quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Envelhecimento mental - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 23/02/12


Cada uma de nossas características depende dos genes que herdamos e do ambiente em que nos desenvolvemos. Algumas características, como a cor de nossa pele, dependem principalmente de componentes hereditários. Outras, como a língua que falamos, são praticamente determinadas pelos componentes ambientais. E nossa inteligência, é preponderantemente determinada por nossos genes ou pelo ambiente em que crescemos? Agora, com a possibilidade de analisar o genoma de milhares de pessoas, parece que finalmente será possível determinar quanto cada um desses elementos contribui para nossa inteligência e, mais importante, qual o peso desses fatores no nosso envelhecimento mental.

Como não sabemos o que exatamente é a inteligência, os cientistas definem inteligência como a capacidade de se sair bem em uma série de testes de habilidade mental. Até recentemente, para tentar estimar a contribuição dos genes e do ambiente na inteligência, os cientistas eram forçados a analisar pares de gêmeos univitelinos. Como cada par desse tipo de gêmeos possui os mesmos genes, qualquer diferença de inteligência entre os gêmeos advém obrigatoriamente das diferenças ambientais a que foram submetidos. Mas esses estudos possuem limitações graves. A principal delas é que normalmente os gêmeos univitelinos são criados e educados na mesma família e tendem a viver em ambientes semelhantes. Para superar esse problema, os cientistas tentaram estudar pares de gêmeos univitelinos separados no nascimento, mas aí surge um novo problema, a amostra é minúscula. O fato é que ainda não sabemos com certeza quanto da nossa inteligência é herdada e quanto depende de nossa educação.

Mas agora foi descoberta uma nova maneira de estimar a contribuição dos genes e do ambiente para a inteligência dos seres humanos. Ela se baseia em dois tipos de dados que só recentemente puderam ser coletados. Um é a variação da inteligência das pessoas ao longo de mais de 50 anos de vida. Outro é a possibilidade de determinar um número enorme de características genéticas dessas mesmas pessoas, sequenciando parte de seu genoma.

Nesse primeiro estudo foram analisadas 1.940 pessoas, parte nascida em 1921 e parte em 1936. Esse grupo inclui todos os nascidos em duas cidades da Escócia nesses anos. Aos 11 anos de idade (em 1932 e 1947), essas crianças foram submetidas a testes de inteligência. A saúde dessas pessoas foi acompanhada todos estes anos e recentemente, quando eles fizeram 65, 70 e 79 anos de idade, foram novamente submetidos a testes de inteligência. A novidade é que agora essas mesmas 1.940 pessoas tiveram parte de seu genoma sequenciado. No total foram analisados 536.295 locais do genoma de cada uma dessas pessoas. Para cada um dos 536.295 locais no genoma de cada um dos 1.940 idosos foram determinadas as variantes genéticas presentes.

De posse desses dados, e comparando cada indivíduo com todos os outros, os cientistas tentaram responder três perguntas. Primeiro, quais as variantes genéticas estão associadas a um melhor desempenho nos testes de inteligência aos 11 anos de idade. Segundo, quais as variantes genéticas estão associadas a um melhor desempenho nos testes de inteligência nesses indivíduos na velhice. Terceiro, qual a contribuição dos genes para a diminuição da inteligência ao longo do envelhecimento.

Os resultados dos testes mostram que há uma correlação entre inteligência medida na infância e a perda de inteligência na velhice. Pessoas que tinham um resultado melhor na infância tendem a perder essa capacidade mais tarde e mais lentamente. Além disso foi possível mostrar que, apesar de existir um grande efeito ambiental sobre a perda da inteligência durante a vida, um mesmo grupo de variações genéticas está associada a um melhor desempenho na infância e na velhice, e existe um componente genético que determina a velocidade dessa perda. Cientistas obtiveram uma primeira estimativa da contribuição porcentual dos fatores ambientais e genéticos na inteligência e na sua perda ao longo do envelhecimento.

Apesar desses resultados demonstrarem que esse novo método funciona, os autores são muito cuidadosos com os números apresentados, uma vez que os erros nessas estimativas ainda são grandes. Por agora, a conclusão é que tanto a inteligência quanto sua perda é determinada em parte pelos genes que herdamos. Para ter certeza do peso relativo dos fatores ambientais e genéticos vai ser necessário repetir o estudo com um número muito maior de pessoas, talvez algo da ordem de 20 mil pessoas.

Mas o grande avanço é que esse novo método de análise promete resolver uma polêmica que já dura mais de 150 anos: a inteligência humana é determinada principalmente pelos genes ou pelo ambiente?

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