sábado, dezembro 03, 2011

A evolução do cafezinho - MATTHEW SHIRTS



REVISTA VEJA - SP


Surpreendeu-me o garçom em um restaurante do Rio de Janeiro, dia desses, ao responder à pergunta “Tem café?”.
“Não”, disse ele. “Só expresso.”


Achei que era pegadinha. Os cariocas não são imunes à tentação de tirar onda dos turistas, como se sabe. Esperei em silêncio com uma cara de confusão, sem saber como responder. O garçom voltou a limpar a mesa ao lado. Consegui balbuciar: “Então, dois expressos, por favor”. Desconfio ter visto um sorrisinho maroto subir pelo lado direito da sua boca. Não tenho certeza. Pode ser paranoia também. Fiquei com uma pulga atrás da orelha.
Poucos dias depois, peguei uma van no aeroporto simpático, tropical e modernoso de Confins, em Belo Horizonte, junto com uma escritora carioca. Estava a caminho de um evento literário em Ouro Preto. São mais de duas horas de estrada e, no caminho, paramos para um sanduíche de linguiça e um pão de queijo como só mesmo os mineiros sabem fazer. Afinal, ninguém é de ferro. A escritora carioca pediu um cafezinho, feito no coador, para encerrar nosso lanche com chave de ouro. De volta ao nosso veículo, ela me confidenciou, com orgulho: “No Rio, quase só tomamos expresso”.
A pulga saiu de trás da minha orelha nesse momento e ganhou um campo aberto. Juntei uma história com a outra em um devaneio rodoviário dedicado ao café. É um símbolo carregado de significados, pensei, em imitação ao professor herói do bestseller de Dan Brown, “O Código Da Vinci”.
Em São Paulo, para o bem ou para o mal, já não fazemos mais essa distinção entre cafezinho e expresso, não com tamanha clareza, ao menos. Existem diferentes maneiras de preparar a bebida, mas chamamos a todas pelo mesmo nome. Expresso = café. Ou, melhor ainda, cafezinho, esta palavra adorável. Mas é recente isso. Lembro-me da primeira máquina de expresso da Vila Madalena, montada na década de 80 pela lendária Ana Argentina, hoje proprietária do restaurante Martin Fierro.
Naqueles tempos, com o fim da ditadura, houve uma abertura abrupta para a cultura americana. Estudantes e artistas de São Paulo passaram a cultivar escritores como o devasso Charles Bukowski, autor de “Mulheres”, entre outros títulos. Acabara eu de me mudar para São Paulo e muitas vezes era chamado para responder pela cultura americana nos botecos da Vila Madalena ou no saudoso Pirandello, na região conhecida hoje como Baixo Augusta. Sem falar do velho e bom Riviera, na Consolação. Ouvia os elogios feitos aos escritores recém-descobertos, aos artistas plásticos “pop”, aos músicos do jazz, como Miles Davis e John Coltrane.
Mas muitas vezes os mesmos elogios eram seguidos da frase: “Só não entendo como é que vocês conseguem tomar aquele chafé medonho. O que é aquilo, cara? Tomar café junto com a refeição, de balde?” O chamado café americano era visto com desconfiança.
Bons cinéfilos paulistanos, meus amigos haviam assistido aos filmes de Hollywood. Todos os filmes, mais do que eu. E, no cinema, vira e mexe aparece a garçonete linda de cintura fina para “refrescar” o café do detetive ou do ladrão ou do jornalista. Aos olhos dos paulistanos aquilo parecia uma prática medieval — no mau sentido. Não chegava a estragar as obras clássicas de Hollywood. Mas quase. Era como se todos os personagens comessem bolos de aniversário inteiros no lugar de “comida”. Não fazia sentido.
Na estrada para Ouro Preto, tentava recordar como é que eu respondia a essas perguntas à época. Não consegui. Só ficou a imagem da indignação dos meus queridos amigos paulistanos. Nunca achei tão ruim esse chafé americano dos restaurantes tradicionais, para dizer a verdade. Ele é servido ainda nos bares mais populares. Mas hoje, confesso, prefiro o expresso. 

Mãe faz diferença - ANCELMO GOIS



O GLOBO - 03/12/11



Estudo de Marcelo Neri, da FGV, baseado nas notas de 650 mil alunos da rede municipal do Rio, a maior da América Latina, conclui que o desempenho de filhos de mães com nível superior é 123% maior que os demais. A comparação com pais mostra notas apenas 54% maiores.

Grande tacada

O desfecho da disputa pelos direitos autorais das obras de Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Orígenes Lessa surpreendeu gente do setor. “Por uma operação múltipla e conjunta”, a Global Editora anunciou ontem ter adquirido os direitos de edição de 130 títulos “dessas três estrelas”.

Aliás...

Pascoal Soto, da LeYa, diz que nunca cogitou fazer qualquer proposta pelos direitos das obras de Cecília e Bandeira: — Nossa editora foi usada para promover uma disputa que não existe. Estou profundamente magoado com essa história.

Relógio de Chávez

Veja como Chávez interfere em tudo na Venezuela. Um integrante da comitiva de Dilma em Caracas notou que o horário oficial do país é, talvez, o único do mundo dividido por meia hora e não por hora inteira em relação ao Meridiano de Greenwich. Assim, o horário de Caracas tem duas horas e meia de diferença em relação ao de Brasília.

Colker no ‘Fantástico’

A TV Globo vai trocar o balé de abertura do “Fantástico”. Uma nova coreografia foi encomendada a Deborah Colker e Jackie Motta.

O idiota
Quinta, na ABL, houve vários depoimentos comovidos sobre o desaparecimento de Maria Yeda Linhares, grande educadora. Cleonice Berardinelli contou como Yeda sofreu com o tristemente famoso Eremildo, então diretor da Filosofia da UFRJ.

FERNANDA LINDA,
perdão, Fernanda Lima, 34 anos, nossa modelo, apresentadora e atriz, excede em formosura em ensaio para a capa da revista “Marie Claire” de dezembro. A bela, aqui, repare, parece ter cortado os cabelos. Mas o penteado, digamos, “pega-rapaz” (pega eu) é só um truque. O que, de fato, não é truque é a beleza da moça. Com todo o respeito

As bazucas do FMI
Ontem, na gravação do programa “GloboNews Painel”, com a manda-chuva do FMI, Christine Lagarde (no ar hoje às 23h), o apresentador William Waack tentou fazer brincadeiras, digamos, machistas, mas não contava com a reação simpática, mas direta, da dama de ferro.

Foi assim...

Ao ser indagada se o Fundo tinha ou não “uma bazuca” para acabar com a crise europeia, Christine respondeu:
— Eu acho que temos múltiplas bazucas!
— Isso é perigoso nas mãos de uma mulher... 
—- retrucou William Waak.

A reação...

Christine não deixou barato:
— Por que mulheres?!
— Elas são mais consequentes que os homens
— tentou suavizar o coleguinha.
— Posso garantir que temos uma boa mira
— rebateu ela. A gargalhada foi geral.

É o fim do mundo
Ontem, com o tempo ruim, houve atrasos de até uma hora e meia de vários voos no Rio. É que a pista 28 do Galeão, usada para pousos nestas condições, estava com um problema em seu sistema Ils, por causa de... roubo de cabos de cobre.

Arigatô, bossa nova

Veja como chega longe o sucesso da nossa bossa nova. O jovem músico japonês Mitinari, que não domina a língua de Dilma, gravou, em português, um CD só de clássicos do gênero criado por João Gilberto. Tocará às quartas deste mês no Bip Bip, o boteco de Copacabana.

Todos pelo Rio

Jogadores de Fla x Vasco, no Engenhão, e de Botafogo x Flu, em Volta Redonda, amanhã, vão a campo com uma bandeira simbolizando o amor dos cariocas pelo Rio, numa ação do movimento Rio Eu Amo Eu Cuido.

PMs soltos

Sobre a nota publicada aqui ontem, a desembargadora Gizelda Leitão, da 4a- Câmara Criminal do Rio, diz que não havia fundamentação para manter presos os PMs acusados de forjarem autos de resistência. A decisão recebeu parecer favorável do MP.

Au, au, au

Quinta, uma moça andava com seu cãozinho yorkshire na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, quando... zupt!... um gatuno afanou seu totó e correu! O larápio foi pego, e o cachorro, devolvido. Antes de ir para a 12a- DP, o gatuno disse que “a raça, preferida das grã-finas, deve valer uma grana”. Faz sentido.

