sábado, setembro 03, 2011

FERNANDA TORRES - Tempo, tempo, tempo…


Tempo, tempo, tempo…
FERNANDA TORRES
Revista Veja - RIO

Duas horas e quarenta minutos. No relógio. Foi quanto eu levei para completar a terceira sessão de depilação definitiva.

O dia não havia começado promissor.

Às 9 da matina daquela sexta-feira, eu já me encontrava sentada na cadeira da dentista. Acreditei que na segunda consulta concluiria a contenção da arcada inferior, algo que eu estava adiando havia mais de ano com a ajuda de um aparelho de dentes que eu esqueci no avião. Reagi com espanto à notícia de que o fio pré-moldado não se encaixava corretamente. Tentei negociar uma forma de me livrar de uma terceira visita ao 7º andar da Siqueira Campos, mas foi em vão.

Meu destempero deixou as duas doutoras discretamente boquiabertas. Como explicar que não sobra tempo? Que, fora o trabalho e a família, a idade aumenta a necessidade de rotinas de saúde e beleza, o que congestiona ainda mais a vida curta?

A dermatologista, eficientíssima, que se esmerou por duas horas e quarenta no comando do incinerador de pelos a laser, contou que, certa vez, receitou uma lista de cuidados para um senhor que sofria de uma coceira causada por ressecamento cutâneo. Ao ler o tratado, o paciente deu uma pausa e respondeu com mesura que, para executar o protocolo a contento, teria de acordar às 4 da matina, todos os dias, antes de ir trabalhar. “E isso é uma coisa que, vamos combinar, não vai acontecer.”

Quanto mais vivido o cidadão, mais revisões ele deve fazer. É difícil dar conta. Quando eu era jovem, tinha medo de ir mal na prova da escola. A maturidade me trouxe um receio ainda pior, o de ser reprovada no exame de sangue.

Embora frívolos, os cuidados cosméticos não ficam a dever em termos de obrigatoriedade.

É possível ser hippie até os 30 anos, depois complica. Se você é mulher, complica muito. Os cabelos brancos são um divisor de águas, o momento decisivo de se tornar, ou não, uma mulher bem tratada. Para sê-lo, saiba que uma boa parte da sua passagem na Terra será gasta com cutículas e raízes aparentes.

Sempre fugi de salão de beleza. Fico exasperada com o tempo gasto em cortar, pintar, fazer unha, escova… Talvez por executar esse ritual constantemente na minha profissão eu tenha desenvolvido essa aversão quando estou à paisana, mas desconfio que não aguentaria mesmo se fosse veterinária ou cozinheira.

Fora o tédio, a aplicação da tintura provoca queda na autoestima. É um terrível efeito colateral. Nenhuma mulher deveria ser vista com o cabelo empastelado de amônia, perfume e pigmento, é feiís­simo. Para dar resultado, fica-se uma boa hora diante do espelho nesse estado monstruoso e exalando um cheiro meio bom, meio ruim. É um exercício de desapego digno de um monge budista. Igualmente humilhantes são as sessões depilatórias.

No fim da interminável recauchutagem, a sensação de égua tratada realmente não tem preço, mas o custo em segundos é incalculável.

Quando optei por não me deixar largar, criei a ilusão de que conseguiria ocupar as tardes nos salões de maneira produtiva. Carreguei computador e livros e me instalei na bancada. Pra quê?

Não conheço cristão que resista à tara por revistas de moda e fofoca no cabeleireiro. É a literatura ideal, não tem outra. Curiosamente, em ambientes menos fúteis, como as antessalas dos especialistas em medicina, também impera esse tipo de publicação. É corpo são e mente em compasso de espera.

Talvez por ter me exasperado mais do que queria na dentista, enfrentei sem muxoxo as duas horas e quarenta de gelo, ar refrigerado e agulhadas lancinantes poros adentro. A promessa de me livrar da intimidade excessiva com moças que eu mal conheço, munidas de cera quente, me segurou na maca.

Sigo resignada. Não tem jeito. É daí para pior. Otimizar é a palavra de ordem.

Juntei o check-up do ginecologista com o do clínico geral. É tanto teste que eu nem sei quanto tempo vão demorar para me virar do avesso. Faço uma escova razoável em mim mesma e já não queimo o pescoço quando piloto o baby liss.

Eu me esmero na tentativa de executar breves paradas no boxe, seguidas de uma longa corrida.

WALCYR CARRASCO - Torturas estéticas


Torturas estéticas
WALCYR CARRASCO
Revista Veja - SP




Quando minha fiel escudeira, Célia, serviu o jantar, percebi que ela respirava com dificuldade.

— Você está bem? — perguntei.

— Botei uma cinta modeladora. Olha como estou magrinha.

Apertei os olhos. Na minha opinião, continuava igual. Só um pouco azul por falta de ar.

— Desista, isso só vai deixar você nervosa. Também pare de tomar remédios para emagrecer. Daqui a pouco você vai chorar sem saber por quê.

Ela concordou. Mesmo porque a cinta já estava apertando demais. Tentei ajudá-la:

— Depois dos 50 não tem mais jeito. Conforme-se.

Foi aí que ela caiu em lágrimas!

Sei o que é viver sob o jugo de uma modeladora! Quando fiz lipoaspiração, tive de usá-la por dois meses. Bem apertada. Nos primeiros dias, tive a impressão de que o coração ia sair pela boca, literalmente. Andava ereto, com o queixo empinado para a frente. Mexia os braços como se estivesse embaixo d’água. Quando ia pegar o avião, os sensores de metais gritavam. Era levado para uma salinha, onde mostrava o colete fechado por ganchos metálicos. Mesmo assim, era esquadrinhado de cima a baixo. Os agentes perguntavam, solidários:

— O senhor operou o coração?

— Não, foi para perder a barriga — respondia sem jeito.

A atitude amigável transformava-se em completo desprezo. E pior: durante o voo, minha barriga inchava. Quase morri sufocado várias vezes. O que se faz por vaidade! Uma atriz aceitou o papel de gorda da história numa novela que escrevi há algum tempo. Mal começou a gravar, iniciou o regime. Mandei um aviso:

— Seu papel é de gorda!

Ela insistiu com os amigos:

— Quero ficar bem, para estourar como estrela.

Como no íntimo rejeitava o peso, também não incorporou a personagem. Os remédios a deixaram muito nervosa. Ouvi falar de crises de choro nas gravações. O que teria sido uma gratificante estreia transformou-se num sofrimento.

Dia desses uma amiga apareceu com três manchas de queimadura no rosto.

— O que houve?

— Fiz um procedimento para eliminar marcas de expressão e rejuvenescer a pele. Como você percebeu?

Outra amiga lutou contra a celulite com a ajuda de um aparelho que emite algum tipo de raio, enquanto a esteticista dá beliscões bem fortes para queimar as gorduras.

— Doeu, mas suportei!

— Deu resultado?

— Ainda não sei, comprei um pacote de dez sessões...

Gemi por ela!

Um personal trainer que conheço é mais radical. A partir de setembro, só se alimenta de clara de ovo e batata-doce.

— É para estar com o corpo trincado no verão.

Para quem não sabe, um abdômen trincado é o mesmo que sarado, tanquinho... e não me perguntem por que essas palavras são sinônimo de beleza. Importa saber que, ao ouvir o personal trainer, entendi do que ele falava. Quer estar no auge para ir de sunga à praia. Explicou:

— Clara de ovo é proteína pura e não engorda.

Não sei se as informações procedem. Eu, pessoalmente, jamais iniciaria um regime sem base médica. Mas vale a pena viver de clara de ovo? De que me adiantaria conquistar uma barriga, digamos, “tanquinho” se entraria em crise histérica ao me lembrar de uma lasanha ao forno?

Penso muito sobre isso. Qual o motivo de sofrer tanto por meras questões estéticas? (Mesmo porque há outros tratamentos torturantes que não citei.) Terminei a conversa com minha escudeira com um conselho:

— Sabe, Célia, você não tem de emagrecer. Precisa é de um amor.

