segunda-feira, novembro 28, 2011

É preciso celebrar as vitórias contra a corrupção - ALBERTO CARLOS ALMEIDA



REVISTA ÉPOCA


Para avançar no combate a alguma mazela, é sempre necessário criticá-la. Não menos necessário, porém, é reconhecer tudo o que já foi feito e o que já se conquistou. A ausência desse reconhecimento reproduz o mecanismo do mito de Sísifo: somos capazes de levar a pedra morro acima, até o pico; todavia, ao final de nosso esforço, a pedra rola ladeira abaixo, e temos de começar tudo outra vez. Devemos, não resta a menor dúvida, criticar a corrupção e aquilo que, nestes últimos tempos, vem sendo chamado de “malfeito”. Mas precisamos também reconhecer todos os avanços no combate a ambos. O leitor desavisado poderá ficar indignado e se perguntar: mas que avanços? Ora, não é por milagre que uma presidente demite ministros investigados pela Justiça e denunciados pela mídia. Investigação e denúncias sempre aconteceram, mas é a primeira vez que temos a sensação de que a combinação de ambas resulta na queda rápida de ministros. Alguma coisa vem mudando no Brasil.
Todos se lembram de Orestes Quércia. Eleito Senador por São Paulo ainda muito jovem, ele tinha imagem de dinâmico. Tornou-se governador também muito jovem e era, naquela ocasião, considerado favorito a se tornar presidente. Quércia foi candidato à Presidência e amargou um desempenho pífio na eleição de 1994. Aquele que algum dia foi uma grande promessa da política brasileira fora abatido por sucessivos escândalos de corrupção.
Paulo Maluf teve destino semelhante. Ficou muito distante a época em que Maluf conseguia ser eleito prefeito de São Paulo. Sempre que disputava uma eleição majoritária e ia para o segundo turno, era derrotado. Depois, nem sequer ia para o segundo turno e, em seguida, não tinha mais condição política de ser candidato a prefeito. Restou a ele, além de um mandado de prisão internacional que o impede de pisar em solo americano, um prêmio de consolação: ser um entre 513 deputados federais. Maluf, assim como Quércia, foi abatido pelos inúmeros escândalos de corrupção. Ambos foram devidamente punidos pelo eleitorado. Destino semelhante tiveram mais recentemente o ex-ministro dos Transportes, o ex-ministro do Turismo, o ex-ministro do Esporte e o ex-ministro da Casa Civil, deste governo e do passado. Todos, como Quércia e Maluf, exerciam sua carreira política, muitos em trajetória ascendente – e foram vitimados por investigações e sua divulgação pela mídia.
Poucos sabem, mas nada menos de 274 prefeitos eleitos em 2008 foram cassados como resultado de investigações de Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais de Contas ou mesmo da Justiça comum. É preciso fazer justiça com nossa Justiça: as instituições de controle têm atuado de maneira cada vez mais eficaz. Falta muito ainda para colocar um político comprovadamente corrupto atrás das grades. Mas já avançamos nessa direção. Esse dia está chegando.
Um grande avanço foi a aprovação, contra a vontade de muitos políticos e de acordo com a demanda da sociedade brasileira – algo que comprova a força de nossa democracia –, da Lei da Ficha Limpa. Plenamente aplicada a partir da eleição municipal de 2012, ela impede que políticos condenados em alguma instância jurídica colegiada disputem eleições. Isso diz respeito tanto à Justiça comum quanto aos Tribunais de Contas.
A Lei da Ficha Limpa tem uma aprovação social tão avassaladora que será aplicada, em alguns Estados e municípios, não apenas para cargos eleitorais, mas também para cargos de confiança e até mesmo como critério de veto para a carreira de servidor público. É bem possível que, dentro de alguns anos, todos os Estados e municípios brasileiros já a tenham adotado com tal finalidade. Há vários outros exemplos de como avançamos no combate à corrupção. Inúmeros prefeitos de capitais, governadores e ex-governadores vêm sendo condenados em seu Estado, seja por crime eleitoral, seja por mau uso de recursos públicos. Antes da Lei da Ficha Limpa, a CNBB tomou a iniciativa de propor e aprovar a Lei da Compra de Votos, que propiciou várias dessas condenações. Mais do que isso, a carreira de vários políticos cujas histórias não chegam à mídia também tem sido abatida por investigações e escândalos de corrupção.
Tais conquistas não são deste ou daquele governo. São conquistas da sociedade brasileira, em permanente interação com o sistema político. Não há mágica em processos sociais. A política britânica era extremamente corrupta no século XIX. A prefeitura de Nova York tinha conexões com a Máfia até a segunda metade do século XX. A política de Chicago, uma das regiões mais desenvolvidas dos Estados Unidos, sempre foi marcada por uma corrupção avassaladora, conhecida pelo eufemismo “máquina política”.
O combate à corrupção é resultado de um processo social complexo, em que interagem a sociedade (que precisa de níveis mais elevados de escolarização para realmente se opor à corrupção) e as instituições jurídicas de controle e punição. É um processo difícil e penoso, mas também não conhece retrocesso. Todos aqueles que estão empenhados em organizar e realizar as marchas contra a corrupção devem ir além, fazendo uma aliança explícita tanto com o sistema jurídico, reconhecendo e divulgando os avanços e as conquistas, quanto com a mídia, exigindo que ela continue a denunciar, mas que também informe leitores, ouvintes e telespectadores sobre o que já foi alcançado. Se isso não for feito, o movimento corre o risco de perder seu ímpeto, uma vez que seus participantes ficarão com a sensação de que nada melhorou e de que, portanto, são inúteis. É preciso ir às ruas. Mas também é preciso institucionalizar a demanda por menos corrupção. Isso é feito por dentro das instituições de controle. É imperiosa a necessidade de divulgar os feitos obtidos e afirmar que muito se alcançou no combate à corrupção. Não existe somente “malfeito”, existe também o “benfeito” no combate à corrupção. Se ele for reconhecido, divulgado e apoiado, avançaremos mais rápido.

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