DEBORAH BLOCH, a atriz, posa para a posteridade com a filha Júlia Anquier, bela como a mãe, em sarau de Elza Soares, na Villa Philippe, em Santa Teresa

LUCIANO HUCK
se fantasia de Elvis Presley para gravar o quadro “Vou de Elvis”, do seu “Caldeirão”, que vai ao ar hoje

PONTO FINAL

Desvendado o mistério da miniatura de helicóptero com câmera que “bisbilhotou” a janela de Maitê Proença, motivo de foto (feita pela atriz) aqui ontem. Pertence ao fotógrafo Chico Lima, que importou o aparelho, chamado Hexacopter, para fotos aéreas como esta, da Praia de Copacabana. Chico entrou em contato com Maitê, que ficou aliviada. Que bom.

A família muda – e o amor também - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA



Casamento é opção, não prisão perpétua. Recasar não é começar de novo, mas continuar na mesma estrada


RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
O que todo mundo já sabia, por si só ou pelos amigos e parentes, acaba de ser comprovado pelo IBGE. Os divórcios e os recasamentos bateram recorde no Brasil no ano passado. Não é só porque estamos mais inquietos e egoístas, menos tolerantes com o outro, mais ansiosos para buscar a felicidade, mais abertos a desejos e fantasias, menos dispostos a engolir os sapos de uma relação que não deu certo – ou deu certo durante um tempo.
Que seja infinito enquanto dure, dizia o poeta. E, para 243.224 casais brasileiros no ano passado, o divórcio abriu caminho para uma solteirice temporária ou uma nova união. O “até que a morte os separe” deixou de ser uma bênção. Amedronta. Alguns noivos pedem que se pule essa parte no sermão. Casamento é opção, não prisão perpétua. Recasar não significa começar de novo, mas continuar na mesma estrada.
A mudança na lei arejou os costumes. Até 2009, o divórcio só era possível após um ano de separação judicial ou dois anos de separação consumada, quando homem e mulher não estão mais juntos, mas são considerados ainda casados pela Justiça. Se não há filhos menores ou disputa, agora é possível descasar em minutos, é instantâneo como uma injeção, às vezes dói, às vezes alivia a dor.
Se o amor foi um dia verdadeiro, o divórcio entristece por um tempo, produz manchas roxas na alma. O consenso é uma forma civilizada de continuar amigos, quando um quer mais se separar que o outro. Não sei se estão todos mais felizes. Alguns sim, outros não. Há viciados em recasamentos. Filhos sofrem, sim, com essas mudanças de parceiros. Sofrem mais se os pais brigam e continuam infelizes e resignados até se ver a sós de novo e se divorciar aos 60 anos.
Percebo na nova geração uma vontade romântica de provar aos pais modernos que o casamento pode durar tanto quanto o dos avós, para sempre. Mas há também uma turma apressada que se junta sem se conhecer e acaba separando em um mês ou seis meses. São uniões relâmpagos que ensinam no tranco. O casamento, por amor ou fantasia, sempre serviu de atalho para a maturidade. Hoje, muitos jovens não têm mais ideia das concessões que uma união exige. Não aprendem porque não veem mais isso em casa. O núcleo familiar se diluiu, o convívio deixou de ser regular ou forçado. As relações são mais libertárias, mais pressionadas pelo trabalho de pai e mãe fora de casa. Não acho hoje mais fácil ou mais difícil manter um amor ou educar os filhos direito. Sempre foi complicado. Mas o sacrifício em nome das aparências, tão típico das famílias classe média de Nelson Rodrigues, parece não fazer mais sentido.
Não casei no papel, nunca dei festa, mas tive dois filhos, de dois homens que eram meus amores e com quem eu dividia casa, cumplicidade, projetos e esperanças. Acho rica e emocionante a experiência de morar junto quando se gera um filho. Prefiro relações estáveis a ser freelancer. É um privilégio estar apaixonada. Namoro há 20 anos o mesmo homem, cada um em sua casa. Nunca pensamos em morar juntos. Achamos impossível conciliar o encantamento à convivência obrigatória. Temos medo das cobranças, desrespeitos e ressentimentos que envenenam tantos casais. Os namorados não estão imunes ao desgaste do tempo, mas se protegem melhor. É raro encontrar casais felizes há muito tempo juntos – mesmo entre os que recasam. Claro que eles existem. É preciso ter sorte, criatividade, paciência, muito amor e tesão.Não tenho nenhum amigo ou amiga que ainda esteja no primeiro casamento. Eles e elas estão no segundo, terceiro ou quarto casamento. Alguns têm filhos de várias uniões. Outros estão solteiros. Ou estão com alguém, mas em casas separadas. A credulidade e o ceticismo com o casamento variam com a experiência, as crenças e o temperamento. Nunca vi qualquer sentido em casamentos oficiais, documentos assinados, compromissos públicos firmados ou juras no altar. Não creio na regulamentação dos sentimentos. Nunca sonhei em casar de branco ou de charrete. Não me considero menos romântica por causa disso. Adoro rever Notting Hill, com Julia Roberts e Hugh Grant, e me emociono com declarações de amor.
O psicanalista britânico Adam Phillips, autor de Monogamia, disse ao jornal Folha de S.Paulo que “amamos e odiamos um casamento feliz”, porque ele nos confronta com nossos desejos e nossas frustrações. Para Phillips, uma das raízes clássicas de conflito é o que os casais pensam da infidelidade eventual. “Todo mundo tem ciúme sexual, ninguém suporta dividir seu parceiro de sexo, isso é impossível”, diz ele. “Mas o perigo é a monogamia acabar com o desejo e virar uma prisão.” Eu, pessoalmente, não acredito na fidelidade eterna. A não ser que casemos aos 65 anos.

Tutela do Estado posta em xeque - EDITORIAL O GLOBO



O GLOBO - 03/12/11

É comum afirmar-se que antes de existir povo no Brasil já havia o Estado. Pode ser um exagero, mas, se considerarmos o Brasil moderno aquele fundado a partir da chegada de Dom João VI, em 1808, ele surgiu sob a sombra da presença física da corte portuguesa e levou dela para a República a marca do convívio da sociedade com um poder forte e acima dela.

Indiscutível é que o Estado penetrou na vida da nação de tal forma que, se não houver atenção por parte da sociedade civil, cristalizam- se mecanismos de tutela do cidadão pela burocracia pública.

Iniciado nesta semana, o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de uma ação de declaração de inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo PTB, em 2001, contra parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), pode significar grande avanço na defesa das liberdades individuais, essência de qualquer regime democrático que faça jus ao nome.

Tendo como parte integrante a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a ação questiona a constitucionalidade de tentativas do poder público de, com base no ECA, punir emissoras que se recusam a aceitar como compulsórias as indicações de faixas etárias da programação feitas pelo Ministério da Justiça.

O voto do relator, ministro José Antonio Toffoli, é positivo. Ele foi ao ponto ao considerar tal prática uma “restrição à liberdade” das emissoras de montar as grades de programação. Não pode deixar de ser informado para que idade o programa é indicado. Mas querer impor horários de exibição é censura prévia, significa incorrer no dispositivo constitucional de liberdade de expressão.

No voto, o ministro propõe que se deixe o povo, os pais, os cidadãos decidir o que os filhos podem ouvir e assistir. Este é o x da questão. Embora por pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa o julgamento tenha sido suspenso, nos debates na sessão em que Toffoli apresentou o voto, os magistrados Luiz Fux, Cármen Lúcia e Carlos Ayres Britto fizeram comentários favoráveis à argumentação do relator.

— Proteger a família em que medida? Substituindo a família? Decidindo por ela? O Estado não foi autorizado a tutelar ninguém, sobretudo no plano ético — resumiu Ayres Britto.

O perigoso é que a infiltração do Estado na esfera privada da sociedade ocorre de maneira capciosa, sempre em nome do “bem”, da defesa da população, quando, na verdade, sufoca o livre arbítrio por meio da tutela.

Há vários outros exemplos. O da utilização do ECA para censurar rádios e TVs é um deles. O mesmo ocorre quando a Anvisa, agência do Ministério da Saúde, extrapola os limites legais e tenta vetar peças de publicidade de bebidas. Ou quando um burocrata suspende a venda de bebidas alcoólicas em postos de reabastecimento e restaurantes de estrada, em vez de coibir o uso do álcool por meio da fiscalização, como faz com sucesso a Lei Seca. Ou querer impor um layout para farmácias.