— Será?

Fiz que sim. Todo mundo diz que quer ficar bonito. Mas o que falta é amor. Simplesmente, um novo ou antigo, mas um maravilhoso amor.

JORGE BASTOS MORENO - NHENHENHÉM - Boicote


Boicote
JORGE BASTOS MORENO - NHENHENHÉM
O GLOBO - 03/09/11
Quem conhece bem o ex-ministro Zé Dirceu sabe que, nessa questão da invasão de privacidade no hotel, o que mais o deixou indignado foi a divulgação da lista dos políticos que foram lá despachar com ele.

Zé recebeu muito mais gente do que o divulgado.
Lista negra
E quem conhece a presidente Dilma sabe que muitos nomes da lista de Zé Dirceu, se por acaso já pisaram os pés no Planalto, não voltarão.
O estranho caso...
Antes de ser recebido triunfalmente no congresso do PT, ontem, em Brasília, Zé Dirceu foi ao hospital tirar os pontos de uma hérnia umbilical.

Para que pudesse enxergar melhor o próprio umbigo.

Zé está todo faceiro porque essa cirurgia é mais comum nos bebês.

A de fimose pretende fazer antes do julgamento do STF.
Investimento
Lula, quando quer uma coisa, não há quem o convença do contrário.

A favor dele nessa tentativa de tirar Chalita do páreo para poder fazer Fernando Haddad prefeito de São Paulo está o fato de ser portador de um defeito mortal na política: a gratidão.

Se Chalita desistir, Lula é capaz de fazer dele presidente da República.

Não duvidem!
Rodeio
Ontem, no meio daquela confusão agropecuária, muita poeira e cheiro de animais, a presidente Dilma vira-se para a deputada Manuela D'Ávila e diz, em alto e bom som:

— Aguente firme!
"Afasta de mim..."
Tem os 10 dedos das mãos do Cabral a nomeação de Lindbergh para a fundação do Lula.

Ontem, Lindinho estava no Amapá. Em missão.
A menina bonita que quer ser feia
A líder estudantil chilena Camila Vallejo, a Manuela D'Ávila deles, ficou comovida com o carinho recebido dos brasileiros, na sua viagem pelo mundo para denunciar a violência policial em seu país.

— Não esperava que fosse reconhecida nas ruas do Brasil — diz a jovem de 23 anos, com os seus olhos verdes arregalados.

Mas não é só no Brasil, Camila hoje é símbolo da luta dos povos que foram massacrados por ditaduras sangrentas. É impressionante o conhecimento político que ela tem do continente. Carismática, Camila conquistou Brasília.

Só não gostei do fato de ela ter esconjurado sua própria beleza, como se enaltecê-la depreciasse sua luta. Nessa sua luta inglória contra a natureza que a fez bela, Camila Vallejo chega ao delírio de pôr a culpa na mídia.

Se ela não fosse tão linda assim, eu até pensaria que ela é filha do Rui Falcão.
Conversa muito difícil para a vaga no TCU
Parceiros de longa jornada, o governador Eduardo Campos e Aldo Rebelo tiveram esta semana uma conversa muito difícil. Aldo vai disputar com a mãe de Campos, Ana Arraes, o TCU.
Ciúmes
Em mensagens separadas, pedi notas para a coluna ao Cabral e ao seu vice, Pezão.

Cabral é completo: já manda com título:

"Ciúmes

Pezão passou mais um final de semana em Tiradentes com Anastasia.

Sergio Cabral não disfarça mais o ciúme".
Ciúmes — parte final

Só que, menos de um minuto depois, recebo esta do Pezão, também com título:

"Ciúmes — parte final
E ele, com o Lindbergh em Madri? Não fala nada?".

O Pezão também não esconde mais o ciúme.

Eu fico com pena do prefeito Eduardo Paes, metido no meio dessas brigas de amor.
Cargos
Eduardo Cunha prometeu devolver todos os cargos que tem no governo federal.

Mas, até agora, nada!

A fila anda!
Carnaval
Cunhei no Twitter: a deputada Jaqueline Roriz criou a "corrufolia" — a corrupção fora de época.
Sem líder
A deputada Jaqueline Roriz foi absolvida porque não surgiu nenhum nome de peso para articular sua cassação.
Emoções
Quase 30 anos depois de ter tentado, como presidente da UNE, o então reitor-fundador da UFMT, Aldo Rebelo, e Gabriel Novis Neves se reencontraram numa peixada em Cuiabá, sob os aplausos do ministro Gilmar Mendes e dos senadores Jorge Viana e Pedro Taques.
Praia
Temer, Marcela e Michelzinho entram de férias na semana que vem.

ANCELMO GÓIS - FESTA NA MÚSICA


FESTA NA MÚSICA 
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 03/09/11

O Ecad, escritório arrecadador de direito autoral, resolveu finalmente sacar o dinheiro que a TV Globo vem depositando em juízo, na ação judicial em que se discute o valor dos direitos de execução musical na programação da emissora.
É coisa de mais de R$ 70 milhões.

OU SEJA... 
Os artistas vão poder receber uma grana superior ao prêmio da última Mega-Sena (R$ 63,9 milhões), que saiu para Aracaju.

A CASAMENTEIRA 
Dilma, que no episódio de A Grande Família de quinta salvou o casamento de Lineu e Nenê, tem uma ideia fixa.
Desde os debates sobre o aumento da dívida dos EUA, não tem um dia que não comente com seus ministros aspectos da crise econômica internacional.

AVIÃO TABAJARA 
Jaques Wagner jantava quinta com um grupo de amigos no Rio, quando se deu conta de que estava atrasado para pegar o voo de volta a Salvador. Foi a deixa para o humorista Marcelo Madureira engatar:
– Não se preocupe, governador. Eu o levo no meu jatinho e aproveito para falar de uns projetos que tenho na Bahia.

FH E AGAMENON 
FH gravou uma ponta, esta semana, no filme As Aventuras de Agamenon, o personagem de humor que O Globo publica aos domingos.
Segundo o ex-presidente, “Agamenon sempre fala o que não pensa”.

PISCO E CACHAÇA
Terça passada, em Santiago, técnicos do nosso Ministério do Desenvolvimento ouviram dos colegas chilenos um pedido para que o Brasil reconheça como “pisco”, a bebida, só o destilado de uva feito no Chile. A exemplo do champanhe francês.
É que, pela lei brasileira, pisco é definido apenas como bebida de alto teor alcoólico, sem especificar sua procedência.

MAS... 
O secretário executivo adjunto do ministério, Ricardo Schaefer, topou com uma condição: que deem o mesmo benefício à minha, à sua, à nossa cachaça. As conversas só começaram.

PV SEM SIRKIS 
Alfredo Sirkis, o deputado do PV, foi excluído pela primeira vez de um programa de TV do partido, que faz 25 anos agora.
A razão seria o apoio dado por Sirkis para Marina Silva deixar a legenda.

MESTRE SCLIAR 
A Companhia das Letras vai publicar dois volumes de crônicas do grande escritor gaúcho Moacyr Scliar, que morreu em fevereiro.
Um deles só com textos inéditos. Aliás, ontem, a Bienal fez uma homenagem póstuma a Scliar com a presença da viúva, Judith. Merece.

DILMA NA ONU 
Dia 19, Dilma participará na ONU da reunião de chefes de Estado sobre doenças não transmissíveis.
No mesmo dia, a presidente será uma das estrelas de um encontro organizado por Michelle Bachelet sobre a participação política das mulheres.

NO MAIS 
Quando o primeiro-ministro Berlusconi diz que a Itália é um país de merda, está repetindo o que aparece num famoso filme de Mario Monicelli, Os Companheiros. Na tela o professor Sinigaglia (Marcello Mastroianni) passa de automóvel por um grupo de trabalhadores e pergunta: “Que país é este?” E eles respondem: “País de merda!”.

