domingo, dezembro 18, 2011

O moderno capitalismo é sustentável? - KENNETH ROGOFF


O GLOBO - 18/12/11

Frequentemente me perguntam se a recente crise financeira global marca o início do fim do capitalismo moderno. É uma pergunta curiosa, porque parece presumir que há um substituto viável à espreita. A verdade é que, pelo menos por enquanto, as únicas alternativas sérias para o atual paradigma anglo-saxão dominante são outras formas de capitalismo.

O capitalismo continental europeu, que combina generosos benefícios sociais e de saúde com uma carga horária de trabalho razoável, longos períodos de férias, aposentadoria cedo e distribuição de renda relativamente igualitária, parecia ter tudo para ser recomendado - exceto sustentabilidade. O capitalismo darwiniano da China, com sua concorrência feroz entre as empresas de exportação, uma fraca rede de seguridade social e larga intervenção governamental, é amplamente descrito como herdeiro do capitalismo ocidental, ao menos devido ao imenso tamanho do país e à consistente taxa de crescimento. Ainda assim, o sistema econômico chinês está evoluindo continuamente.

De fato, é difícil saber agora até que ponto as estruturas política, econômica e financeira chinesas vão continuar se transformando, e se o país mais tarde vai se transformar num novo exemplar do capitalismo. De qualquer forma, a China ainda está sobrecarregada pelas vulnerabilidades sociais, econômicas e financeiras de um crescimento acelerado de um país de baixa renda.

Talvez, a verdadeira questão seja que, numa ampla varredura da História, todas as formas atuais de capitalismo são em última forma transitórias. O capitalismo moderno tem tido um extraordinário curso desde o início da Revolução Industrial dois séculos atrás, tirando bilhões de pessoas comuns da pobreza. O marxismo e o socialismo têm recordes desastrosos em comparação. Mas, à medida que a industrialização e o progresso tecnológico se estenderam à Ásia (e agora à África), algum dia a luta por subsistência não será mais um imperativo básico, e as numerosas falhas do capitalismo contemporâneo podem aumentar.

Primeiro, mesmo as principais economias capitalistas fracassaram em estabelecer efetivamente preços para produtos públicos, como ar limpo e energia. O fracasso nos esforços de concluir um novo acordo sobre a mudança climática é um sintoma de paralisia.

Segundo, junto com uma grande riqueza, o capitalismo produziu imensos níveis de desigualdade. A distância crescente é, em parte, um simples efeito da inovação e do empreendedorismo. As pessoas não reclamam do sucesso de Steve Jobs; suas contribuições são óbvias. Mas nem sempre isso é o caso: a grande riqueza permite a grupos e indivíduos comprar poder político e influência, que por sua vez ajudam a gerar mais riqueza. Somente poucos países - Suécia, por exemplo - têm sido capazes de romper esse círculo vicioso sem causar um colapso do crescimento.

Um terceiro problema é o fornecimento e a distribuição do atendimento em saúde, um mercado que não satisfaz vários dos requisitos básicos necessários do mecanismo de preços para produzir uma eficiência econômica, a começar pela dificuldade que os consumidores têm de estimar o valor da qualidade de seu tratamento.

O problema só vai piorar: os custos do sistema de saúde como uma proporção da renda certamente vão subir conforme as sociedades se tornam mais ricas e mais velhas, possivelmente excedendo 30% do PIB dentro de poucas décadas. Na saúde, talvez mais do que em qualquer outro mercado, muitos países estão lutando com um dilema moral de como manter incentivos para produzir e consumir com eficiência sem produzir grandes disparidades inaceitáveis no acesso ao atendimento.

É irônico que sociedades capitalistas modernas se engagem em campanhas públicas para estimular indivíduos a darem mais atenção à sua saúde, enquanto encorajam um ecossistema econômico que seduz muitos consumidores com uma dieta extremamente não saudável. De acordo com os Centros para Controle de Doenças dos Estados Unidos, 34% dos americanos são obesos. Claramente, o crescimento econômico calculado de forma convencional - que implica um alto consumo - não pode ser um fim em si mesmo.

Quarto, o sistema capitalista de hoje subestima amplamente o bem-estar das gerações por nascer. Para a maior parte da era desde a Revolução Industrial, isso não importou, enquanto as vantagens do contínuo avanço tecnológico superavam políticas míopes. Cada geração se considerava significativamente melhor do que a anterior. Mas com a população mundial ultrapassando os sete bilhões, e arautos das restrições de recursos se tornando mais aparentes, não há garantias de que essa trajetória possa ser mantida.

Crises financeiras são, naturalmente, um quinto problema, talvez o que mais esteja provocando exames de consciência ultimamente. No mundo das finanças, a inovação tecnológica contínua não reduziu os riscos, e pode tê-los ampliado.

Em princípio, nenhum dos problemas capitalistas é insuperável, e economistas têm oferecido uma variedade de soluções baseadas no mercado. Um alto preço global para o carbono poderia induzir empresas e indivíduos a entender o custo de suas atividades poluidoras. Sistemas de impostos podem ser planejados para fornecer uma melhor redistribuição de renda sem necessariamente envolver grandes distorções, ao minimizar gastos com impostos não transparentes e manter baixas alíquotas marginais de impostos para o aumento de rendas.

Precificar efetivamente os custos da saúde, incluindo os preços do tempo de espera, poderia encorajar um melhor equilíbrio entre igualdade e eficiência, com atenção estrita ao acúmulo excessivo de débitos.

Será o capitalismo uma vítima de seu próprio sucesso ao produzir prosperidade maciça? Por enquanto, a possibilidade parece remota. No entanto, enquanto a poluição, a instabilidade financeira, problemas de saúde e desigualdade continuarem a crescer, e enquanto o sistema político continuar paralisado, o futuro do capitalismo pode não parecer tão seguro em algumas décadas como parece agora.

KENNETH ROGOFF é professor de Economia e Políticas Públicas na Universidade de Harvard e já foi economista-chefe no FMI.

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