Devido ao figurino ideológico das forças políticas que chegaram a Brasília em 2003, o Estado “protetor” tem ganhado força. Assim, infantiliza-se a sociedade, considerada incapaz de sobreviver sem a tutela de cima. E sufoca- se qualquer iniciativa de organização social autônoma, ao largo de Brasília.

O preço - ILIMAR FRANCO



O GLOBO - 03/12/11

Além dos senadores Clésio Andrade (PR-MG) e Zezé Perrella (PDT-MG), Ivo Cassol (PP-RO) também assinou emenda da oposição à prorrogação da DRU. Cassol quer emplacar o presidente da Ceron, a companhia energética de Rondônia, que é uma empresa federalizada. Sugeriu o nome de dois ex-secretários de sua gestão no governo do estado: João Carlos Ribeiro e Alceu Ferreira.

Para Mantega com carinho
A Receita Federal editou instrução, em setembro, adiando para 2015 a obrigatoriedade de um selo fiscal para as garrafas de vinho comercializadas no país. O selo foi criado para coibir o contrabando e a pirataria. Os produtores reagiram e, em seu nome, o governador Tarso Genro (RS) falou com a presidente Dilma. O adiamento era pleito dos importadores. A presidente voltou a Brasília e chamou o ministro Guido Mantega (Fazenda) para discutir a decisão da Receita. No fim da reunião, Dilma determinou: "Guido, revoga isso". A instrução foi revogada e o selo fiscal para o comércio do vinho entra em vigor em primeiro de janeiro.

"A ‘grande realização’ de fim de ano da presidente Dilma foi tornar a Comissão de Ética um organismo decorativo, cujas posições, quando mais firmes, são desconsideradas” — Chico Alencar, deputado (PSOL-RJ)

MOTIVAÇÃO. Assessores da presidente Dilma atribuem a atitude do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de colocar em pauta a regulamentação da Emenda 29, à sucessão na Agência Nacional de Petróleo. Sarney e o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) gostariam que o atual presidente da ANP, Haroldo Lima, fosse substituído pelo diretor Alan Kardec. O governo foi surpreendido com a decisão de Sarney.

Visibilidade
Todos os atos do Ministério da Agricultura e dos órgãos vinculados passarão a ser divulgados num novo Portal da Transparência. "Tem que colocar tudo na internet, para que todo mundo seja fiscal", justifica o ministro Mendes Ribeiro.

Pressão
Os petistas querem mais dinheiro para a Saúde, na votação da Emenda 29. O senador Wellington Dias (PT-PI) questiona: "Como vamos fixar 15% obrigatório para os municípios? Fixar 12% para os estados. Como não fixar 10% para a União?".

Caça às bruxas no PSB
O auditório que sediou o congresso nacional do PSB, ontem, em Brasília, estava repleto de faixas contra o governador Cid Gomes (CE) e seu irmão Ciro Gomes, chamados de "coronéis". A mais agressiva dizia: "O PSB tem história. Os Ferreira Gomes têm várias estórias: Arena, PDS, PMDB, PSDB e PSB". A faixa foi retirada da parede. A Juventude do PSB-DF apareceu com esta: "Diga-me com quem andas... PSD não". Ciro foi vaiado.

Condição
Dirigentes do PT estão dispostos a reeditar a aliança com o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), mas avisam: "Quem vai escolher o vice é a gente". Lacerda e seu atual vice, Roberto Carvalho (PT), andam em pé de guerra.

Projeção
A direção do PSDB acaba de concluir uma avaliação sobre as perspectivas para as eleições nas capitais em 2012. Chegaram à conclusão que as melhores chances de vencer são em João Pessoa, Maceió, São Luís, Teresina e Rio Branco.

A SECRETARIA de Direito Econômico do Ministério da Justiça pode mudar de nome. A ideia é rebatizá-la de Secretaria do Consumidor, única área de ação do órgão que não passou para o Cade.

NA LUA. O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), não conseguiu embarcar em avião de carreira, na quinta-feira, para Recife. Ele não tinha documento de identificação com foto.

O EX-GUERRILHEIRO Bona Garcia vai assumir a diretoria financeira da Conab e não a presidência da companhia, que continuará sendo exercida por Evangevaldo Moreira dos Santos.

Incomunicabilidade - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 03/12/11

RIO DE JANEIRO - No cinema dos anos 50/60, era assim: Jeanne Moreau, em "Ascensor para o Cadafalso", "Os Amantes" e "A Noite"; Monica Vitti, em "A Aventura" e "O Eclipse"; Anna Karina, em "Uma Mulher É uma Mulher" e "Viver a Vida"; Anouk Aimeé, em "Lola"; Audrey Hepburn, em "Bonequinha de Luxo"; e até a nossa Leila Diniz, em "Todas as Mulheres do Mundo", todas tinham de ser boas de pernas -literalmente.

Os diretores desses filmes as faziam caminhar quilômetros pelas ruas, sozinhas, em silêncio, cenho franzido, como se buscassem uma comunicação impossível com seus pares, os quais também deviam estar zanzando feito zumbis pela cidade. Era a famosa incomunicabilidade -uma doença do progresso, da industrialização, do amesquinhamento dos valores. Quanto mais próximas, menos as pessoas tinham o que dizer. Os casais viviam "em cheque" ou "em situação", como se dizia.

Seja o que for que atormentasse aqueles personagens, só podia ser discutido a dois, ao vivo, entre longas pausas. Não se concebia que, em "A Noite", de Antonioni, Moreau entrasse num telefone público, metesse uma ficha e derramasse seus problemas existenciais para Marcello Mastroianni. As pessoas tinham de viver o seu inferno até o fim, em preto e branco, sem esperança de redenção.

Hoje, com todo esse arsenal de meios -celulares, smart-phones, androides, twitters, facebooks, SMSs e outros que nem imagino-, não se toca mais em incomunicabilidade. A própria palavra perdeu o sentido.
Mas, pelo que vejo de homens e mulheres de expressão carregada, digitando incansavelmente, na rua, na fila do banco, nas salas de espera, nos saguões e até nos restaurantes -o que essas pessoas tanto falam umas com as outras?-, desconfio que a busca da comunicação seja a mesma. A fartura de meios não eliminou a solidão.

Piriri - JORGE BASTOS MORENO -Nhenhenhém



O GLOBO - 03/12/11

Razões de Estado levaram o Itamaraty a recomendar segredo total sobre o mais grave acidente já ocorrido com uma delegação brasileira no exterior. Em visita oficial ao Líbano, o vice-presidente Michel Temer e comitiva de parlamentares e empresários brasileiros foram vítimas de graves infecções intestinais, de causas até hoje desconhecidas.

Saúde em casa
Quase 30 pessoas foram atendidas por equipes médicas de emergência que se revezavam no hotel onde a comitiva estava hospedada.

Homem de ferro
Impressionante a resistência de Temer que, recentemente, quase morreu, em Natal, vítima também do mesmo tipo de infecção. Ontem, em Nova York, Temer já fazia outras peraltices gastronômicas, mesmo sem estar totalmente recuperado.

Noite feliz
O Rio virou a noite sem governador. O vice, que estava em exercício, viajou para Genebra no início da noite. O titular, Sérgio Cabral, só chegou hoje de manhã.

Sinal da cruz
O PT pode entender de negócios, mas não de juventude. Quando o MEC escolheu a atriz Carol Castro para fazer a campanha do Enem, o mundo desabou sobre a cabeça do Haddad porque a atriz acabara de posar para a “Playboy” coberta apenas por um crucifixo no pescoço. Alguns bispos queriam que a moça tirasse o crucifixo do pescoço. Se Carolzinha tirasse a joia, aí sim ela ficaria totalmente nua. Haddad me consultou e eu disse: “Segure seus radicais, que eu seguro os meus, os padres Jorjão e Omar”.
Resultado: a campanha foi um sucesso total.
Tanto que a atriz acaba de renovar o contrato para fazer, agora, a campanha do Sisu.