ILIMAR FRANCO - Desautorizado


Desautorizado
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 03/09/11
 
A avaliação dominante no Planalto é que o presidente do STF, Cezar Peluso, foi contestado por seus pares dos Tribunais Superiores. Os ministros do governo contam que, antes do envio do Orçamento de 2012 para o Congresso, foram feitas várias reuniões, inclusive na véspera. Foi acertado que os R$ 8 bilhões para reajustes salariais do Judiciário não constariam da proposta, cabendo ao Congresso remanejar recursos para esse fim.

PSD: o que o DEM ainda teme

A direção do DEM vai fazer o que puder para retardar ou impedir que o TSE dê registro definitivo para o PSD. O comando demista avalia que, se o PSD virar partido até 20 de setembro, haverá uma corrida de novas filiações. A expectativa é que o DEM tenha perdas relevantes, desta vez de prefeitos e vereadores eleitos pelo partido, sobretudo em São Paulo e Santa Catarina. O líder no Senado, emóstenes Torres (GO), reconhece: “Tem muita gente de stand by, só esperando pelo registro.” A base municipal é fundamental, conforme estudo do cientista político Antonio Lavareda, nas eleições para as vagas na Câmara dos Deputados.

"Os estados produtores já ganharam muito dinheiro, porque os nossos representantes aqui dormiram. Mas agora acordamos e queremos a nossa parte” — Blairo Maggi, senador (PR-MT), sobre os royalties

BATENDO CABEÇA. A redução da taxa Selic pelo Copom desconcertou a oposição. O líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), onsidera que “houve interferência do Planalto, arranhando a autonomia do Banco Central”. Já o candidato tucano à Presidência José Serra, em seu blog, diz sobre a interferência: “Isso é uma tolice. Expressar uma posição não significa impor uma decisão tecnicamente injustificável”.

Contrapartida

O presidente da CUT, Artur Henrique, em reunião com a presidente Dilma, cobrou contrapartidas trabalhistas de empresas que recebem financiamento público. Na agenda, os acidentes de trabalho e as lesões por esforço repetitivo.

Sutileza
O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, vai pedir ao governador Eduardo Campos (PE) que retire a candidatura ao TCU de sua mãe, a deputada Ana Arraes (PSB). Alega que o deputado Aldo Rebelo (PCdoB- AL) é mais competitivo.

Fiscalização para combater a tortura

A presidente Dilma vai enviar projeto de combate à tortura ao Congresso. O objetivo é permitir que peritos independentes fiscalizem presídios, cadeias e manicômios. Essa medida será anunciada juntamente com a liberação de R$ 1 bilhão para programa do Ministério da Justiça para construção e ampliação de presídios. A intenção é criar 300 mil novas vagas nas prisões. Hoje, há 60 mil presos em delegacias de polícia.

Engatilhando

A Camex vai aprovar, na segunda- feira, regra pela qual o Brasil poderá usar o mecanismo do “dumping retroativo”. Previsto pela OMC, o reforço na defesa comercial tem como alvo produtos vindos de China, Coreia, Vietnã e Tailândia.

Treino

Pré-candidato a prefeito de São Paulo, o ministro Fernando Haddad (Educação) tirava fotos ontem com a militância no 4o-Congresso do PT. Sem experiência eleitoral, questionado se estava treinando, ele respondeu, rindo: “Tô, né”.

 O GOVERNADOR Sérgio Cabral arrancou risos, na quarta-feira, na audiência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado sobre royalties, ao afirmar: “O senador Aécio Neves está aqui, pelo Rio de Janeiro.”
 DISPUTA. Há três candidatos para a presidência da representação brasileira do Parlamento do Mercosul: os senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE), Ana Amélia Lemos (PP-RS) e Roberto Requião (PMDB-PR).
 O PREFEITO de Duque de Caxias, Zito, filiou-se ontem ao PP. Os apelos do presidente nacional do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), não adiantaram. 

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE


Receituário
SONIA RACY
O ESTADÃO - 03/09/11

Visitadores do Programa Estadual de Erradicação da Miséria aplicarão, a partir de outubro, questionário do PNUD às 300 mil famílias que ganham menos de R$ 70 per capita nas cem cidades mais pobres de São Paulo. A ideia é garantir que cada membro da família passe a receber um mínimo de R$ 70 via programas assistenciais.

O primeiro passo é mapear as demandas para turbinar os serviços. Depois, revisitar as famílias a fim de firmar termo de compromisso com até cinco metas a cumprir. Exemplos? Comprovar frequência do pai desempregado em curso de qualificação ou de dependente químico em atividades de recuperação.

Quem assina o termo recebe cartão conjunto Bolsa Família e Renda Cidadã.


Junto misturado

Depois de anos na contramão do PMDB Nacional, o PMDB paulista pós-Quércia gravou seus programas para a TV com Michel Temer como garoto-propaganda. Quem assina as peças é Elsinho Mouco, publicitário que ficou bem na foto ao colocar Lula nas recentes inserções nacionais do partido.

Os novos programas, que serão veiculados em todo o Estado a partir do dia 12, terão outra estrela: Baleia Rossi, filho do ex-ministro Wagner Rossi. Em cada município serão apresentados também os pré-candidatos locais.

O recado? "Estamos unidos".


Cofrinho

Está pronta para ser votada no STF ação de "desaposentação". A estranha palavra é uma referência ao trabalhador que, mesmo aposentado, continua contribuindo com o INSS e pede novo cálculo da aposentadoria.

O tema estava na pauta da última quarta-feira, mas não foi votado. Deve entrar nas próximas semanas.


Quem vem

As gaúchas que se cuidem. Alan Pauls, muso da literatura argentina, desembarca em Porto Alegre em novembro. Participa da feira do livro da cidade e lança seu novo romance, História do Cabelo.


Casal 20

Graças ao Facebook, metade dos ingressos para a 3ª Convenção dos Colecionadores de Barbie no Brasil já foi vendida. O evento, em novembro, vai comemorar os 50 anos do Ken.


Leitura real

A Linguagem das Flores, livro de cabeceira da princesa Kate Middleton, será lançado na Bienal do Rio. Pela Sextante[17 E 18/12].


Boi na linha

A Fazenda paulista avisa: a JBS não tem do que reclamar quanto à não restituição de ICMS. Sob argumento de "ineficiência fiscal", a empresa anunciou que fechará unidade em Presidente Epitácio. Como a maior parte dos bois lá abatidos vem do Mato Grosso do Sul, ela alega já pagar ICMS na origem, de 12%.

Mas a Secretaria replica: por causa de benefícios tomados em outros Estados, "à margem da legislação", a JBS teve impugnados "diversos créditos de ICMS decorrentes de compra e transferência de carnes".

Além disso, a empresa teria outros débitos inscritos na Dívida Ativa do Estado. E isso, por si só, já configuraria "impedimento para apropriação de créditos acumulados do ICMS".


Armados com riso

Nem só de show de Roberto Carlos vive a Terra Santa. Começou anteontem, na Palestina, o FestiClown, que reúne 15 companhias de circo do mundo inteiro. É a primeira vez que um festival como esse acontece no território.

Nas duas próximas semanas, a trupe passará por Jerusalém oriental, Nablus e Ramallah.


Com riso 2

Na descrição do festival está previsto um "exército de narizes vermelhos". Para protestar contra a denominada ocupação israelense na área. Armas? Só o riso.


Na frente

Abre hoje, na Pinacoteca, a exposição As Aventuras da Linha, de Saul Steinberg.

Márcio Garcia e Rodrigo Lombardi desfilam, respectivamente, para as grifes PUC e Hering Kids. No fim de semana do Fashion Week Kids.

Marta Suplicy pilota almoço em sua casa para Sylvain Itte, cônsul-geral da França em São Paulo, e para os palestrantes do Seminário Brasil Metropolitano. Amanhã.

