quinta-feira, dezembro 22, 2011

Tocando com a barriga - PEDRO FERREIRA e RENATO FRAGELLI

VALOR ECONÔMICO - 22/12/11

A brusca desaceleração da produção industrial no terceiro trimestre reaqueceu o debate sobre as atuais dificuldades enfrentadas pela indústria brasileira. Segundo os industriais, os maiores problemas são a valorização cambial, a alta taxa de juros, a elevada e complexa carga tributária, a precariedade da infraestrutura de transporte e má formação da mão de obra. Uma análise das medidas adotadas pelo governo, ao longo de 2011, no entanto, mostra que o país continua sem uma estratégia abrangente e coerente para enfrentar estruturalmente esses problemas.

Conforme discutido nos artigos mensais publicados neste espaço ao longo do ano, os problemas listados acima não são independentes, mas sintomas de uma mesma opção política tomada em 1988, e ratificada pelo eleitor a cada nova eleição: a imensa preferência nacional pelo consumo presente em detrimento do futuro. Nos últimos dez anos, enquanto os investimentos federais permaneceram estagnados em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), os gastos com consumo e transferências cresceram ao ritmo de 0,4% do PIB ao ano. A elevação real do salário mínimo à taxa de 6% ao ano explica boa parte desse crescimento, com amplo impacto sobre a melhoria da distribuição da renda. O lado doloroso é que, para cobrir os maiores gastos, a carga tributária aumentou continuamente até atingir 35% do PIB, com graves implicações sobre a competitividade das empresas nacionais.

A valorização cambial atual decorre de três fatores principais: os elevados preços das commodities exportadas pelo país, o diferencial de juros domésticos em relação aos praticados internacionalmente, e - em menor magnitude - a atração de investimentos diretos decorrente da melhor avaliação quanto ao risco embutido na economia brasileira. O preço das commodities e os investimentos diretos, embora contribuam para a valorização cambial que prejudica a indústria, beneficiam o país como um todo, abrindo amplas oportunidades de geração de empregos e arrecadação de tributos. Mas os juros altos são uma doença nacional cuja solução requereria vontade política que nem o mais popular dos presidentes da República exibiu.

Embora a taxa básica de juros real tenha caído desde o Plano Real - 20% ao ano no primeiro governo FHC, 10% no segundo, 7% no governo Lula, e esteja hoje em 5,5% - trata-se de uma taxa ainda muito alta, quando comparada ao observado no resto do planeta. O responsável não é o Banco Central, instituição que se limita a definir a taxa nominal de juros básica a fim de cumprir a meta de inflação de cuja fixação sequer participa. Desde a implantação do regime de metas de inflação, a inflação brasileira superou o centro da meta em 1% ao ano, em média, o que mostra que o Banco Central teria que ter praticado taxas básicas ainda maiores para atingir aquele objetivo.

A queda da taxa de juros básica exigirá, além da reversão na tendência de crescimento dos gastos públicos, também a reformulação dos ultrapassados mecanismos de poupança compulsória como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Criados no passado para viabilizar o financiamento de longo prazo, numa economia em que a inflação prejudicava o desenvolvimento do mercado de capitais, esses programas constituem hoje importante fator de atrofia daquele mercado. Com rendimento inferior à inflação, o FGTS tornou-se um imposto pago por uma fração dos trabalhadores - aqueles com carteira assinada que não são autônomos, nem empresários, ou servidores públicos - cujos beneficiários são os que têm acesso a créditos subsidiados.

No passado, somente a população de baixa renda que comprava uma modesta casa própria se beneficiava desses empréstimos subsidiados, mas agora até grandes empresas são agraciadas. O FAT é alimentado por um imposto - o Programa de Integração Social (PIS) - que incide sobre todas as empresas da economia, mas seus empréstimos subsidiados aquinhoam apenas um seleto grupo de empresas escolhidas por critérios pouco claros definidos pelos desenvolvimentistas que hoje dirigem o BNDES.

Obrigatoriedade de proporções mínimas de insumos nacionais em determinados setores e a imposição de barreiras tarifárias são soluções temporárias que não vão ao cerne da questão, mas reduzem a eficiência da economia - afinal, se o insumo nacional fosse bom, seria adotado voluntariamente. Obviamente, agradam a certos grupos de interesse, como deixou bem claro um alto diretor da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) que declarou em entrevista recente que, após o aumento do IPI sobre os automóveis importados, o país - isto é, o seu setor -, não necessita mais de reforma tributária.

Enquanto medidas corajosas são mantidas fora da agenda oficial, o ministro da Fazenda parece nutrir a vã esperança de que, diante das políticas monetárias expansionistas em vigor no primeiro mundo, a OMC possa aceitar nossas medidas protecionistas que estão claramente em choque com os acordos internacionais. Faltou combinar com seu presidente, Pascal Lamy que, em entrevista ao Valor, questionou o IPI diferenciado sobre os automóveis importados e lembrou que a taxa de juros brasileira é a maior do mundo

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV).

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