FH elogia gestão de Haddad na Educação
Na sua agora já famosa conferência em Buenos Aires, anteontem, o ex-presidente Fernando Henrique foi só elogios ao ministro Fernando Haddad, ao reconhecer que a Educação no Brasil cresceu muito nos últimos anos devido ao espírito público do atual ministro, que soube valorizar o legado de Paulo Renato Souza.
(Sinceramente, não sei o que é mais escandaloso: as declarações do FH ou a coluna destacar essa babação de ovo) 

Dilma elogia alcance internacional da coluna
O governador Marcelo Déda, em audiência com Dilma, exibe a primeira página de uma publicação sobre sua gestão em Sergipe, onde o destaque é uma enorme foto dele.
A presidente pega a revista, olha demoradamente para a foto e exclama:
— Eis o governador mais bonito do país!
Mas logo a presidente recomenda:
— O Jaques Wagner não pode saber disso!
E Déda:
— Fique tranquila. Só vou contar para o “Nhenhenhém”. — Então, o mundo saberá! — respondeu a presidente.

Lambari
Mudanças no governo, em janeiro, poderão vir acompanhadas de uma pequena reforma administrativa no Ministério. Entre fusões de algumas secretarias com status, poderá também haver extinções. Na mira, o Ministério da Pesca, uma inutilidade.

Maravilhosaa!!!
Clarissa Matheus parou o Congresso esta semana.

Aviso
E retornou ao Rio solteirinha da Silva.

Haja resistências
Hugo Chávez, fofo, mandou seu chanceler Nicolas Maduro correndo para Maiquetía, só para receber Michel Temer em escala técnica para Nova York. Maduro ainda levou convite de Chávez para uma visita de Michel a Caracas.
Por favor, comida leve. 

Cena Muda
O prodígio Manuela D’Ávila, que já era líder estudantil no jardim de infância só porque gostava de discursar, ficou simplesmente muda diante de Chico Buarque, depois do show do artista no Teatro São Pedro.
Dia seguinte, foi a vez da Mariana Ximenes passar pela mesma crise nervosa.
Para a sorte da coluna, tanto a deputada como a atriz estavam acompanhadas dos seus respectivos namorados.
Dois gaúchos feios e chatos.

El fofoqueiro
Meus coleguinhas que cobrem educação viram ontem o ministro do governo anterior, Gilberto Carvalho, entrando no gabinete de Haddad para almoçar. Deve ter ido falar mal da Marta. Só pode.

Dodói
Serra ultrapassou o limite do estresse. Pirou de vez.

No vermelho - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 03/12/11

Quem olha para as contas do governo chega a pelo menos três conclusões: os gastos continuam crescendo, a uma taxa acima do PIB; os investimentos, que já são baixos, caíram; a arrecadação disparou em todos os impostos. O novo governo registrou até outubro déficit nominal de 2,36% do PIB contando o que paga de juros para rolar a própria dívida, com R$ 79 bi no vermelho.

Ao contrário do que tem sido repetido frequentemente pelas autoridades, o governo não reduziu os gastos; o ajuste como sempre é feito pelo aumento de arrecadação. As despesas, de janeiro a outubro, cresceram 3% em termos reais — descontada a inflação — em relação ao turbinado ano de 2010. Sem descontar a inflação, a alta é de 9,9%. As contas são do economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, que desconsiderou dos gastos de 2010 a contabilidade criativa feita pelo governo durante a capitalização da Petrobras.

— A palavra corte é errada, o que o governo fez foi desacelerar o crescimento das despesas, explicou.

Nas palavras certas, o governo deixou de gastar parte do aumento da arrecadação, que disparou 13,1% de janeiro a outubro, saiu de R$ 715 bilhões para R$ 809 bilhões. Para encarar os números é preciso fôlego de leão, porque todos os impostos passaram a arrecadar muito mais: CSLL (24,1%); Outros Tributos (20,5%); Imposto de Importação (17,6%); Imposto de Renda (15,7%); Cide (15,1%); IPI (14%); IOF (13,1%); PIS/Pasep (9,1%); Cofins (7,9%); Receitas Previdenciárias (9,4%).

Engana-se quem pensa que o dinheiro extra no caixa do governo virou investimentos. Eles caíram 3,7% nos 10 primeiros meses do ano, de ínfimos R$ 36,1 bilhões para R$ 34,7 bilhões. E a maior parte desse dinheiro foi destinado a investimentos atrasados, chamados de restos a pagar. Por outro lado, os gastos com pessoal e encargos sociais subiram 9,3%, de R$ 132 bilhões para R$ 145 bilhões.

O economista Rogério Werneck, da PUC-Rio, em artigo publicado neste jornal, calculou que chegaremos ao final do ano com aumento da carga tributária de 1,5 ponto percentual. Em 2010, ela fechou em 35,13% do PIB, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Isso quer dizer que quatro meses de salário dos trabalhadores foram parar nos cofres dos governos.

O economista-chefe para América Latina do banco francês BNP Paribas, Marcelo Carvalho, afirmou que o governo vai cumprir com folga o resultado primário este ano, mas apenas porque a arrecadação subiu e houve corte nos investimentos. O caminho que vem elevando a carga tributária há 15 anos no Brasil. Carvalho alerta que o nível atual de gastos é insustentável no médio prazo, principalmente por causa da Previdência Social.

— O quadro fiscal não é difícil no curto prazo, mas há inúmeros desafios de médio e longo prazos, a qualidade do gasto, a carga tributária alta e crescente. Diria que é um quadro insustentável no médio e longo prazos, a questão da Previdência é gravíssima no longo prazo e isso inspira muitos cuidados, disse.

Embora as receitas do INSS tenham subido 16,5% de janeiro a setembro, ainda assim as contas fecharam no vermelho em R$ 34,9 bilhões. Já o déficit da previdência pública, sem contar estados e municípios, chegou a R$ 41,5 bilhões. Enquanto a previdência pública gastou R$ 57 bilhões para uma arrecadação de R$ 15,5 bilhões; o INSS pagou R$ 205 bilhões com receitas de R$ 170,1 bilhões. A sociedade financiou um rombo de R$ 76,4 bilhões em nove meses.

A Tendências Consultoria acha que será difícil cumprir o superávit primário no ano que vem. Os gastos vão subir com a correção do salário mínimo, que terá impacto sobre os gastos da Previdência, Assistência Social e seguro-desemprego, e os incentivos fiscais de R$ 27 bilhões dados à indústria. O crescimento da receita deve desacelerar.

O déficit nominal, que inclui o que o governo gastou com juros, está em 2,36% do PIB, ou R$ 79 bilhões. O ideal seria o governo buscar o equilíbrio das contas, ou seja, o déficit nominal zero, para que os juros possam ser reduzidos mais fortemente sem risco para a inflação.

O grande erro que não se deve cometer é achar que as contas públicas brasileiras vão bem na comparação com outros países. Relativamente, parecemos bem, mas o governo fecha todo ano no vermelho.

O esvaziamento do MST - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 02/12/11


Dois fatos recentes revelam como está mudando a realidade no campo. Como resultado da perda de militantes, surgiu um racha no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), que veio a público com a divulgação de uma carta de 31 de seus apoiadores mais radicais se desligando do movimento e acusando sua direção de "subordinação às linhas políticas do governo", que prefere "movimentar a massa dentro dos limites da ordem e ampliar projetos assistencialistas", deixando de lutar pelo socialismo. Por seu lado, o Incra, depois de constatar que mais de 100 mil famílias assentadas venderam os lotes que lhes foram destinados, lança uma campanha para alertar a população contra esse tipo de operação ilegal.

Esses fatos evidenciam os efeitos do desenvolvimento do País, com o crescente índice de urbanização e dos níveis de emprego proporcionados pelo agronegócio e por atividades tipicamente urbanas, principalmente para trabalhadores que ganham entre um e quatro salários mínimos. As diferenças entre a situação atual e a que prevalecia em 2003, quando o PT chegou ao poder, são flagrantes. Naquela época, existiam no País 300 mil acampados, aguardando assentamento, número que vem caindo verticalmente. Em 2010, falava-se em 120 mil acampados, total que recuou para 60 mil este ano, segundo informações do próprio MST. Menos acampados significam menos militantes, para a irritação de líderes como João Pedro Stédile, que está entre os signatários da carta, sendo 28 deles do Rio Grande do Sul, onde o movimento começou a ser organizado na década de 1980.

O MST perdeu o peso político que tinha no governo de Lula. Significativamente, a presidente Dilma Rousseff não fez menção à questão agrária na campanha eleitoral de 2010. Seu governo, por sinal, é expressamente contrário às invasões de terras, que no passado geraram tantos conflitos, muitos deles violentos.

