sexta-feira, dezembro 23, 2011

Concerto espanhol - EDUARDO MALUF


O Estado de S.Paulo - 23/12/11


Tentei buscar outro tema, mas não consegui. Não por falta de assunto, mas por ser impossível ignorar o que o Barcelona realizou no domingo e tem feito já há alguns anos na Europa. O espetáculo apresentado no Japão provocou um fenômeno que nunca tinha visto em quase 15 anos de carreira: repercussão e mobilização até mesmo entre os que não gostam de futebol. Mais até do que em grandes títulos conquistados por nossos clubes.

Fui ao dentista, no início da semana, em Londrina. Dr. Hilton deu "boa tarde" e, antes de falar sobre o tratamento, suspirou: "Nossa, foi incrível o que fez o Barcelona". Uma tia que raramente vê jogos e não tem a menor ideia, por exemplo, de como funciona a regra do impedimento se disse impressionada: "Parecia outro esporte, não futebol".

No intervalo do jogo, na manhã de domingo, meu pai não se conteve e pegou o telefone para exaltar esse "time extraterrestre": "Fazia tempo que não via nada igual, está parecendo um confronto entre profissionais de primeira e um catadão da várzea".

Todos têm razão. O comentário mais incômodo para nós, brasileiros, certamente foi o último. O Santos parecia mesmo time de várzea. Mas é o melhor que temos aqui no País. E continua sendo muito bom. Tem um técnico respeitado, um dos melhores jogadores do mundo e alguns atletas de alto nível.

O que houve então? Nada de diferente do que havia ocorrido, por exemplo, com o Real Madrid uma semana antes. A equipe de Cristiano Ronaldo, com o apoio da torcida, saiu na frente, mas depois sofreu três gols e escapou de levar pelo menos uns cinco.

O Real é ruim? De jeito nenhum. O Barcelona é que extrapola tudo o que podemos definir como bom futebol. Aliás, os torcedores deveriam usar smoking ou, pelo menos, paletó e gravata para ver esse conjunto se apresentar. Como se fossem a um concerto de Mozart na Ópera de Viena.

Não vi o Santos de Pelé jogar, infelizmente. Assisti, por videoteipe, à Laranja Mecânica dos anos 70 e acompanhei, já fanático pela bola, a nossa seleção de 82, a Argentina de 86, o Flamengo de Zico, o Corinthians de Sócrates, o São Paulo de Raí, o Palmeiras da Parmalat... Nenhum desses (descarto o Santos na comparação) para mim foi superior ou mesmo igual ao Barcelona de hoje.

É óbvio que precisamos respeitar a distância de uma época para a outra e as mudanças no futebol. E temos de levar em consideração o calor do momento. Todos estamos extasiados, impressionados, boquiabertos com o talento do grupo dirigido por Pep Guardiola. Mesmo pesando todos esses fatores, a equipe catalã fica na frente.

Os grandes times citados tinham nomes espetaculares e jogo vistoso. Mas sofriam derrotas e deixavam o oponente se divertir um pouco. Os adversários do Barcelona não se divertem, não curtem a partida. Correm para um lado, correm para o outro, mas raramente tocam na bola. Devem se sentir num jogo de "bobinho", implorando pelo fim do tormento.

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