segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Na base do quebra-galho - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O ESTADÃO - 06/02/12

O governo brasileiro está fazendo com outros países exatamente o que a Argentina está fazendo com o Brasil. Ao aumento de importações de produtos brasileiros, o governo de Cristina Kirchner responde com medidas protecionistas variadas, inclusive a introdução de regras burocráticas que permitem às autoridades locais cancelar, adiar e atrasar compras externas, de maneira arbitrária. A diferença é que os argentinos não estão preocupados em disfarçar a coisa. Simplesmente assumem que vão proteger a indústria local e que, nisso, vale tudo. Assim, ignoram solenemente as reclamações brasileiras.

Já o governo Dilma parece ainda ter algumas preocupações com a repercussão internacional de suas medidas. Nega ser protecionista, mas é o que faz quando, por exemplo, aumenta subitamente o IPI sobre carros importados especialmente da China e Coreia do Sul. Idem quando ameaça denunciar o acordo automotivo com o México, que prevê trocas de veículos e peças sem o pagamento de impostos nas duas pontas.

Por conta desse acordo, os carros importados do México ficaram livres do aumento do IPI. Ocorre que a balança, até 2010 superavitária para o Brasil, no ano passado virou a favor do México. Aí, não serve mais, não é mesmo?

Em comum com as práticas argentinas, temos a mudança brusca das regras do jogo. Só as montadoras aqui instaladas importam do México. Com isso e mais o acordo do Mercosul, elas haviam estruturado a produção na região mais ou menos assim: carros populares e básicos no Brasil, médios na Argentina e top de linha no México. Se for suspenso o acordo com o México, por exemplo, determinados modelos sofrerão imediato aumento de preço por aqui.

Não, necessariamente, diz o pessoal do governo, pois o modelo não importado pode vir a ser fabricado no Brasil.

Não é simples assim mudar a plataforma de produção, inclusive de peças, cuja fabricação também é dividida entre os países. Mas, mesmo que as montadoras locais venham a produzir aqui toda a linha - do popular ao top -, ainda assim esses nacionais ficarão mais caros. O problema está aqui, não lá fora. Por exemplo, muitos leitores já enviaram e-mails para esta coluna registrando, entre espantados e revoltados, que os carros fabricados no Brasil são mais baratos no Chile e no México do que aqui. Também são mais baratos na Argentina.

Eis o ponto: como não consegue reduzir o custo Brasil interno, o governo Dilma está empenhado em aumentar o custo mundo.Exatamente o que faz a Argentina.

No caso do México, o Brasil não pode nem reclamar da valorização do real ante o dólar. Amoeda mexicana descreve trajetória igual à brasileira nos últimos anos.

Há uma óbvia contradição entre o que as autoridades brasileiras falam nos fóruns internacionais, como o G-20, e a prática.No discurso, condenam medidas protecionistas, prometem manter o comércio aberto, quando enfileiram cada vez mais medidas protecionistas, muitas condenadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Todo mundo já percebeu isso, inclusive Cristina Kirchner.

E daí? Vão aplicar represálias?

É possível que ocorram respostas, condenações, mas o Brasil é grande demais para ser afrontado. Ninguém quer ficar de fora de um mercado de 3,5 milhões de veículos/ano, o 4.º ou 5.º do mundo, compossibilidades de expansão.

De maneira que, no imediato, quem vai pagar a conta é o consumidor brasileiro, que pagará mais caro por produtos piores, já que dispensados da concorrência. As montadoras continuarão a ganhar muito dinheiro e a remeter para as matrizes. No ano passado, foram as campeãs em remessas ao exterior, cerca de US$5,5 bilhões.

Os sindicatos de trabalhadores também se apresentam como ganhadores. Acham que terão mais empregos. Não é bem assim. Nenhuma montadora pode se consolidar num mercado deste tamanho com importações.

Todas já estavam ampliando sua produção local. Mesmo aquelas predominantemente importadoras se preparavam para elevar a fabricação aqui.

Coma escalada de protecionismo, a indústria tende a ficar ainda menos competitiva, incapaz de exportar, tendo aí um sério obstáculo à expansão. E o protecionismo não ataca, nem de leve, os problemas que emperram a indústria brasileira. Estudo recente da Federação das Indústrias do Rio (Firjan) mostrou que as fábricas nacionais pagam pela energia 2,4 vezes mais caro do que na China. A energia, aqui, é mais cara do que na Alemanha. E isso com todas essas hidrelétricas.

Precisamos falar da carga tributária, dos custos trabalhistas, do hostil ambiente de negócios, da falta de infraestrutura?

O governo Dilma não corresponde ao prestígio da presidente como talentosa gerente e administradora. Até aqui, não se vê plano nem ação de longo prazo. O governo reage aos acontecimentos do dia. Caem as exportações? Promete mais um pacote. Sobem as importações? Cortem-nas. O País cresce menos? Promete mais investimento público (o mesmo do ano passado) e diz que vai chamar empresários e banqueiros para convencê-los a aplicar mais. Enquanto isso, vai trocando ministros.

A presidente não mudou as bases macroeconômicas que garantem a estabilidade. Mas seu governo administra mal os instrumentos, de modo que os problemas permanecem e se acentuam. A inflação, por exemplo, não dispara, mas permanece alta e com tendência para cima. O dólar não vai a R$ 1,60, sobe um pouco, ajuda a inflação nisso, mas também não alcança um valor bom para a indústria. O País acumula reservas, mas gasta reais e aumenta sua dívida, cara, para comprar os dólares. Mexe nos impostos frequentemente, mas a carga permanece elevada. Lança obras e as atrasa.

E assim vai empurrando. Se a China continuar crescendo e o mundo desenvolvido melhorar um pouco, dá para seguir anos. O problema é que não se vê o que se perde.

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