Já o Incra, hoje em dia, luta para manter os programas de reforma agrária em funcionamento. Levantamento do órgão mostra que, do total de 789.542 famílias assentadas por ele nos últimos dez anos, teve de excluir 103.543. Destas, 42,9% abandonaram os lotes que lhes foram concedidos por desinteresse ou falta de conhecimento e experiência para cultivá-los. Outros 35,4% fizeram transferências ilegais de domínio. Há também 10,6% que não cumpriram as cláusulas contratuais. A situação é particularmente crítica em novas fronteiras agrícolas. Em Mato Grosso foram excluídos 24,8% dos assentados e em Rondônia, 34,9%.

A campanha do Incra destina-se a evitar que muitas pessoas interessadas em adquirir terras para cultivo ou que possuem propriedades adjacentes aos assentamentos comprem lotes destinados à reforma agrária, sem amparo legal, podendo depois sofrer desapropriações. A expectativa é de que, em contrapartida, o Incra, de acordo com os planos do governo, dê melhor assistência aos assentados, organizando-os em cooperativas, se for o caso, dando viabilidade econômica à produção de lotes pequenos, verdadeiros minifúndios.

O presidente do Incra, Carlos Lisboa de Lacerda, alega que, como os primeiros assentamentos foram localizados em áreas de solo pobre e topografia acidentada, isso acarretou muitas desistências. Nos lotes mais recentemente concedidos, as condições seriam melhores. De qualquer maneira, ele não nega que há muita rotatividade nos assentamentos e que existe demora na concessão de títulos definitivos de posse das terras, embora não haja estatísticas a esse respeito. Com a posse assegurada, o proprietário poderia vender os lotes legalmente, mas, segundo o presidente do Incra, se houvesse titulação em massa de terras destinadas à reforma agrária, poderia haver uma "reconcentração" em face das pressões do mercado. Em outras palavras, teme-se que fique ainda mais evidente que a reforma agrária - como entendida pelos governos petistas - é um flagrante anacronismo, pois é baseada na pulverização da propriedade e não na agricultura familiar com alto conteúdo tecnológico.

No entanto, as forças de mercado avançam inexoravelmente no campo, deixando para trás o MST e o próprio Incra.

Estética e ética segundo Thomas Mann - DANIEL PIZA


O ESTADÃO - 03/12/11

O gênio alemão, entusiasta de Broch, desvenda em coletânea de ensaios não só os autores que analisa mas também a si mesmo


Escrevendo em 1952 sobre Émile Zola, que no célebre artigo Eu Acuso defendeu o capitão judeu Dreyfus das acusações de espionagem, Thomas Mann (1875- 1955) lembra como um grande autor era capaz de provocar indignação e revoltar o mundo e diz que "desde então o retrocesso ético tem sido terrível". A humanidade se tornou embrutecida, apática, uma multidão de "aleijões morais". Muito antes, em 1929, descrevendo o classicismo de Lessing, o escritor alemão dá outro salto para o presente e afirma: "Já fomos tão longe no campo do irracional". A modernidade vinha se tornando mais e mais avessa ao intelecto, às ideias, à noção básica de sensatez. E é esse ponto de vista, de um humanismo que quer assimilar as paixões e as pulsões, que une os ensaios de O Escritor e Sua Missão (editora Zahar), finalmente traduzidos no Brasil.

O livro serve não apenas para reafirmar a filosofia ética e estética de Mann, mas também para registrar mais uma vez o papel do gênero ensaístico para os grandes romancistas modernos. Como Mann, o que Proust, Joyce, Kafka, Musil e os maiores prosadores do início do século 20 buscavam era revigorar a narrativa de ficção com a densidade do pensamento, cada um a seu modo. No caso de Proust, por exemplo, tratava-se de levar a crítica de arte (e música e literatura) para dentro da mente dos personagens, a começar pelo narrador. No caso de Mann, os diálogos dos personagens têm um grau de articulação semelhante ao que se encontra em ensaios; um romance como Dr. Fausto contém verdadeiro tratado sobre música. Não por acaso, no texto sobre Bernard Shaw incluído na coletânea, Mann nota que seus personagens falam no palco como o ensaísta em público.

Os ensaios de Mann, dessa forma, dizem muito sobre os autores que analisa e, ao mesmo tempo, sobre seu próprio autor, como, de resto, acontece com os melhores ensaístas desde Montaigne. Por isso é fácil entender que o mais longo dos textos seja, claro, sobre Goethe como Representante da Era Burguesa - Goethe que aparece citado em diversos outros ensaios, sobretudo naquele sobre Tolstoi. Afinal, toda a obra ficcional de Mann - de Os Buddenbrooks até José e Seus Irmãos, passando por Morte em Veneza e A Montanha Mágica - é devedora justamente de Goethe e da literatura russa, com doses fundamentais da filosofia angustiada de Schopenhauer e Nietzsche. Sobre Tolstoi, por exemplo, diz que não tem a espiritualidade de um Goethe, mas em compensação era capaz de "uma força narrativa sem igual". Em Dostoievski acentua o caráter transgressor, o qual demonstra que a natureza humana também se sente atraída pelo sofrimento e caos.

Saímos dos ensaios de Mann, ainda que não tenham o tom de críticas literárias (são antes conversas eruditas sobre grandes autores), com visões originais ou ao menos agudas sobre as obras. Quando comenta Ibsen, faz um paralelo com Wagner para mostrar que o compositor fez pela ópera o que o dramaturgo fez pela comédia de costumes: deu uma "feição perfeccionista e amplificadora" a esses gêneros populares. Se diz que em O Lobo da Estepe temos um Herman Hesse tão experimental quanto Joyce ou Gide, sentimos vontade de reler o esquecido Hesse. E ao examinar a obra de um autor bem distinto de si mesmo, como Chekhov, apontando Uma História Enfadonha como seu conto preferido, nos faz repensar o modo como o autor russo soube ficar a meio caminho entre esperança e desesperança. Não há passagem obscura ou banal nos ensaios de Mann.

Não que ele chegue a definir uma "missão" para o escritor, já que não tinha índole missionária; mas para o bom leitor algumas dessas páginas bastam. Mann acredita que o papel do escritor é muito mais que contar histórias ("as obras mais elevadas se contentam com um mínimo de ação"); é enxergar mais a fundo a natureza humana; em outras palavras, é estético e ético ao mesmo tempo. A "humanidade plena" consiste em buscar o equilíbrio entre racional e sentimental, mas sabendo que esse equilíbrio é sempre instável, precário, carente de revisão constante. No ensaio central sobre Goethe, em destaque, usa o termo "burguês" não no sentido marxista, pejorativo (o empregador que explora o trabalhador), mas no de cidadão urbano de classe média, que então significava alguém dotado de um mínimo de responsabilidade e dignidade, ponderado, sóbrio, laborioso, sem ser reacionário ou autoritário - como o próprio Goethe ou, podemos acrescentar, ele próprio, Mann.

O que Mann exalta em Goethe, seu lado "não burguês", é a crítica ao filistinismo (a aversão natural do homem comum às sutilezas do intelecto, da chamada alta cultura) e ao nacionalismo (que Mann observa que, na verdade, é sempre provinciano) e, obviamente, a tradução disso em obras perenes, feitas com a personalidade do gênio, cuja mente nunca está confortável no ambiente da mediocridade geral. Genialidade é fazer obras que são ao mesmo tempo novas e duradouras, é transformar a inquietude em grandeza por meio da obstinação. Como no Aschenbach de Morte em Veneza, a abertura à paixão não leva a lugar nenhum se o intelecto se abstém. A aventura mais determinante é a do espírito; a ousadia que faz diferença é a do pensamento. Por mais burguês e conservador que Goethe fosse em seu comportamento e suas opiniões, sua criatividade não fugia aos desafios mais ambiciosos. De Mann, sem dúvida, se pode dizer o mesmo.

Não é difícil entender por que o estudo mais longo trata de Goethe: a obra de Mann deve muito ao ficcionista de Werther

Disciplina e fé - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 03/12/11

Há pelo menos uma coisa em comum na vitória dos partidos islâmicos no Egito, na Tunísia e no Marrocos, os países que fizeram eleições no rastro da Primavera Árabe: prevaleceu a disciplina dessas organizações políticas, em detrimento do voluntarismo dos partidos oposicionistas e dos movimentos da sociedade civil.

