domingo, novembro 13, 2011

MÔNICA BERGAMO - Ocupe o Copan


Ocupe o Copan
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 13/11/11

Artistas de 20 e poucos anos e sem galeria se juntam para fazer exposição em espaço vazio de 3.500 m² em prédio de Niemeyer

Há dois meses, Alessandra Terpins, 26, tomou coragem. Pediu demissão da galeria Fortes Vilaça, onde era assistente de curadoria, e ligou para uma amiga. Disse a Fernanda Brenner: "Vamos fazer". Combinaram de juntar 30 artistas de 20 e poucos anos e sem representação em galeria. Selecionaram uma ou duas obras de cada um para expor num espaço desocupado de três andares, com 3.500 m² de área, dentro do edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer no centro de SP.

Alessandra acumulou experiência de oito anos trabalhando em galerias e um incômodo: "Saí do mercado desolada, querendo fazer algo mais transgressor. Nas galerias, todo mundo diz que quer ser agressivo, mas acaba seguindo as regras do mercado". Já Fernanda tinha o contato do dono do imóvel, um engenheiro que não quer se identificar. Ele cedeu o local, que possui há 20 anos e nunca conseguiu vender, relata a repórter Thais Bilenky.

Na segunda-feira passada, as duas convocaram os 30 artistas para uma reunião no futuro palco de exposição. "Vamos realizar um trabalho mais experimental que o das galerias, sem o estresse de ter que fazer a carreira do artista crescer", afirma Lelê, como Alessandra é chamada. "O que estamos fazendo aqui acontece muito no exterior. Cada vez mais, artistas em Berlim e em Nova York se apropriam de lugares caindo aos pedaços em regiões 'uprising' [em ascensão], para montar exposições."

"Daqui a pouco, vocês [artistas] entram para uma galeria e vão fazer dinheiro nesse mercado, que tá bombando. Os preços vão subindo e a gente não sabe onde isso vai parar. Enquanto isso, esse imóvel está sendo depreciado, mesmo sendo uma obra magistral." O proprietário pede R$ 10 milhões pelo conjunto.

No dia 24, haverá uma abertura para 250 "convidados VIPs" (leia-se: colecionadores). No dia seguinte, fazem uma festa de inauguração "para a galera". A partir daí, a mostra fica em cartaz por mais dez dias.

A idealizadora do projeto tirou do bolso R$ 20 mil para viabilizá-lo. Pretende reaver o dinheiro cobrando 30% de comissão das obras que forem vendidas (a taxa praticada pelo mercado é de 50%). "Não sei se vou sair no zero a zero ou com um lucro pequeno. O importante é fazer acontecer." Explica aos artistas que fará o orçamento para montagem e exibição dos trabalhos de cada um conforme as necessidades, mas pede que "sejam barateiros".

"A gente brinca que os preços das obras vão de R$ 10 a R$ 10 milhões, porque inclui a obra-prima do Niemeyer", diz a estudante de arquitetura Fernanda Resstom, da comissão organizadora da exposição, intitulada "Imóvel". Completam o grupo Isabel Villares e Thiago Gonçalves, também alunos de arquitetura, e André Guazzelli, formado em desenho industrial.

A reunião avança e as perguntas vão surgindo. "Vai ter bombeiro?", quer saber Silvio De Camillis Borges, 26. Sua ideia é fazer uma instalação com uma chapa de metal colocada em um fogão industrial -superaquecida, portanto. Sobre a placa, uma torneira jorra um filete contínuo de água, gerando, devido ao choque térmico, pequenas "explosões". Batizou-a de "Contrata-se Ferreiro". "É uma iniciação para esse espaço, que está há 20 anos 'desligado'. Sem calor, não existe vida", explica Borges.

As dúvidas prosseguem: "Vai ter segurança? 24 horas? Podemos vir [trabalhar] de madrugada?". É a deixa para Seu Oliveira aparecer. Zelador do espaço desde 1999, Oliveira Marques da Silva, 72, diz que "pode, desde que não façam barulho". É que ele mora no imóvel -improvisou uma cozinha e um quartinho em pleno saguão.

"Tem fantasma aqui?", perguntam. Seu Oliveira responde que sim. "Mas não tenho medo, não. Pior foi quando entraram uns trombadinhas querendo fumar alguma coisa", lembra.

Além de atuar na organização, Fernanda Brenner vai expor "Cenografia da Espera", duas telas sobre "o momento imediatamente anterior a um acontecimento". "Esse lugar aqui [o conjunto no Copan] tá esperando acontecer alguma coisa. É um espaço em branco." Em um dos quadros aparecem uma pessoa, uma janela, um banquinho, um gaveteiro e uma fonte de luz.

Antes de ser comprado pelo engenheiro, o local da exposição serviu como hospital dos funcionários do Bradesco. Sobraram resquícios da época, como placas apontando para o "gabinete dentário" e para o "ambulatório médico". Ficaram também restos de cenários montados para filmes e comerciais rodados ali, que garantem ao proprietário uma renda para pagar o condomínio.

"Eu vi muito entulho, vigas, escadas. Posso usar?", pergunta o artista Daniel de Paula, 24. É que ele pretende preencher com tijolos espaços vazados entre colunas em V, símbolo da arquitetura moderna, e degraus de escadas. "O que eu tinha imaginado é discutir a função que tem hoje o estilo de Niemeyer", diz.

Daniel de Paula acha "interessante" a proposta da exposição. "Não é todo dia que você tem a oportunidade de intervir diretamente numa obra do Niemeyer. É aqui ou na Bienal [cujo prédio, no Ibirapuera, também foi projetado pelo arquiteto]." O problema, diz, é o prazo: menos de 20 dias para a montagem.

"Realmente, se eu tivesse mais tempo, colocaria o projeto no Catarse [site de financiamento colaborativo]", diz Lelê. Mas não vai dar. Ela está "apaixonada" e, em dezembro, vai viajar para a Austrália por três meses com o namorado. Terá que esperar a próxima edição, que os organizadores pretendem fazer no primeiro semestre do ano que vem.

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