sábado, dezembro 31, 2011

“Triângulo amoroso” poderia ser um filme melhor - PAULO MOREIRA LEITE - REVISTA ÉPOCA

REVISTA ÉPOCA

Acabo de assistir a “Triângulo amoroso,” do diretor alemão Tom Tykwer. É um bom bom, mas poderia ser melhor.

Explico. O filme tem uma história ousada, com vários pontos de referência em relação a sociedade atual. Retrata a vida contemporânea como um universo de grandes possibilidades, opções e dúvidas, seja no campo da ciência, da morte e da doença — e também do amor e do sexo. Os atores são bons, a música também. Tykwer incorpora vários elementos do mundo de hoje para narrar sua história. Em muitos momentos, consegue surpreender. A primeira metade do filme chega a ser empolgante.

Triangulo amoroso tem alguma coisa a ver com “Teorema,” o clássico de Pier Paolo Pasolini, onde um personagem angelical seduzia uma família inteira: pai, mãe, filho, filha e a empregada.

Um dos marcos do cinema de 1968, ano em que foi realizado, Teorema é um filme onde a estrutura de uma tipica família da burguesia italiana se altera na medida em que cada um de seus membros vai para cama com o personagem encarnado por Terence Stamp.
A historia de Teorema tem uma relação clara com a ideia que se fazia sobre a evolução dos costumes que ocorria na época: a liberação dos comportamentos sexuais tem um potencial imenso de mudança na sociedade. Pensadores que eram alvo de muita leitura e discussão nos anos 60, como Marcuse e Reich, parecem ter funcionado como co-autores intelectuais do roteiro de Pasolini.
Assim, o pai de família, que é um grande empresário, distribui sua fábrica para os trabalhadores depois de seu encontro com o personagem de Terence Stamp. O filho muda de horizonte na vida e vai se dedicar à a arte. A empregada deixa o trabalho doméstico e volta para sua cidade natal. Assim por diante. A mensagem (vamos falar assim) é clara e associa a liberação sexual com a liberação de outras amarras do conjunto da sociedade.

E aqui eu vejo um problema em “Triangulo Amoroso.” O filme começa com um horizonte de quem vai contar uma história de tom épico, ampla e ambiciosa. Há um certo distanciamento. Os diálogos envolvem temas presentes no debate contemporâneo, como ética, doença, morte. Os personagens fazem suas opções sexuais e o espectador sabe que não se trata de uma comédia romântica onde a questão é saber com quem vai dormir com quem de qual orientação sexual esta noite. Há um contexto maior. Não há simples descrição de eventos. Há uma narrativa.

Na medida em que o filme avança, contudo, a história se banaliza e o debate retrocede. Aquilo que seria uma discussão sobre liberdade e relações afetivas no mundo contemporâneo — com um horizonte muito diversos daquele retratado por Pasolini –, transforma-se num enredo de encontros e desencontros, com sustos e surpresas que pouco a pouco não assustam nem surpreendem. A impressão é que Tom Tykwer fez um filme e uma linguagem, no início, e terminou outro filme, com outra linguagem, no final.

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