Há também algumas nuances fundamentais que separam, por exemplo, o Marrocos dos outros países, embora esteja, como a Tunísia, na região do Magreb, considerada berço de um islamismo mais moderado.

O embaixador do Brasil Frederico Duque Estrada Meyer ressalta que a vitória do partido islâmico no Marrocos não foi novidade, pois já havia sido vitorioso em 2007.

Para ele, o resultado não tem nada a ver com o que ocorre nos outros países. A chamada "primavera árabe" teria em comum, na visão do diplomata, apenas a falta de legitimidade dos sucessores dos ditadores e a internet.

O movimento de 20 de fevereiro no Marrocos, lembra Duque Estrada, pedia mais empregos e partia de jovens de classe média e alta, que foram os grandes derrotados desta eleição: pregaram o boicote eleitoral e quase metade da população votou - mais do que em 2007, quando 37% foram às urnas.

Na Tunísia e no Egito, o comparecimento ficou perto de 80%.

O embaixador relembra que mesmo os jovens não pediam mais liberdade ou direitos para as mulheres - que já têm todos, exceto de herança -, ou a destituição do rei.

Apesar dos anos de chumbo, diz ele, desde a independência o país adotou o pluripartidarismo, enquanto Portugal e Espanha viviam sob Salazar e Franco.

A Comissão da Verdade já foi implementada lá e encerrou seus trabalhos, que foram transmitidos pela TV, com depoimentos de torturados inclusive.

Tanto na Tunísia quanto no Egito, destacaram-se as organizações partidárias islâmicas como as mais preparadas para angariar votos junto aos eleitores.

Nos dois países, os partidos que venceram as eleições, Liberdade e Justiça, no Egito, e Nahdha, na Tunísia, utilizaram-se de modernos métodos tecnológicos para orientar os eleitores, como iPad indicando o local das votações ou explicando o mecanismo de votação, e obtiveram bons resultados.

Embora tenha recebido apenas 23% dos votos, o Nahdha lidera a coalizão majoritária na Constituinte, e tem sido objeto de muitas críticas por parte dos partidos oposicionistas e da sociedade civil de maneira geral.

Oficialmente, anuncia-se como favorável a um governo laico, como o partido islamita que dá suporte ao governo turco de Recep Erdogan, mas é acusado de apoiar propostas radicais nos trabalhos constitucionais.

Agora mesmo várias universidades entraram em greve contra a interferência de religiosos que querem separar mulheres e homens.



Embora o Nahdha diga oficialmente que nada tem a ver com essa proposta, os estudantes acusam o partido de estar por trás desses movimentos.

A professora de Literatura e Civilização francesas Hela Ouardi, da Universidade de Tunis, fez uma palestra ontem, na reunião da Academia da Latinidade, que marcou bem o papel dos intelectuais no momento de transição que o país vive.

Depois de fazer uma análise do islamismo, do ponto de vista histórico e religioso, ela se disse convencida de que o Islã não é incompatível com a democracia. O que não é compatível, afirmou, é o clericalismo, que quer se impor aos muçulmanos embora no Islã ninguém seja habilitado a representar o mediador entre homem e Deus, e ninguém seja autorizado a dizer qual é o Islã verdadeiro.

Forçando uma visão metafórica para desconstruir o que vê como uma tentativa de impor o controle religioso sobre o Estado, Hela Ouardi disse que os muçulmanos na Tunísia sabem disso, e, se eles votaram naqueles que eles acreditam fazer parte do "partido de Deus", não é porque desejam ser governados por um clérigo em uma embalagem civil, mas porque pensam que finalmente a autoridade de Deus só pode se encarnar na autoridade do povo.

A professora tunisiana diz que a insurreição popular na Tunísia foi uma reação à privatização do Estado por uma família, uma oligarquia.

Portanto, afirmar que a soberania pertence a Deus significa que pertence a todo mundo, e não a um grupo de indivíduos.

Nesse contexto, Hela Ouardi diz que o fato de os tunisianos terem votado maciçamente nos membros do "partido de Deus" não foi pelo seu valor intrínseco, nem pelo valor de seus representantes - a quem ela nega até mesmo a legitimidade revolucionária -, mas porque estavam convencidos de que os que chegaram ao poder em nome de Deus trabalharão pelo bem comum, o que lhes dá a sensação de que não serão excluídos das ações do Estado.

O que os tunisianos procuram não é uma autoridade que lhes transcenda, diz a professora Ouardi. Ela acusou o partido islâmico Nahdha de ter tentado um golpe de Estado constitucional recentemente para confiscar a soberania popular em nome de um partido religioso.

Essas tentativas, advertiu, serão logo compreendidas como uma nova privatização do poder, "e estaremos diante de um desvio do processo histórico deslanchado na Tunísia depois de janeiro de 2011, quando o povo afirmou em alto e bom som que era a única fonte de poder".

"Toda tentativa de usurpar esse poder, mesmo em nome de Deus, será rejeitada pelo povo tunisiano", advertiu a professora.

Ela classificou a vitória do Nahdha como "o canto do cisne" do islamismo na Tunísia, embora admita haver "um risco bem real" de instauração de um regime totalitário, que o partido anuncia em seus documentos desde a fundação e não renegou.

Crescimento é solução para a dívida, diz FMI - ROLF KUNTZ

 
O Estado de S.Paulo - 03/12/11

Para Lagarde, Brasil tem condições de enfrentar a crise, mas deve acompanhar a atuação dos bancos


A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, voltou a advertir para o risco de uma década perdida na zona do euro, se não houver uma solução rápida e abrangente para a crise dos países endividados. Qualquer solução deve ir além dos programas de ajuste das contas públicas.

"Sem crescimento, será impossível cuidar do problema das dívidas", disse Lagarde numa entrevista em São Paulo, ontem, ao canal GloboNews.

Sua avaliação das condições brasileiras foi bem mais otimista. Embora nenhum país seja imune à crise, o Brasil tem boas condições para enfrentá-la, graças à combinação das políticas fiscal e monetária, à solidez do sistema financeiro e ao colchão de reservas, hoje em torno de US$ 350 bilhões e bem acima do valor disponível em 2008. Mas será conveniente, aconselhou, acompanhar a atuação dos bancos para ver "se não ficam sentados em cima da liquidez".

A "solução rápida" para a crise da zona do euro terá de vir na reunião de líderes em 9 de dezembro. Só depois da entrevista, numa rápida conversa com um professor convidado para assistir à gravação, ela manifestou preocupação com a conferência de cúpula, ocasião escolhida para apresentar as propostas coordenadas pela chanceler alemã, Angela Merkel, e pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Lagarde mostrou algum otimismo, no entanto, ao mencionar a decisão dos dois dirigentes de apoiar uma ação mais ampla do Banco Central Europeu (BCE). Mencionou também como novidade positiva a ação combinada de seis dos maiores BCs do mundo rico para dar sustentação ao sistema financeiro.

Qualquer solução para a crise europeia terá de incluir respostas à crise das dívidas soberanas, esforços de consolidação fiscal e reformas estruturais, mas nenhuma funcionará sem maior expansão econômica, disse a diretora do FMI. Ela justificou seu ponto de vista com o exemplo da Itália. O país tem dívida soberana equivalente a 120% do PIB e tem pago juros muito altos - até acima de 7%. Sem crescimento, será impossível fechar a conta.

É preciso, continuou, distinguir problemas de solvência, como o da Grécia, e de liquidez, como os da Itália. Se as dificuldades de liquidez não forem atacadas com urgência, poderão transformar-se em problemas de solvência, e isso seria desastroso.

Embora apontando a necessidade de soluções mais prontas, Lagarde reconheceu, no entanto, as dificuldades políticas de adotar respostas em cada um dos 17 países da zona do euro, todos democráticos, e de promover, depois, acordos entre todos.

Lagarde não comentou as condições impostas pelo governo brasileiro para ajudar no fortalecimento de caixa do FMI. Mas lembrou a disposição de cooperar manifestada na reunião do Grupo dos 20, em Cannes, por líderes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e de outros países, como a Austrália.

