sexta-feira, janeiro 20, 2012

Quando querer é poder - ROBERTO LENT


O Globo - 20/01/12


A imprensa noticia regularmente as grandes dificuldades burocráticas que retardam fortemente a importação de materiais e equipamentos para os laboratórios de pesquisa brasileiros. São atrasos enormes na liberação pela Receita Federal ou pela Anvisa, exigências numerosas de documentos e documentos, às vezes causando a deterioração de substâncias caras e preciosas por armazenamento inadequado, e outras (muitas!) dificuldades. Um caso recente envolveu o meu instituto, e foi noticiado pelo GLOBO há poucos dias.

As importações - talvez o público não saiba - são essenciais para o andamento dos trabalhos em laboratório, porque a nossa indústria não tem ainda a diversificação e a especialização técnica para produzir os itens que precisamos - reagentes, materiais, equipamentos etc. Por conta disso, precisamos importar. Mas, com as exigências da Receita Federal e outros órgãos, um experimento pensado por um cientista pode ficar paralisado muitos meses pela demora em conseguir trazer para o laboratório os insumos adequados, mesmo quando temos recursos financeiros para fazer a compra no exterior.

A razão: as importações para a pesquisa são livres de impostos, mas tratadas burocraticamente do mesmo modo que as importações comerciais, que as empresas brasileiras fazem para comercialização ou uso em suas fábricas. É preciso apresentar muitos documentos (muitos mesmo!) para liberar os itens importados. E não é por algum capricho ou espírito de perseguição dos órgãos controladores dos aeroportos. É porque não existe diferenciação entre uma coisa e outra - as importações científicas e as comerciais.

A questão, entretanto, é simples de conceituar, e também simples de resolver. Bastaria vontade política para isso. Conceitualmente, o país precisa decidir se deseja alavancar a ciência, a tecnologia e a inovação para o seu desenvolvimento. Há indicadores de que a opinião pública recebe bem essa ideia, e o governo federal nos últimos anos tem correspondido com recursos crescentes e medidas muito positivas. Então, se é isso que todos desejamos, cumpre dar aos pesquisadores instrumentos especiais para a obtenção de insumos para o seu trabalho.

Como resolver o impasse? Talvez seja mais simples do que pensamos. O país atribuiria "passe livre" para os pesquisadores brasileiros credenciados pelas agências de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (pesquisadores 1A, segundo a classificação do CNPq). A ideia do passe livre funcionaria assim: todos os documentos necessários seriam apresentados como mandam a legislação e as normas, mas "a posteriori", ou seja, depois da liberação dos materiais importados. A Receita não os reteria nos aeroportos como faz hoje, mas os liberaria de imediato, sob a responsabilidade dos pesquisadores credenciados, que posteriormente apresentariam os documentos e se responsabilizariam legalmente pela sua utilização nos projetos de pesquisa.

Haveria malfeitos? Pouco provável. Os recursos de que os pesquisadores dispõem para a compra de insumos não permitem a compra de grandes quantidades, diferentemente das empresas que importam para comercialização. Além disso, todos os documentos seriam apresentados em um prazo predeterminado depois da entrada dos produtos importados, conforme as exigências legais, e desse modo as irregularidades poderiam ser facilmente identificadas e corrigidas, sem prejuízo para o andamento das pesquisas.

Talvez seja necessário alterar a legislação de algum modo, ou pelo menos as normas da Receita Federal, da Anvisa e de outras entidades. Mas, se o país reconhecer que a ideia do "passe livre" fomentaria decisivamente a ciência e a tecnologia, repercutindo no desenvolvimento social e econômico, a tarefa de mudar a legislação passa a ser quase uma obrigação dos parlamentares e autoridades envolvidas. A decisão política, nesse caso, é fundamental. As mudanças burocráticas correspondentes são apenas consequências da primeira. E, convenhamos, é possível implementá-las.

Nesse caso, querer é poder.

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