A exposição de Franz Weissmann, comemorativa do centenário de nascimento do artista, acontece terça. Na Pinakotheke Cultural, no Rio.

O livro João Carlos Martins será lançado segunda. Com direito a apresentação do maestro e sua Orquestra Filarmônica Bachiana no Teatro Eva Herz. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Bruno Assami, do Masp, recebe título de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras. Segunda, no consulado da França.

Phillip Glass se apresenta na Sala São Paulo, pela Sociedade de Cultura Artística. Dias 13 e 14.

Jovelino Mineiro pilota, dia 2, em Rancharia, seu tradicional leilão de gado.

O Colégio Madre Alix completa, hoje, 60 anos. Com encontro de ex-alunos.


Zélia no teatro

Comemorando 30 anos de carreira, Zélia Duncan se aventura no teatro. Com a experiência de quem estudou há muitos anos na CAL, do Rio, ela estreia hoje o espetáculo TôTatiando, no Sesc Belenzinho - homenagem à obra de Luiz Tatit.

TôTatiando é uma peça de teatro, um show ou um musical solo?

Eis a pergunta mais difícil. É o desejo de representar os personagens que há em muitas das músicas de Tatit. Ou representar a maneira como eu as vejo, de forma teatral.

Por que homenagear Luiz Tatit?

Por pura paixão e arrebatamento pela sua obra.

Qual é sua experiência teatral?

Fiz Casa das Artes de Laranjeiras há muitos anos. Participei de uma montagem de O Mambembe, de Arthur de Azevedo, por Amir Haddad. Sempre procurei atores para dirigir meus shows musicais por gostar desse olhar sobre o trabalho.

E a carreira musical?

Vai muito bem. Este espetáculo é o segundo dos três presentes que estou me dando pelos 30 anos de carreira. O primeiro foi o DVD Pelo Sabor do Gesto - Em Cena, que acabei de lançar e com o qual estou em turnê. O último será um álbum só com canções de Itamar Assumpção./DÉBORA BERGAMASCO

MERVAL PEREIRA - Transição


Transição
 MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 03/09/11

Na segunda-feira dia 15 de setembro de 2008, quando ficou explicitada nos Estados Unidos a falência do banco Lehman Brothers, desencadeando a maior crise financeira desde o crash da Bolsa de 1929, o então presidente Lula se reuniu na sede do Banco do Brasil com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do Banco do Brasil, Lima Neto, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e dois economistas de sua confiança: Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo.
Naquela reunião, segundo relato de Delfim e Belluzzo à "Carta Capital" de 23 de agosto, ficou decidido que os juros deveriam ser reduzidos para fazer frente à crise.
A redução, no entanto, não se concretizou porque, na opinião de Delfim, Meirelles "não se sentia seguro para fazer o que deveria ser feito", incomodado que estava pelo fato de os economistas que fizeram o Proer no governo Fernando Henrique - programa de reorganização e saneamento dos bancos privados, demonizado pelo PT na ocasião e apontado depois pelo presidente Lula como exemplo para a crise de 2008 - estarem todos com seus bens bloqueados, respondendo a processos.
Fora o fato de que uma decisão dessa magnitude foi tomada em uma reunião da qual participaram dois economistas que não faziam parte formalmente do governo, fica o registro de que o então presidente Henrique Meirelles sentiu-se forte o suficiente para não seguir a orientação expressa do Presidente da República e não caiu.
Não se sabe se houve reunião semelhante agora, entre a presidente Dilma, o ministro Mantega, e o presidente do Banco Central Alexandre Tombini, mas é certo que as pressões pela queda dos juros foram mais explícitas do que nunca.
No entanto, é enganosa a ideia de que a permanência no cargo de Meirelles fortalece a tese de que o ex-presidente Lula acreditava mais na autonomia do Banco Central do que, por exemplo, sua sucessora Dilma Rousseff ou até mesmo que o ex-governador José Serra, que apoiou a decisão do Banco Central de reduzir os juros e disse que não via nada demais na postura do governo.
Sabe-se que Lula tentou colocar o mesmo Belluzzo no lugar de Meirelles meses depois, mas acabou recuando da decisão por temer a reação do mercado.
Mesmo no caso do Banco Central dos Estados Unidos (Fed), cujo presidente tem um mandato fixo, a independência em relação à política governamental não é tão grande assim.
Na biografia de Alan Greenspan, "Maestro", ex-presidente do Fed, está relatado que o então presidente George Bush pai sempre que precisava chamava à Casa Branca o presidente do BC, Paul Volcker, e, sem pedir explicitamente, defendia a necessidade da queda dos juros por que a economia estava desaquecendo. E sempre era atendido.
Nessa conversa com Delfim, por sinal, Belluzzo diz que é questionável a forma como é exercida a independência do Banco Central no Brasil, lembrando que Delfim vive dizendo que é preciso "estatizar o BC", ao que Delfim reage rindo. "Acho que está em processo agora".
O fato é que a decisão do Banco Central de reduzir juros deixou novamente a oposição sem bandeira. Se vai dar certo ou não, veremos mais adiante, mas fica difícil para a oposição ser contra o corte de juros.
Mesmo que a decisão seja arriscada, ou venha a se revelar errada no longo prazo, no momento ela tem um efeito político positivo. Era o que todo mundo reclamava.
Mesmo os argumentos que parte da oposição que é contrária à medida possa ter são muito técnicos, e eventualmente, se mais adiante ficar provado que a decisão estava errada, os efeitos políticos imediatos já estão contabilizados a favor do governo.
A presidente Dilma busca um caminho para se afirmar, e nessa busca recua e avança à medida que as circunstâncias e suas forças políticas permitem avanços ou exigem recuos.
O PT agora mesmo, no seu IV Congresso que se realiza em Brasília, vai criticar a faxina contra a corrupção e voltar a velhas teses que já estavam arquivadas pela própria Dilma, de controle social dos meios de comunicação.
Uma postura contrária ao que a presidente Dilma pensa, explicitada pelo engavetamento do projeto do ex-ministro Franklin Martins pelo atual ministro das Comunicações Paulo Bernardo.
A retomada da proposta tem sua origem na reportagem de capa da revista "Veja" sobre o ex-ministro José Dirceu, que, se sentindo perseguido, trabalhou politicamente dentro do PT para que o partido assumisse novamente essa bandeira.
Trata-se de um governo que está tentando encontrar seu caminho, o mais das vezes de maneira atabalhoada, às vezes sem apoio de sua própria base como no caso da faxina, ocasião em que teve o apoio de parte importante da oposição, representada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dessa vez, na decisão dos juros, o governo teve o apoio de outra parte do PSDB, representado pelo ex-governador José Serra, que por sua vez não apoiava a faxina, identificando-a como uma manobra marqueteira.
O fato é que a política brasileira está muito confusa neste momento, em que ninguém é de ninguém, ninguém tem compromissos.
Não há nada claro: quem é quem, quem está apoiando quem, a base é leal em que circunstâncias, a oposição é a que e a quem.
Não há nada definido, mais porque as coisas estão sendo tocadas de maneira muito sem planejamento, obedecendo às circunstâncias. Nem governo nem oposição têm posições fixas.
Pode ser um indicativo de que a velha dicotomia entre PT e PSDB, embora ainda interesse a determinados grupos dos dois lados, está dando sinais de fadiga, e de que estamos caminhando para novos arranjos na esfera político-partidária.

GILBERTO MENDES - Um relembrar de volta para o futuro



Um relembrar de volta para o futuro
GILBERTO MENDES
O Estado de S.Paulo - 03/09/11

Já conversamos sobre o significado dos anos 50 do século passado na vida musical paulistana, ainda até hoje não devidamente pesquisado. Tentávamos febrilmente, naquele momento, com o restante do mundo, recuperar o tempo perdido durante a guerra. E o que nos atraía muito? Os extremos. O passado medieval - renascentista e o futuro, uma neue Musik que começava na Europa.