A corregedora e o espetáculo - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR


 O Estado de S.Paulo - 03/12/11


Mais uma vez a ministra Eliana Calmon voltou a falar em "bandidos de toga" e revelou que está investigando operações suspeitas de juízes na venda e compra de terras no Estado da Bahia, além de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí e Goiás. É importante que ela revele a disposição de investigar e de punir, com rigor e sem nenhum favorecimento, pois é sua atribuição como corregedora nacional de Justiça. O que não parece necessário é a ofensa generalizada que lança contra a classe dos magistrados, composta, em sua grande maioria, por pessoas absolutamente íntegras.

A expressão "bandidos de toga", repetida aos quatro ventos sem a necessária identificação, projeta uma luz negra sobre todos os juízes que compõem essa mesma maioria e também desejam a punição de quem saiu da linha. Para investigar e punir juízes não há necessidade de levantar poeira ou anunciar antecipadamente a intenção. O que interessa à opinião pública e ao Estado de Direito é o resultado da correição, com a clara indicação de quem se desviou da conduta e dos princípios de honra, respeito e dignidade, exigíveis para quem usa a toga.

Enfim, a disposição de punir, por ser obrigação da corregedora, precisa mesmo ser exercida com a desejável eficiência. Por isso mesmo, o anúncio antecipado de intenções deveria ser evitado, até mesmo por favorecer os eventuais envolvidos.

A Lei Orgânica da Magistratura, acolhida pela Constituição de 1988, conferiu aos tribunais estaduais a obrigação de exercer a direção e a disciplina dos órgãos e serviços a eles subordinados. É direito indisponível, do qual não podem abdicar, nem ceder, para que as investigações sobre juízes sejam exercidas tão somente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Seria melhor que esse trabalho, em virtude do interesse público, fosse feito em clima de harmonia nas duas esferas, mas sem o antagonismo inaugurado pela ministra.

Em São Paulo, o índice de irregularidades praticadas por juízes é baixíssimo e quase inexistente em termos estatísticos. Sim, há juízes malcriados, que tratam com arrogância as partes, outros que são grosseiros com os advogados ou não os atendem, e há também muitos que demoram para julgar as causas. Isso é lamentável e não deveria ocorrer, porém a presença de corrupção, ou seja, de "bandidos de toga", é raríssima.

Alguns poucos casos investigados e comprovados pela Corregedoria resultaram em inapeláveis condenações. O trabalho de apuração é sigiloso, porque assim o recomenda a inteligência, mas o julgamento do investigado se faz na presença de um procurador de Justiça.

Exatamente por existir um padrão de seriedade envolvendo os juízes paulistas, as palavras da ministra provocaram enorme mal-estar, silenciosamente contido. O espetáculo havido destoa por completo da tarefa discreta e silenciosa de quem tem o dever de julgar.

Eliana Calmon é juíza de carreira e sempre agiu como tal, porém agora, quando se aproxima de sua aposentadoria, adotou atitude aparentemente voltada para o grande público. Seria de esperar que realizasse o seu trabalho de corregedora com o mesmo ou até maior rigor, mas não que deixasse escapar expressões que põem sob suspeita todos os demais juízes brasileiros.

Juiz algum se sente conformado com a afirmação de que há "bandidos de toga na carreira". Seria preferível que a ministra indicasse essas pessoas, inocentando as demais. Ademais, afirmar por antecipação que alguém cometeu um delito equivale a antecipar julgamento, que ocorrerá mediante o devido processo legal, com ampla defesa.

Imagine-se como ficará comprometida a imagem da corregedora caso esses culpados por antecipação, ao final, após julgamento, acabem absolvidos.

A visão da ministra de que há um "amolecimento" nesse trabalho, por "corporativismo ideológico perigosíssimo", reflete lamentável desconhecimento de como se processam as investigações e os processos administrativos nas Corregedorias, pelo menos no Estado de São Paulo.

Em razão do princípio constitucional do contraditório, feita a denúncia contra juiz e havendo razoável indício de veracidade, é instaurado impiedoso processo administrativo e intimado o envolvido para oferecer defesa. Esses processos no Estado de São Paulo são julgados conjuntamente pelos mais experientes desembargadores, com a participação e a presença obrigatória do Ministério Público.

Não há como proteger alguém sem que isso se converta em enorme escândalo, justamente, repita-se, pela presença do Ministério Público. Os 25 componentes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista, filtrados por idade, longa experiência e conduta, julgam os juízes acusados - e o fazem na maioria das vezes com o máximo rigor, sem nenhuma complacência. Existem até mesmo casos de juízes paulistas que são afastados da carreira por não conseguirem manter a pauta, dadas as suas condições de saúde.

O grande motivo de tensão para um juiz é ser intimado pela Corregedoria para prestar esclarecimentos e se defender das acusações, necessariamente feitas por advogados. Esses julgamentos, repita-se, são acompanhados pelo Ministério Público e por isso mesmo se torna surpreendente que a ministra Eliana Calmon, ao falar em "corporativismo ideológico perigosíssimo", não tenha tido o cuidado de circunscrever a ofensa à área territorial em que ocorre, bem como revelar os nomes.

Confundir bons e maus representa suprema injustiça praticada exatamente por quem tem o dever de decidir com acerto. Sobretudo por ter sido juíza e ministra de tribunal, era de esperar postura mais moderada nas palavras da ministra, além de mais respeito aos bons, os quais, insista-se, são por ela atirados no mesmo saco dos "bandidos de toga".

Tribalismo - LUIZ FUX



O GLOBO - 03/12/11

O pior cego é aquele que não quer ver. Os críticos que se enquadram nessa moldura são cognominados de “tribalistas”. Esse tribalismo foi recentemente manifestado contra a criação de um novo Código de Processo Civil.

O processo civil é um instrumento de realização de justiça e, exatamente por isto, deve propiciar ao Poder Judiciário meios para uma resposta judicial mais célere. A morosidade da Justiça conduziu o Parlamento à edição da Emenda Constitucional no 45/2004, na qual inseriu- se a garantia fundamental da “duração razoável do processo judicial” (art. 5 o-, LXXVIII, da Constituição).

Esse direito fundamental de todo cidadão brasileiro é fruto das declarações dos direitos do homem, constantes dos monumentos legislativos como a Declaração da ONU, O Pacto de São José da Costa Rica, a Declaração Europeia, a Declaração da África e de Madagascar e a Declaração dos Povos Muçulmanos.

Justiça demorada é justiça denegada; quiçá injustiça.

Exatamente com esse objetivo republicano de viabilizar a resposta judicial pronta e célere, para utilizarmos a expressão da Constituição costarriquenha, o parlamento, mais uma vez, movido por nobilíssimo propósito, propôs-se a instituir um Novo Código que reduza em 50% o tempo de duração dos processos em geral e em 70% aqueles que têm como objeto o denominado “contencioso de massa”, no qual se repetem ações com idênticas teses jurídicas e por isso reclamam a mesma solução, em nome do princípio da segurança jurídica e da igualdade de todos perante a lei e a Justiça.

Á luz desse quadro otimista, sobressai uma severa perplexidade: A quem interessa a demora do processo? O que pretendem os tribalistas com a crítica ao surgimento do Novo Código? A que objetivos pode ser vir um processo que não se finda?

Martin Heidegger, o filósofo da Floresta Negra, afirmava que toda pergunta traz ínsita a sua correspectiva resposta; de sorte que esse tribalismo processual anulase pela bastardia de sua própria origem.

A proposta do Parlamento brasileiro, consistente no projeto do novo Código, privilegia todas as cláusulas pétreas, do devido processo legal à ampla defesa, perpassando pelo contraditório.

Ressoa evidente que para cumprir essas promessas constitucionais não há necessidade de permitir- se recursos infindáveis, processos repletos de “vai e vem”, decisões diferentes para casos idênticos, gerando a violência simbólica da desigualdade, tampouco a duração de um decênio para que advenha a palavra final do Judiciário, sem aludirmos ao absurdo que enxerga transformar o Brasil num país de magistrados. Assim, por exemplo, os juízes da Suprema Corte americana ostentam um acervo de 80 processos para julgar por ano, enquanto que o Supremo Tribunal Federal brasileiro tem 88.000 processos nos seus gabinetes. O Superior Tribunal de Justiça germânico (Senado) deve desincumbir-se, num ano, de 3.000 processos. Essa é a produção de um ministro do Superior Tribunal de Justiça do Brasil em dois meses de trabalho, porquanto o acervo daquele tribunal conta com mais de 260.000 processos por julgar.

