sábado, janeiro 14, 2012

Chovendo no molhado - ZUENIR VENTURA


O Globo - 14/01/12


Não é de hoje que chove torrencialmente no verão, que rios transbordam, que correntezas arrastam pontes, que enxurradas derrubam casas, que estradas viram crateras, e que autoridades alegam ter sido apanhadas de surpresa (delas recolhi algumas pérolas: “a natureza é imprevisível”, “ela às vezes se rebela”, “não há o que fazer, a não ser rezar para que isso não se repita”).

Acho que cada morador do Rio pode escrever sua história pessoal através das enchentes a que assistiu. Para não ir muito longe — a 1711, por exemplo, quando se registrou pela primeira vez a ocorrência de grandes inundações na cidade —, basta recordar algumas tragédias marcantes causadas pelas águas de janeiro, fevereiro ou março. A mais lembrada costuma ser a de 1966, quando chuvas de uma semana provocaram desabamentos com a morte de 250 pessoas e 50 mil desabrigados.

No ano seguinte, houve soterramento de uma casa e dois edifícios em Laranjeiras, com 200 mortos e 300 feridos. E assim por diante. De 2000 a 2011, calcula-se que cerca de três mil pessoas morreram em consequência de desastres naturais.

Para mim, a rotina começou em 1942, quando minha família mudou-se de Ponte Nova para Nova Friburgo, percorrendo mais ou menos o mesmo roteiro das regiões atingidas agora: Zona da Mata mineira e serra fluminense. Viajando num velho trem da Leopoldina Railway, levamos quase uma semana para chegar ao destino, entre paradas e baldeações.

Chuvas fortes ininterruptas, estradas interrompidas, pontes arrastadas, barreiras caídas, mortes, desabrigados, o mesmo estado de calamidade. Parece que foi hoje. A repetição do óbvio. Um ano depois da tragédia que matou 900 pessoas em Friburgo e sete décadas após nossa acidentada mudança para aquela cidade serrana, as autoridades continuam chovendo no molhado.

O jornalista e escritor Antonio Callado dizia que o Brasil não ia pra frente porque aqui se roubam as rodas do carro. Pior: roubam merenda escolar, remédios, equipamento hospitalar, donativos, doações e, como aconteceu há um ano na Região Serrana, são desviados milhões de reais destinados às vítimas. Em vez de prevenir, as autoridades preferem remediar, até porque é mais rentável.

Além do quê, basta prometer providências, como fez o governo do estado: prometeu 75 pontes e entregou uma. Garantiu que ia construir milhares de casas para os desabrigados, e nenhuma foi construída. Como disse o presidente do Crea-RJ, “é hora de dar um basta. Nem 10% das obras necessárias foram realizadas”.

Enquanto isso, o ministro do meu pirão primeiro — verba para meu estado, emendas para meu filho, cargo para meu irmão e empregos para o pai e o tio de minha nora — continua se explicando.

De explicação em explicação, ele pode acabar caindo, digamos, de maduro, como os que caíram antes. É só a Dilma tomar coragem de sacudir o galho.

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