A Orquestra de Câmara de São Paulo, dirigida por Olivier Toni, fazia temporada anual no Teatro Municipal da cidade, aproveitando o material de orquestra do repertório barroco que herdara do Angelicum de Milano. Paralelamente, Toni dava força total a uma nova geração de compositores que procurava estar em dia com a nova música mundial: éramos eu, Rogério Duprat e Willy Corrêa de Oliveira. Já disse e repito, não seríamos quem somos, como músicos, sem a sábia orientação do Toni.

Com sua já consagrada Orquestra de Câmara, num concerto promovido em 1961 pela 5.ª Bienal de São Paulo no Teatro Cultura Artística, televisionado ao vivo pela antiga TV Excelsior, com cartaz em forma de poema concreto feito por Décio Pignatari, o maestro Toni apresentou-nos juntos pela primeira vez, prenunciando já um futuro Manifesto. E a repetição desse concerto em Santos, no ano seguinte, deu origem ao Festival Música Nova. Um Festival que termina agora melancolicamente nessa cidade, à beira de seus 50 anos.

Felizmente, um outro evento santista comemora festivamente seu cinquentenário: o Madrigal Ars Viva, também uma extensão de outra atividade paulistana dos anos 1950, o Movimento Ars Nova. Havia um gostinho na época pelos nomes latinos. Fundado em 1961 por um grupo de musicistas da cidade interessados na música antiga e de hoje, com base no Conservatório Lavignac, de nossa amiga Adriana, fomos buscar para regê-lo o inesquecível maestro Klaus-Dieter Wolff, que passava seus fins de semana aqui em Santos. Foi o primeiro coral brasileiro - e talvez o único, até hoje - a se especializar em música vocal experimental, inspirada sobretudo na poesia concreta. Histórico, nesse sentido, fez a estreia mundial e gravou em LP meu Beba Coca-Cola e Um Movimento Vivo, de Willy Corrêa de Oliveira, as duas obras sobre textos de Décio Pignatari. Posteriormente, gravou novo LP com outras obras minhas experimentais, como NasceMorre, texto de Haroldo de Campos, Asthmatour, texto de meu filho Antonio José, Vai e Vem, texto de José Lino Grünewald. Mais recentemente gravou CD duplo de compositores santistas, reunindo Almeida Prado, Gil Nuno Vaz e Roberto Martins, seu regente atual, depois da morte de Klaus. Cantei no Madrigal durante uns 12 anos, experiência que educou e refinou singularmente minha sensibilidade e criatividade musical.

Essa estranha intimidade, via música coral, de nossa música experimental com a música da Renascença e Idade Média, levou-nos, pelo menos a mim, a uma curiosa integração de linguagens musicais tão distantes. Uma peça como meu Beba Coca-Cola, no fundo, é um motet francês, à maneira de Les Cris de Paris, de Jannequin. Um moderno pregão de feira renascentista. Também lembra Pour Quoy me Bat mes Maris, de Guillaume de Machaut. Peças que cantávamos no Madrigal Ars Viva, sob a douta regência de Klaus-Dieter Wolff. No fim de meu Com Som sem Som, texto de Augusto de Campos, depois de todo um desenvolvimento estrutural, abstrato, da massa coral, passo tranquilamente pela medieval cadência Landini e finalizo com uma ondulação meio jazzística das vozes.

A questão se agrava agora com a infinita possibilidade atual de pesquisa via internet. Vivemos assim, ontem e hoje, afogados numa miscelânea de tipos de música os mais variados e contraditórios, que vem recuperando tudo que foi abominado pelo modernismo: a beleza, a emoção, a comunicação. Um outro neoclassicismo, pós-moderno, em busca de tempos mais remotos e variados. Confesso que me é bastante instigante esse relembrar voltado para a frente, como dizia Kierkegaard. Às vezes, na verdade, eu me considero um compositor mais dos tempos de Machaut, Dufay, Adam de la Halle. Anseio por paisagens vazias, pouca gente e muitas árvores. Compor somente para minha comunidade. Naquela solidão medieval, pegar meu cavalo, andar quilômetros até o castelo de outro compositor amigo, mostrar-lhe minha última música composta. Discutiríamos depois, entre um copo e outro de vinho tinto, mais pão e salame, sobre uma ars nova, uma nuove musiche já se definindo. Isso me bastaria.

ROBERTO DELMANTO JUNIOR e THEREZA CAVALCANTI SAMAJA - A criança não pode esperar

A criança não pode esperar
ROBERTO DELMANTO JUNIOR E THEREZA CAVALCANTI SAMAJA
FOLHA DE SP - 03/09/11

A "gangue das meninas". O abandono, a negligência e o descaso com o que temos de mais precioso, as nossas crianças, está aí. Diz o noticiário: meninas com idade entre seis e 12 anos, acusadas de arrastões na Vila Mariana, estão de volta às ruas. Haviam sido levadas para um abrigo pelo Conselho Tutelar; duas horas depois, estavam andando por aí (Folha, 11 de agosto).
Três dias após, sete meninas foram novamente apreendidas na Vila Mariana. Uma tem 14 anos, três têm 13 anos, duas têm 11 e uma tem dez (Folha, 12 de agosto).
Há poucos dias, quatro crianças entre nove e 12 anos, que vivem na rua, entraram em uma loja de chocolates fazendo arruaça. Uma sentou-se no chão e pediu um copo d'água. Ela aparentava estar dopada.
O grupo não chegou, sequer, a ser encaminhado ao Conselho Tutelar (Folha, 29 de agosto).
Em situações emergenciais, de manifesto risco pessoal, familiar ou social para o jovem abandonado, a medida protetiva do abrigamento compulsório deve, sim, ser aplicada. O Conselho Tutelar deve encaminhar a criança em risco para um abrigo, comunicando o juiz em 24 horas (arts. 93 e 101 da lei 8.069), buscando-se a sua reintegração familiar, com aconselhamentos e outras medidas.
O que não se pode mais tolerar é deixar as crianças fazerem o que quiserem, zanzando pelas madrugadas, abandonadas, exploradas, drogadas, jogadas às agruras dilacerantes da selvageria da nossa São Paulo.
O absurdo maior é a criança ir para o abrigo, "tomar um lanche" e, duas horas depois, sair de volta para as avenidas e viadutos de São Paulo, sob o argumento de que o ECA diz que o acolhimento não implica privação de liberdade (art. 101). Ora, aqueles que estão com a criança têm o dever do cuidado!
Você deixaria um filho seu de dez anos de idade voltar para a rua? Isso é inaceitável.
Sabemos que não é preciso que as coisas ocorram dessa maneira.
Há experiências positivas, sobretudo com a participação de organizações da sociedade civil, como o Centro Assistencial Cruz de Malta, do qual somos diretores, que se dedica a prestar assistência às famílias carentes do Jabaquara, mantendo uma creche com 220 crianças, um Centro de Juventude, cursos profissionalizantes e atendimento médico.
Lá, uma criança de oito anos cuja mãe não tinha condições mentais e cujo padrasto usava métodos violentos de educação não queria voltar para casa ao sair do centro assistencial, passando a dormir na rua, sendo assediada por mais velhos para ingressar nas drogas.
Após apoio familiar sem êxito, foi chamado o Conselho Tutelar, que a encaminhou ao Juizado da Infância e da Juventude. O atendimento foi muito bom, e o menino encontra-se hoje em um abrigo, recebe visitas da mãe e do padrasto, e de voluntários da Cruz de Malta, estando muito feliz.
Aliás, a Prefeitura do Rio de Janeiro implementou um programa de abrigamento compulsório de jovens de rua viciados em drogas, sendo um exemplo a ser seguido.
Encerramos com um poema de Gabriela Mistral: "Somos culpados de muitos erros e muitas faltas, mas nosso crime é o abandono das crianças, negando-lhes a fonte da vida. Muitas das coisas de que necessitamos podem esperar; as crianças não podem. Agora é o momento: seus ossos estão em formação, seu sangue também está e seus sentidos estão se desenvolvendo. A elas não podemos responder "amanhã'; seu nome é hoje".
ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 42, advogado, conselheiro da OAB-SP, é diretor do Centro Assistencial Cruz de Malta ( cruzdemalta.org.br )

THEREZA CAVALCANTI SAMAJA é diretora e fundadora do Centro Assistencial Cruz de Malta há mais de 40 anos

BERENICE GIANNELLA - Acolher ou incriminar?