É razoável imaginar a criação de um numero proporcional de juízes para acompanhar essa quantidade de processos e recursos, aumentando sobremodo a despesa pública custeada pelo cidadão contribuinte, ou é mais proporcional elaborar um código para que os juízes existentes possam conferir a prestação judicial mais célere?

Mais uma vez invocamos Heidegger, não sem antes reconhecermos que na época desse notável filósofo do século passado não havia ainda o Tribalismo, “o movimento dos ideologicamente cegos que não querem ver”...

LUIZ FUX é ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente da Comissão Encarregada da Elaboração do Novo Código de Processo Civil Brasileiro.

O telefone da Europa - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 03/12/11


Há alguns anos Henry Kissinger, então secretário de Estado americano, lamentou que "a Europa não tem um número de telefone". Hoje estaria satisfeito. A Europa tem um número de telefone: o da chanceler alemã, Angela Merkel. Da Grécia a Dublin, do Fundo Monetário Internacional (FMI) à Letônia, de Washington a Roma, todos os que estão em pânico neste momento diante da perspectiva de um fracasso da zona do euro, estão vigilantes à fisionomia, os sorrisos, os trejeitos e o olhar de uma única pessoa: Angela Merkel.

E Nicolas Sarkozy? Ele vem em segundo lugar. É injusto, uma vez que o presidente francês há alguns meses vem tendo o hábito de salvar a Europa a cada 15 dias. Mas o diagnóstico aí está. Por mais que se agite, Sarkozy não tem peso na trajetória da Europa. Além disso, não há mais nada a dizer: na quinta-feira ele proferiu um grande discurso trágico, anunciado pelos seus "assessores da comunicação" como "fundador" sobre a Europa. E o que disse? Absolutamente nada. Ou melhor, disse que se encontrará na segunda-feira com a chanceler Merkel. Aliás, foi por isso que não pôde anunciar nada sobre a Europa.

Esta é uma situação inédita. Outrora era Paris que dava o tom da conversa. Depois, Berlim e Paris em conjunto. Há um ano, e para evitar o naufrágio do euro, as duas nações mais ricas do continente, França e Alemanha, assumiram o leme do navio. O duo Sarkozy-Merkel escamoteou as instituições da União Europeia em Bruxelas, assumindo as decisões e as comunicando aos demais Estados-membros, que ficaram exasperados por isso. Referências eram feitas ao "duo" franco-alemão, ao "casal franco-alemão".

Há algumas semanas, a dupla evoluiu. O duo foi substituído por uma bizarra equipe composta de um ator apenas - Angela Merkel - e um "figurante inteligente" - Nicolas Sarkozy. Quer se trate de nomear o novo presidente do Banco Central Europeu (BCE), apoiar o primeiro-ministro italiano, recorrer ao eurobônus ou lançar uma reforma dos estatutos da União Europeia e da zona do euro, a decisão cabe agora, em última instância, a Merkel.

O estranho é que Angela Merkel usa essa posição dominante para reforçar os poderes da Comissão Europeia. Nesse ponto, Sarkozy e ela se opõem.

Sarkozy, herdeiro da tradição "centralizadora" da França, se fixa nela no que chama de "método intergovernamental". Sonha com uma Europa que seria uma associação de Estados.

Angela Merkel, pelo contrário, se empenha para que a Comissão de Bruxelas, inexistente desde alguns anos, reencontre poderes infinitos, incluído aí o poder de castigar os países frívolos ou trapaceiros (em quem ela estaria pensando?).

A opção da chanceler se justifica. De fato, na Europa "intergovernamental" atual, abandonada a si mesma à medida que a Comissão de Bruxelas e seu absurdo presidente José Manuel Durão Barroso estão totalmente silenciosos, cada país tem feito o que lhe dá na cabeça, sem se incomodar com os compromissos firmados pelo Tratado de Maastricht, acumulando déficits orçamentários monstruosos e se endividando até o pescoço, conduzindo o Velho Continente para onde se encontra hoje: à beira do precipício.

Em resumo, Angela Merkel deseja uma Europa não intergovernamental e indulgente, como a de Sarkozy, mas uma Europa federal e forte, implacável, feroz, uma Europa virtuosa como uma Alemanha.

É por isso que a chanceler da Alemanha rejeita aqueles que, como Sarkozy, gostariam que o BCE, renunciando à sua autonomia em relação aos governos, pudesse fornecer aos Estados falidos recursos para poderem pagar suas dívidas, mesmo que isso possa relançar a inflação em toda a zona do euro.

E essa possibilidade, Angela Merkel, ortodoxa e austera, recusa. Mas vamos nos tranquilizar. Mesmo sem o dizer, o BCE já está empenhado nessa ajuda, mas furtivamente, fornecendo somas limitadas e em casos de extrema urgência. Mas ela aceitará que o banco tente conter a especulação, fornecendo recursos ilimitados para as nações em perigo?

Uma outra questão, mais fundamental: a Europa, para escapar das fatalidades, vai reformar seus estatutos, mudar suas regras fundamentais no sentido da "virtude", com um controle implacável por parte da Comissão Europeia dos orçamentos de cada país? É o que vamos saber na próxima segunda-feira. Por quê? Porque será o dia em que Nicolas Sarkozy e Angela Merkel se reunirão. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Segundo decênio preocupante - WALTER CENEVIVA



FOLHA DE SP - 03/12/11

Parece certo que 2012 será assinalado por preocupações novas, no Brasil e no mundo

Dezembro chegou, para fechar o mês onze, do ano onze, na espera de janeiro. Parece certo que o ano próximo será assinalado por preocupações novas e grandes, no Brasil e no mundo.

Boa parte de nossos interesses econômicos são vinculados a poderosos grupos internacionais. Sob o ângulo do Direito se destacam duas visões: a contribuição desses grupos, em grande número de casos, mostrou boa avaliação histórica, desde começos do século 20. Ao mesmo tempo se sabe de casos em que a economia nacional foi sacrificada, com graves prejuízos: o exemplo da Chevron no vazamento de óleo em nosso litoral está em exame. A propriedade de terras por estrangeiros exemplifica o desrespeito do art. 190 da Constituição.

A sustentação técnico-jurídica dos cuidados essenciais no plano do direito privado pode ser colhida no livro "Contratos Internacionais" do professor Luiz Olavo Baptista, editado com apoio da OAB/SP. Seu autor, respeitada autoridade no assunto, recebeu esta semana o prêmio "Barão de Ramalho", do mais que centenário Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), presidido por Ivete Senise Ferreira.

Baptista, no capítulo dedicado à interpretação do contrato internacional, entre outros critérios, é claro ao sustentar a necessidade de muita cautela quando se busque saber a intenção comum das partes, na relação de direito privado, incluída a lei sob a qual o ajuste se regerá. O mesmo se pode dizer quando se cuide da aplicação do direito público, à vista do disposto no art. 5º, parágrafo 2º da Constituição.

Nossa produção legislativa (149 leis federais publicadas até meados de novembro) também preocupa. A boa quantidade não vem acompanhada pela importância dos assuntos: 40 das leis dão nomes a lugares ou entidades nacionais. No campo dos defeitos redacionais vale referir a Lei n. 11.977/09. Foi precedida por uma medida provisória, logo seguida por outra que a modificou, a qual, por sua vez, foi corrigida pela Lei n. 12.424 deste ano.

A má qualidade também repercute nas relações externas, no plano dos direitos privado e público, à vista dos princípios do direito internacional envolvidos, conforme enuncia Luiz Olavo Baptista, alguns deles (independência, autodeterminação dos povos, igualdade entre as nações, por exemplo) encontrados no art. 4º de nossa Constituição.

A criação legislativa e a aplicação das leis geram queixas contra a insuficiente preservação do Brasil em relações internacionais. No direito interno, Estados e Municípios se queixam por não receberem adequada retribuição do percentual de rendas da nação, obtidas de fontes em seu território. No plano da cidadania, são conhecidas as crescentes preocupações que o brasileiro coleciona (criminalidade, improbidade administrativa, entre outras).

Por último, a crise atual não se confunde com a de 1929, quando os interesses dominantes foram dos Estados Unidos e da Europa. A América Latina era um centro de atividade agrícola, sem qualquer peso no mercado internacional. As nações da África não existiam. A economia chinesa não era relevante. A União Soviética, fechada em si mesma, ia de Leningrado a Vladivostok, quase a metade do diâmetro do planeta, no caminho. Tudo mudou e seu efeito está por ser avaliado.