006.

Adele era mulher de um barão do açúcar, e Klimt pintou-a três vezes. Provavelmente namoraram. Um dos retratos, de 1907, com um fundo dourado em delírio bizantino, é uma das maiores obras de arte do século XX. Como os Ephrussi, os Bloch-Bauer foram depenados. O retrato, rebatizado como "Mulher em dourado", foi para um museu austríaco. Quando a guerra terminou, o novo governo desestimulou as reparações individuais das famílias de judeus espoliados e criou um sistema de devolução de obras de arte que apenas dissimulava a extorsão.

Esqueceram-se de uma sobrinha de Adele que fugira para os Estados Unidos e tinha uma loja de roupas em Los Angeles. Ao contrário dos Ephrussi, que receberam ninharias, Maria Altmann resolveu brigar. Estimulada por um repórter austríaco, conseguiu a ajuda de um jovem advogado, neto do compositor Schoenberg. Enfrentou a burocracia cultural e diplomática da Áustria, que se recusava a devolver o retrato de Adele e outros quatro quadros roubados da casa de sua tia. Seu litígio parecia risível, até que o advogado bateu à porta da Corte Suprema dos Estados Unidos e teve reconhecido o seu direito. Em 2006, humilhado, o governo da Áustria aceitou uma arbitragem e devolveu as obras. O "Retrato de Adele" foi comprado por US$ 135 milhões e hoje está na Neue Gallery, na esquina da Rua 86 com a Quinta Avenida, a poucos quarteirões do museu Metropolitan. Os outros quatro quadros foram a leilão e não se sabe quem os arrematou. Um deles, um retrato de Adele pintado em 1912, nunca mais foi mostrado. Quando os austríacos lamentaram que os quadros deixassem o país, Maria Altmann foi à forra: "Eles ficaram lá 68 anos, poderiam comprá-los". Os cinco herdeiros de Adele receberam cerca de US$ 300 milhões, e US$ 96 milhões foram para o advogado Rudolf Schoenberg.

Adele morreu de meningite em 1925, sem deixar filhos. Seu marido acabou-se num quarto de hotel em 1945, na Suíça. O tio foi fuzilado pelos comunistas na Iugoslávia. A tia foi para o Canadá, e sua filha conheceu num jantar um jovem alemão que, aos 15 anos, fugira do Exército Vermelho, lavara pratos num hotel de Vancouver e conseguira um emprego como motorista de cargas. Era o príncipe Auersperg, de uma dinastia cuja linhagem remonta ao século XI. Casaram-se. Hoje a princesa é uma renomada cancerologista. Maria Altmann morreu no ano passado, aos 94 anos.

Para os admiradores da "Lebre com olhos de âmbar": o quadro de duas meninas, filhas do banqueiro francês Cahen d''Anvers, que Charles Ephrussi negociou com Renoir, está no Masp. Elisabeth, a menina do vestido azul, convertera-se ao catolicismo e vivia na França. Em 1944, foi colocada num trem com destino a Auschwitz. Morreu no caminho.

Jet set

Um jet ski entregue a um garoto de 13 anos matou uma criança de 3 que fazia castelos na areia de Bertioga, em São Paulo. Ela havia sido levada para a praia porque pedia para conhecer o mar. O jovem abandonou o local, foi para casa e, com a mãe, deixou o condomínio onde estavam. Escafederam-se enquanto a menina agonizava, à espera de socorro.

Com depoimento marcado para quinta-feira, o pai não o levou à delegacia. Passada uma semana, o doutor ainda não botou o rosto na vitrine para defender o filho. Bateu o telefone quando foi localizado por um jornalista. Até agora, só se ouviu a voz dos pais de Grazielly, a criança morta. Ele é motorista, e ela, auxiliar de panificação.

Segundo o advogado da família do adolescente, Maurimar Chiasso, juiz aposentado e ex-candidato a deputado federal pelo PRTB, "não há condição de esse jovem ser ouvido em face a tamanho assédio e tamanho risco que ele está correndo". A família do garoto vive numa terra de selvagens. Nela, é mais arriscado fazer castelos na areia do que comparecer a uma delegacia policial.

Pelo andar do jet ski, a Polícia paulista poderá ser atraída para o papel de vilã no encaminhamento do episódio.

Rubens Paiva

Se alguém procurar nos arquivos americanos, provavelmente descobrirá que, poucos dias depois da prisão de Rubens Paiva, em janeiro de 1971, a Central Intelligence Agency sabia que o haviam matado.

Richard Bloomfield, que à epoca era o encarregado de assuntos econômicos na embaixada no Rio, conhecia a família de Paiva e procurou o chefe da estação da CIA. Dias depois, ouviu: "Muito tarde".

Se o doutor passou a informação a Washington, não se sabe, mas deveria tê-lo feito.

Problema doméstico

Bashir Assad, o carniceiro da Síria, tem um problema doméstico. Se for para o exílio, terá que viver, murado, fora do circuito Elizabeth Arden. Sua mulher, Asma, chamada pela revista Vogue de "A Rosa do Deserto" e pela Paris Match de "raio de luz num país de sombras", terá dificuldade para se adaptar a uma nova vida.

Madame Natasha

Zelando pelos caminhos do idioma, Madame Natasha concedeu mais uma de suas bolsas de estudo. Desta vez para o Tribunal de Contas da União, por um trecho de seu acórdão 3.260, no qual determinou ao Dnit que:

"Promova no prazo de 180 dias (...) estudos e pesquisas (...) com o objetivo de estabelecer normatização acerca da diferenciação dos esforços de roçada e de limpeza dos dispositivos de drenagem de acordo com as respectivas isocurvas de precipitação (isoletas), associadas a temperatura e evapotranspiração, ou qualquer outro elemento que melhor reflita o crescimento das gramíneas e leguminosas".

Eles quiseram dizer que o Dnit deve estabelecer um cronograma para as roças e a limpeza das calhas das estradas.

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Habituado a administrar crises com aliados, o comissariado petista está diante de duas encrencas em que companheiros querem liquidar companheiros.

Uma está na Petrobras, no rescaldo da queda de Sergio Gabrielli. A outra, no Banco do Brasil.

Em nenhuma das duas há divergências relacionadas com estratégias ou diretrizes de políticas públicas. Só controle de cargos e de caixas.

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