Acolher ou incriminar?
BERENICE GIANNELLA
FOLHA DE SP - 03/09/11

O caso das crianças que promovem arrastões na Vila Mariana põe a nu uma grave falha. Analisando a questão longe do senso comum suscitado pelo clamor público, vê-se que o Estado e a sociedade brasileiros têm sido incompetentes para evitar o mal maior, que é a entrada de suas crianças e adolescentes na criminalidade.
Desse ponto de vista, o episódio das meninas da Vila Mariana é, por um lado, positivo: ele mostra a dificuldade de articulação das políticas públicas no sentido de se tratar essa população de maneira integral e preventiva, evitando sua entrada no mundo delinquencial.
Por outro -e aí está o aspecto negativo-, passou-se a ver o caso como espetáculo midiático e, nesse diapasão, não tardam a aparecer os especialistas de plantão com suas soluções drásticas, para não dizer mágicas.
É o caso daqueles que advogam a internação ou o abrigamento compulsório das "crianças arruaceiras" com menos de 12 anos. Além de terminantemente ilegais, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal vedam iniciativas do gênero, tais soluções parecem oportunistas, por não irem às raízes do problema.
A receita para lidar com a questão está posta há 21 anos, desde a promulgação do ECA. Reza o estatuto que todos os entes da Federação, a sociedade e a família devem se articular para garantir a observação dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Em termos práticos, isso quer dizer que esses atores têm de arregaçar as mangas e integrar os serviços públicos que prestam, articulando políticas preventivas eficientes, acolhendo e tratando essas crianças e adolescentes.
Ações de prevenção deveriam ser adotadas já para os primeiros anos escolares, quando várias crianças dão sinais de que têm famílias desestruturadas ou vivem em situação de risco -que, mais tarde, se nada for feito, as levará para os atos infracionais.
A Fundação Casa, entidade que presido desde 2005, tem sido nos últimos tempos a caixa de ressonância da ausência de um trabalho efetivo e eficiente nessa área, com papel proativo, e não reativo. Nossa clientela é típica: jovens que abandonaram a escola sem que houvesse providências, filhos de famílias desestruturadas, sem acesso a serviços básicos e que acabam na criminalidade por não terem sido resgatados anteriormente.
É a velha história da crônica da morte anunciada. Nos últimos dois anos, cresceu drasticamente o total de internações na Fundação Casa sem que houvesse, no mesmo período, um aumento proporcional da criminalidade infanto-juvenil.
De uma média mensal de 5.335 jovens atendidos em 2007, saltamos para os mais de 7.200 atuais (total que já alcançou os 7.800 em alguns meses).
Se houvesse uma eficiente articulação dos serviços existentes que detectasse os problemas que levam à criminalidade e agisse proativamente para corrigir os rumos e propiciar atendimento integral a crianças e adolescentes, teríamos menos vidas comprometidas com essas estatísticas tristes.
Os instrumentos para resolver o problema estão aí. Conselhos tutelares, sistema único de assistência social, Varas da Infância e da Juventude, escola... Não faltam estruturas. O que falta é integrá-las de maneira inteligente para que possam intervir eficientemente.
A questão da prevenção se faz urgente. E o caso dessas crianças e jovens da Vila Mariana serve de alerta. Querer encarcerá-las sem antes lançar mão de instrumentos que o país já tem é decretar, a priori, a falência do Estado brasileiro.

BERENICE GIANNELLA é procuradora do Estado, mestre em direito processual penal pela USP e presidente da Fundação Casa.

SILVIANO SANTIAGO - Ética e diversidade cultural


Ética e diversidade cultural
SILVIANO SANTIAGO
O Estado de S.Paulo - 03/09/11

Na América Latina recém-republicana e na África pós-colonial o cosmopolitismo ganha evidência como postura crítica em fins, respectivamente, do século 19 e do século 20. A função e o significado dessa militância podem ser aferidos nos escritos de intelectuais latino-americanos que se manifestam contra os nacionalismos provincianos e de pensadores africanos que se insurgem hoje contra a tomada de poder universal pelos fundamentalistas. O brasileiro Joaquim Nabuco esclareceu sua posição ideológica em Minha Formação (1900). O ganense/britânico Kwane Anthony Appiah (n. 1954) resume com brilho a própria postura filosófica na conferência Mi Cosmopolitismo (Katz, 2008). Se o primeiro se inspira no ideário kantiano, sucintamente levantado em coluna anterior, o segundo emerge da agenda multicultural que, ao final do século 20, ganha foros de nobreza nos arraiais universitários. Assinale-se que ambos expõem a teoria pela escrita autobiográfica.

O cosmopolitismo de Appiah é dele por ter sido gerado em terra africana e em casamento abençoado, embora disparatado. É filho de mãe britânica e anglicana, descendente de normandos, e de pai ganense e metodista, da etnia axânti. Batizado em igreja metodista, Appiah estuda em escolas anglicanas. Saint George é a igreja da mãe, no entanto o corpo dela será velado na catedral metodista. A cidade onde nasce o pai, Kumasi, "é poliglota e multicultural: um lugar aberto ao mundo". Por ter sido educado nos confins do império britânico, o pai "se formou no estudo dos clássicos; amava o latim". A Bíblia figurava ao lado das obras de Cícero e de Marco Aurélio, filósofos estoicos formados na escola de Diógenes, o primeiro a se proclamar "cidadão do mundo" (kosmou polites). A expressão é metafórica, pois os cidadãos formam um Estado nacional e não há Estado mundial a que pertencer.

Os pais levam o filho a se enveredar pela "abertura onde se instalam gente e culturas que estão além dos limites estreitos em que foram criados".

Impregnado pelo multiculturalismo doméstico, o futuro professor de filosofia direciona estudos e pesquisa por um dos ideais do estoicismo - o cosmopolitismo. Dele extrai sua concepção multiculturalista, recheando-a com os ideais do Iluminismo europeu, com o projeto de paz perpétua, defendido por Kant, e com o nacionalismo romântico explorado por Herder. Na efervescência da globalização econômica, que excita a diáspora dos povos periféricos, o cosmopolitismo se faz necessário por ter abraçado o amplo leque da legítima diversidade humana. Seu ideário se apresenta em três vertentes. 1. Não necessitamos de um governo mundial único. 2. Devemos preocupar-nos pela sorte de todos os seres humanos, tanto os da nossa sociedade como os das outras. 3. Temos muito a ganhar nas conversações que atravessam as diferenças.

O cosmopolitismo atual exorta o cidadão à reflexão ética, embora ganhe corpo com o nacionalismo. Não é alternativa, é complemento, já que as diferentes comunidades humanas têm o direito de viver de acordo com as próprias normas. Apresenta-se como universalidade mais diferença. Ainda a Diógenes remonta o elogio da tolerância como respeito às predileções de outra pessoa e da humildade em relação ao próprio conhecimento. Pluralidade e falibilidade encaminham e balizam a "conversação cosmopolita", que passa por entre barreiras culturais, políticas, sociais, econômicas e religiosas. A conversação não visa à conversão absoluta de um ou do outro falante; seu propósito, afirma Appiah, é o aprendizado, além do ensino, é a escuta, além da fala. A conversação global é também uma metáfora. E o é porque só podemos conversar com os milhões de habitantes do planeta através da antropologia e da história, da literatura, do cinema e das notícias veiculadas pelos jornais, rádio, televisão e internet.

