sexta-feira, janeiro 27, 2012

Técnico de futebol, só me faltava essa! - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO


O Estado de S.Paulo - 27/01/12


A chuva caía forte, ficamos na padaria, jogando conversa fora. Os tolos assuntos da atualidade, o capitão que gritava "Vada a bordo, cazzo!" Ou aquele ator americano de quinta, que insistem em trazer para o SPFW, cujo currículo diz: ex-marido de Demi Moore. Ou o estupro não estupro do programa mais estúpido da tevê brasileira. Sabem quem é, não? Tudo vazio, inútil. Superficialidades. Feriado, entediado, volto da padaria abrigado por um guarda-chuva que ameaça desmontar. Era o da portaria do prédio. Rua deserta, como gosto. Um carro passa, o sujeito abre o vidro, me cumprimenta:

- Tudo bem, Beto?

- Tudo bem!

- Deu tudo certo lá?

- Tudo certo.

- Cuidado com aquele Eugênio. Justifica o apelido Eugênio perverso. O sujeito é ruim, mas simpático, bonitinho, engana.

- Fique tranquilo.

- Estava preocupado, quanto te vi, decidi avisar. Bom feriado!

Partiu. A chuva aumentava. Caminhei pensando quem seria o Beto. Nessa hora, explicar demora, deixo para lá, assumo a personalidade que veem em mim. Só estou preocupado agora com o verdadeiro Beto. O que o Eugênio perverso vai aprontar para ele? Não sei se acontece com tudo mundo, mas penso às vezes que sou o rei desses desencontros. Anos atrás, eu assumia a personalidade do Flávio Rangel, o diretor teatral, magro como eu, de cabelos encaracolados (naquele época eu tinha cabelos vastos). Um dia entrei no táxi, o sujeito cumprimentou:

- Adorei o show da Maria Bethânia. O senhor é craque e como ela não tem igual.

O show tinha sido dirigido pelo Flávio, um daqueles sujeitos que fazem falta na cultura brasileira. O taxista era não só bem informado, como ia a shows. Bem, foi aquela época difícil em que muitos abandonavam a profissão e se ocupavam de outras coisas que nada tinham a ver. Por sorte, o homem havia gostado do show.

Coisa comum, o que me enobrece é me pararem na rua, ou quando entro em uma faculdade, ou escola.

- Affonso de Romano Sant'Anna, que prazer! É um privilégio. Valeu meu dia. O que veio fazer aqui? Recitar umas poesias?

Não conto isso ao Affonso, não sei se ele gostaria de saber que o esperam para recitar poesias. Mas ele não gostaria de ver o "de" em seu nome fora do lugar. Comigo também acontece, torno-me Ignácio Loyola de Brandão. Quanto ao Affonso, nem é declamar, é recitar, coisa antiga do interior, quando, para júbilo dos pais, jovens prendadas recitavam para os parentes na sala de visita, numa festinha. Não adianta ele ser um dos melhores palestrantes deste país, faz uma fala que vale por um ensaio poético.

Em Paraty, numa Flip, anos atrás, o garçom me tratava maravilhosamente. Eu pensava numa caipirosca de limão siciliano, ela estava à minha frente em dois minutos, enquanto nas outras meses as reclamações do serviço eram uma só, lentidão. Paraty tem esse problema, na época dos livros, bares e restaurantes arregimentam quem podem e não podem e o serviço é atroz. Eu pedia bolinho da bacalhau e ele se materializava na mesa. No final, o jovem veio.

- Foi um prazer servi-lo Ivan Ângelo. Reconheci pelos cabelos brancos e pelo bom humor. O senhor é muito divertido. Pode autografar seu livro para mim?

- Posso, cadê o livro?

- Não tenho, mas espero que o senhor me dê um!

- Volto já!

Corri à Livraria da Vila, consegui um exemplar de Pode Me Beijar se Quiser, do Ivan, voltei ao bar, assinei, o garotão ficou feliz. O que eu podia fazer? Tratar mal? Dizer não tenho o livro, não sou o Ivan? Não, comportei-me como Ivan faria, com delicadeza. Assim ele teve um fã confirmado. Aliás, com exceção de um, assinaria com prazer livros de todos os meus colegas.

Uma vez, em uma cidade mineira, o secretário de Cultura ao me apresentar dizia a todo momento: Ignácio Brandão de Loyola, para constrangimento de professoras de letras presentes. Outros dizem: Iguinácio, pronunciando o "g". Coisa comum em telemarketing. Quando digo que é apenas Inácio, retrucam: e o que faço com o "g"? Não respondo, sou gentil.

Agora, a coisa mais comum, iniciada com a época do Lula é, ao me entrevistarem em televisão ou rádio, me apresentarem:

- Vamos agora conversar com o escritor Luís Ignácio de Loyola...

Até mesmo numa recente Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa, sobre os desmandos e a corrupção na Bancop, um deputado do PT, José Mentor, de quem nunca tinha ouvido falar, caiu na armadilha, tanto preza o chefe, e me chamou de Luís Ignácio. Todo mundo riu, ele desconcertou, se calou. Antes eu corrigia. Agora, fico quieto, com o entrevistador insistindo:

- Fiz uma pergunta...

- Você fez ao Luís Ignácio, que é o Lula. Ele que responda!

Constrangedor? Pode ser, mas informe-se, respeite, trabalhe direito. Porém, ganhou a taça aquele senhor, um advogado conhecido, que me cumprimentou numa caixa de conveniência:

- Então, parabéns! Só o senhor vai consertar aquele time. Imponha respeito! São uns sem-vergonha.

Espero que o time vá bem, seja qual for, se não, minha reputação vai por água abaixo. Juca Kfouri, Antero Greco, PVC, me ajudem, que time me espera?

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