terça-feira, janeiro 31, 2012

Muito chão pela frente - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 31/01/12


Instituições econômicas globais despejaram, neste primeiro mês do ano, avalanches de prognósticos sombrios sobre a economia mundial. Banco Mundial, OCDE, FMI, no que são acompanhados por uma fieira de respeitáveis institutos internacionais, têm sido unânimes em vaticinar um 2012 de turbulências e recessão, com um longo e espinhoso processo até a recuperação. O clima é reforçado pelas agências de ratings que, uma após outra, não se cansam de rebaixar em série as notas de riscos dos países encalacrados, principalmente na zona do euro.

Aqui e ali, porém, surgem indicações de que nem tudo está tão perdido - ou, pelo menos, que é possível enxergar alguma luz no fim do túnel. As recentes ações do Banco Central Europeu, oferecendo suportes mais escancarados a governos e bancos privados, levam alguns a considerar agora como improváveis os antes tidos como quase inevitáveis colapsos de crédito, com suas conhecidas e devastadoras consequências. Nos Estados Unidos, sinais de recuperação se sucedem, com retomada do crescimento e redução da taxa de desemprego, ainda que em níveis modestos.

Tudo misturado e embaralhado, contudo, o que se pode realmente extrair como tendência consistente da massa de dados e análises oferecida ao distinto público? Uma resposta pelo menos mais organizada e atualizada vem de um levantamento do McKinsey Global Institute (MGI), braço de pesquisas da consultoria global de negócios McKinsey, publicado em janeiro, com dados de meados do ano passado. A conclusão é que o processo de desalavancagem caminha, mas em ritmos diferentes, conforme o país, a região e até mesmo o setor econômico.

A rearrumação das economias está apenas começando e, em geral, progride a passos lentos. Em meados de 2011, no conjunto das dez economias analisadas (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Itália, Austrália, Canadá, Japão e Coreia do Sul) houve uma pequena queda de 2% na dívida privada e um aumento de 26% na dívida pública, em relação ao ponto máximo registrado em 2008. O resumo da história é que ainda tem muito chão pela frente.

O estudo concentrou foco nas economias dos Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, considerando que cada uma representa subgrupos do conjunto. Tomou como ponto de referência a experiência histórica das crises financeiras e as bolhas de crédito ocorridas na Suécia e na Finlândia, na altura da década de 1990. Nesses episódios, a uma primeira fase de redução do endividamento privado, ainda com a economia em retração, seguiu-se outra, mais longa, de ajustes nas dívidas públicas e retomada do crescimento.

Só três das dez economias analisadas - Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul - já registram, três anos depois do pico do endividamento, redução da dívida total em relação ao PIB. Os Estados Unidos são os mais avançados nesse processo. Os débitos do setor financeiro americano recuaram para 40% do PIB, nível vigente em 2000, e, no caso das famílias, a compressão dos débitos, em proporção da renda disponível, foi ainda maior, equivalente a 15 pontos porcentuais, em relação à renda disponível. Mas não se deve esquecer que dois terços dessa redução são explicados simplesmente pelo não pagamento do que era devido.

Seguindo o roteiro histórico das crises financeiras e do estouro de bolhas de crédito, as dívidas totais ainda estão crescendo, em relação a 2008. É o caso tanto do Reino Unido quanto da Espanha. São bem diferentes, no entanto, os perfis e a composição do endividamento em cada caso.

Nos Estados Unidos, a maior parcela deriva do endividamento das famílias, enquanto no Reino Unido são as instituições financeiras que carregam o maior porcentual de endividamento em relação ao PIB. Na Espanha e na França, as empresas não financeiras respondem pela fatia mais relevante das respectivas dívidas totais. E no Japão, país que carrega um endividamento equivalente a 512% do seu PIB - o mais elevado entre as economias pesquisadas -, quase metade das dívidas é de responsabilidade do governo.

Curiosidade: a Alemanha, com sua aura de austeridade, carrega uma dívida total equivalente a 278% do PIB, dois terços dela dividida entre bancos e governo. Os alemães, proporcionalmente, estão tão endividados quanto os quebrados gregos.

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