Observa Appiah que talvez sejam necessárias ideias que beiram a banalidade, porque os dois inimigos do cosmopolitismo estão por toda parte: os que negam a legitimidade da universalidade e os que negam a legitimidade da diferença. Aos dois ele acrescenta os que compartem a crença pela universalidade, sem simpatia pela diferença. São os novos fundamentalistas. Religiosos, eles acreditam que para todos os homens "só há uma maneira correta de viver e que toda diferença deve reduzir-se aos detalhes". Tal universalismo se expressa na uniformidade. Unam-se a nós e seremos todos irmãos e irmãs. Appiah discorda e subscreve Olivier Roy que, em Globalized Islam: The Search for a New Ummah (2004), demonstra que se pode falar da harmonização ("compatibilidade") do cosmopolitismo tanto com o cristianismo quanto com o islamismo. Roy escreve a respeito do último: "A globalização é uma boa oportunidade para dissociar o Islã de qualquer cultura dada e proporcionar um modelo que possa funcionar além de qualquer cultura estabelecida".

A harmonização das religiões universais com o cosmopolitismo passa pelo pluralismo, esclarece Appiah. E afirma: "Os cosmopolitas pensam que existem muitos valores segundo os quais vale a pena viver e que não é possível viver de acordo com todos eles. Como consequência, abrigamos a esperança e a expectativa de que diversas pessoas e sociedades modelem valores diferentes". Nossa falibilidade implica que, ao contrário dos fundamentalistas, aceitemos nosso saber como imperfeito e provisório e a ser revisto à luz de nova evidência. Os atuais cosmopolitas creem na verdade universal, ainda que tenham menos certeza de tê-la encontrado. A guiá-los não está o ceticismo, mas a convicção realista de que a verdade é difícil de ser encontrada. Conclui: "Não aprendi o cosmopolitismo na Inglaterra ou nos Estados Unidos, mas em Gana: meu país natal".

RUY CASTRO - Verbo tó bé

Verbo tó bé
RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 03/09/11 

RIO DE JANEIRO - Há anos, quando se anunciou que haveria um "Rock in Rio 2", jovens começaram a circular pela cidade usando camisetas com o símbolo do "Rock in Rio 1" e uma frase dizendo: "I was". Ou seja: "Eu era". Perguntei-me: por que "Eu era"? No começo, escapou-me a relação entre a imagem e a inscrição. Claro que, depois de árduo exercício intelectual, deduzi que a camiseta queria dizer "Eu fui" ou "Eu estava lá" (no "Rock in Rio 1"), caso em que o correto em inglês seria "I went" ou "I was there". Alguém faltou àquela aula do yázigi.
Outro dia, a contracapa do DVD nacional de um filme americano me informou que, na história, o xerife xis despachou o deputado Fulano para investigar um caso. Tudo bem, xerifes nos EUA mandam pra cachorro -mas a ponto de dar ordens a um membro da Câmara dos Representantes? Foi quando me caiu a ficha: o xerife estava dando ordens ao seu humilde auxiliar -"deputy", em inglês.
Erros desse tipo abundam nas legendas em português de filmes lançados aqui, a provar que elas são traduzidas de orelhada, de alguma edição pirata ou em VHS, não de um texto autorizado, distribuído pela produtora original. Mas as traduções em livro, supostamente mais nobres e cuidadas, também não escapam de grossas batatadas.
O que significa, por exemplo, ler num romance que "o campus está seco"? Que não chove há tempos no campus? Não. No caso, o texto em inglês queria dizer que era proibido beber no tal campus.
Mas meu caso favorito é o de outro romance em que, a folhas tantas no original, o autor classifica dois personagens como sendo "drinking buddies". Ou seja, companheiros de copo. O tradutor, num átimo de criatividade, situou a cena num bar e sapecou que os dois personagens estavam "bebendo umas Buddies" -um tratamento íntimo e informal para determinada cerveja. E viva o verbo tó bé.

GILLES LAPOUGE - O petróleo da Líbia


O petróleo da Líbia 
GILLES LAPOUGE
O ESTADÃO - 03/09/11

Há alguns dias, os grandes países ocidentais declararam que a decisão de entrar em guerra com o ditador Muamar Kadafi, na Líbia, jamais teve como objetivo tomar posse das gigantescas reservas de petróleo do país (entre 40 bilhões e 45 bilhões de barris). Um discurso agradável de ouvir. Enfim, o Ocidente trava uma guerra na África que não é motivada por cobiças econômicas. O que nos afasta das incursões coloniais da França e da Grã-Bretanha, no século 19, e das rocambolescas guerras de George W. Bush no Iraque e no Afeganistão.
No caso da Líbia, dois países têm se manifestado em alto e bom som: Itália e França. Isso por razões geográficas e históricas. A Itália, antiga potência colonial da Líbia, mantinha vínculos sólidos com Kadafi. E a França, porque Sarkozy foi durante muito tempo amigo íntimo e fervoroso do ditador líbio, antes de se tornar, como nas últimas semanas, seu mais feroz inimigo.
Portanto, é uma satisfação saber que a guerra na Líbia foi desinteressada, humanitária e moral. Mas o problema é que temos dúvidas. Por exemplo, quando ouvimos o chanceler italiano, Franco Frattini, declarar que "não haverá uma batalha no estilo colonial entre Itália e França pelas riquezas da Líbia", assegurando que "Roma permanecerá um parceiro privilegiado da Líbia", mas que ninguém deve se meter em uma área de influência italiana.
As declarações de Frattini são importantes. De um lado, ele deixou muito claro que a Itália pretende manter seu espaço exclusivo na Líbia, agora com os democratas, como ontem manteve com Kadafi. Em segundo lugar, o chanceler afirmou que a França, contrariamente ao que diz Sarkozy, já iniciou manobras para receber sua recompensa, em particular na área do petróleo. A sensação é a de que recuamos dois séculos, quando a Grã-Bretanha entrava em disputa com a França pela África Oriental, o Egito, ou o que restara do Império Otomano, com um cinismo absoluto tanto do lado francês quanto do britânico.
E não é só o petróleo: todos os poderosos empresários franceses, os ricos amigos de Sarkozy, em primeiro lugar, como Vincent Bolloré (que deverá obter a administração do Porto de Misrata), já estão na linha de partida. Poderíamos falar de uma corrida de 100 metros: é preciso evitar uma saída em falso. Vigiar o concorrente ao lado. Quando for dado o tiro de partida, será uma arrancada tumultuada.
O grupo francês de trabalhos públicos tem um grande apetite. Sonha com a reconstrução da torre de controle do aeroporto de Trípoli, destruído no início da guerra pelos aviões da Otan. A Airbus também já faz seus cálculos: o Norte da África democrático necessitará de 175 novos aparelhos. E viva a democracia e o petróleo!
Ontem, o Conselho Nacional de Transição (CNT) negou a notícia de que teria prometido à França 35% do petróleo líbio, como recompensa por sua gestão para levar a Otan à guerra. Ocorre que o mesmo CNT havia assegurado que as concessões no setor petrolífero seriam outorgadas em função da participação de cada país na libertação da Líbia. E, desse ponto de vista, é preciso reconhecer que a França, bem conduzida por Sarkozy, teve um papel importante.
O desinteresse das grandes potências, portanto, é mais virtual do que real. O que não impede que aqueles que puseram fim à sórdida ditadura também agiram para proteger os democratas líbios contra um massacre programado e para arrancar todo um povo das garras sanguinárias de Kadafi. A feliz coincidência é que não é todo o dia, na diplomacia, que conciliamos dois conceitos incompatíveis: moralidade e imoralidade. Isso é raro.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

CELSO MING - O consumo puxa o PIB


O consumo puxa o PIB
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 03/09/11

O avanço do PIB brasileiro, de 0,8% no segundo trimestre (em relação ao anterior), especialmente quando se compara com o 1,2% obtido no trimestre anterior, pode parecer insatisfatório e, mais ainda, ser interpretado como sinal de que a economia brasileira está mais para esfriamento do que para uma nova temporada de recuperação.

Há sim, uma notória desaceleração do crescimento - que tem tudo para fechar neste ano com um avanço do PIB em torno de 3,3%. É pouco quando comparado com os 7,5% obtidos ao longo de todo o ano passado. Mas pode ser interpretado como bom demais diante do que acontece no resto do mundo, principalmente nos países ricos, onde o ritmo da produção se encaminha para uma paradeira geral.

Ontem, o IBGE, organismo que faz o levantamento das Contas Nacionais, observou que, apesar de mais lento, o crescimento do PIB brasileiro é o terceiro entre 15 países pinçados um tanto aleatoriamente. Mas não dá para nutrir ilusões. Não é o Brasil que está melhor; é a situação do resto do mundo que piorou.

Enquanto a produção vai bem mais devagar, em especial, na indústria e na agropecuária, é o consumo que ainda puxa a criação de renda. Avançou 5,5% em relação ao segundo trimestre de 2010. Esse é o 31.º crescimento consecutivo no item Consumo das Famílias e é a locomotiva da economia. É o que explica o mercado de trabalho continuar aquecido e o desemprego, nos níveis mais baixos em muitos anos.

Das Contas Nacionais do segundo trimestre do ano, devem ser notadas duas outras melhorias. A primeira delas, a formação de poupança, um dos mais sérios pontos fracos da economia brasileira, que deixou o patamar dos 17,8% do PIB e passou a 18,1%. Foi um avanço abaixo do desejado, mas não dá para ignorá-lo. Em compensação, o investimento (Formação Bruta do Capital Fixo) teve um desempenho pior. Sua participação no PIB fora de 18,2% no primeiro trimestre e passou, agora, a 17,8% (veja o Confira).

Essa é uma das explicações estruturais para o PIB do Brasil avançar bem mais vagarosamente do que os dos asiáticos. O brasileiro investe relativamente pouco do que produz, menos de 18% da renda. Enquanto isso, a China investe perto de 50% do seu PIB e o padrão asiático oscila entre 30% e 35% do PIB.

Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insistiu em que, em 2012, a economia brasileira tem potencial para crescer pelo menos 5%. Esse é também o número apontado na quarta-feira pelo Ministério do Planejamento, para efeito de elaboração do Orçamento da União. O Banco Central é menos otimista. Para este ano, espera contar com um crescimento do PIB em torno de 3,1%. E, para o ano que vem, os primeiros exercícios giram em torno de algo mais perto de 3,5% do que de 4,0%.

A experiência dos últimos anos demonstra que a economia brasileira não é capaz de um crescimento sustentável de mais de 4,5% ao ano. Para quebrar essa escrita será preciso consumir menos e investir muito mais. E, no entanto, não há nenhum projeto destinado a aumentar a poupança do brasileiro.

CONFIRA

Não melhora

O mercado de trabalho nos Estados Unidos não reage. Ontem, o Departamento do Trabalho apontou, para agosto, um desemprego de 9,1%, o mesmo do mês anterior.

Olhos voltados para o Fed

Cada vez em que um número decepcionante como esse é anunciado, cresce nos Estados Unidos a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) faça alguma coisa. Mas o quê?

RUTH DE AQUINO - Vamos criar a CCMEF?



Vamos criar a CCMEF?
RUTH DE AQUINO
Revista Época

Em vez de reviver a CPMF, sugiro criar a Contribuição dos Corruptos Municipais, Estaduais e Federais


RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Quem falar que resolve a saúde sem dinheiro é demagogo. Mente para o povo.”
Dilma está certa. É urgente. Em lugares remotos do Brasil, hospitais públicos são mais centros de morte que de cura. Não é possível “fazer mágica” para melhorar a saúde, afirmou Dilma. Verdade. De onde virá a injeção de recursos? A presidente insinuou que vai cobrar de nós, pelo redivivo “imposto do cheque”. Em vez de tirar a CPMF da tumba, sugiro criar a CCMEF: Contribuição dos Corruptos Municipais, Estaduais e Federais.
A conta é básica. A Saúde perdeu R$ 40 bilhões por ano com o fim da CPMF, em 2007. As estimativas de desvio de verba pública no Brasil rondam os R$ 40 bilhões por ano. Empatou, presidente. É só ter peito para enfrentar as castas. Um país recordista em tributação não pode extrair, de cada cheque nosso, um pingo de sangue para fortalecer a Saúde. Não enquanto o governo não cortar supérfluos nem moralizar as contas.
Uma cobrança de 0,38% por cheque é, segundo as autoridades, irrisória diante do descalabro da Saúde. A “contribuição provisória” foi adotada por Fernando Henrique Cardoso em 1996 e se tornou permanente. O Lula da oposição dizia que a CPMF era “um roubo”, uma usurpação dos direitos do trabalhador. Depois, o Lula presidente chamou a CPMF de “salvação da pátria”. Tentou prorrogar a taxação, mas foi derrotado no Congresso. 
Em vez de reviver a CPMF, sugiro criar a Contribuição dos Corruptos Municipais, Estaduais e Federais  
A CPMF é um imposto indireto e pernicioso. Pagamos quando vamos ao mercado e mesmo quando pagamos impostos. É uma invasão do Estado nas trocas entre cidadãos. Poderíamos dizer que a aversão à CPMF é uma questão de princípio. 
Mas é princípio, meio e fim. Não é, presidente?
“Não sou a favor daquela CPMF, por conta de que ela foi desviada. Por que o povo brasileiro tem essa bronca da CPMF? Porque o dinheiro não foi para a Saúde”, afirmou Dilma. E como crer que, agora, não haverá mais desvios?
Como acreditar? O Ministério do Turismo deu, no fim do ano passado, R$ 13,8 milhões para uma ONG treinar 11.520 pessoas. A ONG foi criada por um sindicalista sem experiência nenhuma com turismo. Como acreditar? A Câmara dos Deputados absolveu na semana passada Jaqueline Roriz, apesar do vídeo provando que ela embolsou R$ 50 mil no mensalão do DEM.
Como acreditar? Os ministros do STF exigem 14,7% de aumento para passar a ganhar mais de R$ 30 mil. Você terá reajuste parecido neste ano? O orçamento do STF também inclui obras e projetos, como a construção de um prédio monumental para abrigar a TV Justiça. É prioridade?
O Congresso gasta, segundo a organização Transparência Brasil, R$ 11.545 por minuto. O site Congresso em Foco diz que cada um de nossos 513 deputados federais custa R$ 99 mil por mês. Cada um dos 81 senadores custa R$ 120 mil por mês. São os extras. E o Tiririca ainda não descobriu o que um deputado federal faz.
“É sério. Vamos ter de discutir de onde o dinheiro vai sair (para a Saúde).”
Tem razão, presidente. Mas, por favor, poupe-nos de seu aspirador seletivo.
A senhora precisa mesmo de 39 ministérios consumindo bilhões? Aspire os bolsos gordos da turma do Novais, do Roriz, do Sarney. Apele à consciência cívica dos políticos e juí­zes que jamais precisaram do Sistema Único de Saúde.
Vamos criar o mensalão da Saúde. Um mensalão do bem, presidente. Corruptos que contribuírem serão anistiados. ONGs fantasmas, criadas com a ajuda de ministros & Cia., terão um guichê especial para suas doações. O pessoal que já faturou por fora com a Copa está convocado a dar uns trocados para a Saúde.
Enfiar goela abaixo dos brasileiros mais um imposto, nem com anestesia. Um dia nossos presidentes entenderão o que é crise de governabilidade. Não é a revolta dos engravatados em Brasília nem a indignação dos corredores e gabinetes. A verdadeira crise de poder acontece quando o povo se cansa de ser iludido.
Os árabes descobriram isso tarde demais. Deitavam-se em sofás de sereias de ouro, cúmulo da cafonice. Eles controlavam a mídia, da mesma forma que os companheiros do PT estão tentando fazer por aqui. Não deu certo lá. Abre o olho, presidente.