segunda-feira, outubro 10, 2011

MARCO ANTONIO ROCHA - Pouquíssima esperança de solução indolor



Pouquíssima esperança de solução indolor
MARCO ANTONIO ROCHA
O Estado de S.Paulo - 10/10/11

Pode ser esta a hora de relembrar aos luminares dos governos europeus a máxima de Dante Alighieri: "Deixai toda esperança vós que entrais" - nesta confusão infernal que é a crise das dívidas impagáveis de vários governos com muitos bancos, empresas, fundos de investimentos, sindicatos e pessoas físicas. A esperança de encontrar uma solução satisfatória para todas as partes, sem turbulência social, se distancia a cada vez que se olham as notícias.

Na crise financeira de 2008, nos Estados Unidos, o problema era diferente e, em grande parte, era de âmbito privado. Milhões de pessoas haviam tomado empréstimos bancários além das suas posses e da sua capacidade de pagamento, com base nas estimativas de uma economia em crescimento. Os bancos, por sua vez, com seus cofres abarrotados pelo excesso de liquidez, decorrente em grande parte dos enormes gastos do governo americano - cujos déficits fiscais insanáveis assombram todos os financistas do mundo há muitos anos -, virtualmente empurravam o que podiam de crédito para os seus clientes, olhando com muita displicência a qualificação financeira do tomador e suas garantias. Esse foi o estado da arte durante anos, principalmente no crédito imobiliário.

Para facilitar esse processo, que La Fontaine (ou Esopo) diria regido pelo espírito da cigarra, da famosa fábula, um poderoso mercado de securitização de recebíveis se encarregava de comprar dos bancos e repassar ad infinitum os títulos de crédito. Todo mundo que nunca pôde comprar casa própria nos Estados Unidos porque nunca pudera apresentar condições satisfatórias para obter financiamentos aproveitou a bonança para "realizar o sonho", como reza a propaganda de imobiliárias e construtoras no mundo inteiro.

Quando as perspectivas da economia, do emprego e da melhoria de renda começaram a se inverter, passando do verde para o vermelho, a montanha de promissórias vincendas - já então apelidadas de subprime - começaram a valer menos do que notas de US$ 3 e os empréstimos não resgatáveis, a pesar negativamente nos balanços dos bancos. O governo de Obama teve de injetar vultosos recursos nos bancos para restaurar um mínimo de equilíbrio financeiro entre ativos perdidos e passivos incorporados.

Qual a diferença na Europa?

É que, nos bancos europeus, a maioria dos ativos perdidos ou em linha de perda é de títulos soberanos, isto é, emitidos por governos para captar recursos a fim de cobrir suas insuficiências fiscais e dívidas excessivas com fornecedores ou funcionários ou empreiteiras. Esses títulos soberanos têm seu valor de mercado ditado pela confiança que o governo emitente inspira, decorrente, por sua vez, da sua capacidade de pagamento dentro do prazo médio dos títulos. Qualquer desconfiança em relação a essa capacidade de pagamento derruba o valor dos títulos, o balanço dos bancos detentores desses títulos se deteriora e cai a possibilidade do banco de fazer novos empréstimos, o que afeta a atividade econômica de empresas e pessoas físicas.

Então, é lógico que os governos emitentes dos títulos - Grécia, Espanha, Portugal, Itália, Irlanda, seja qual for - têm de honrá-los, o que significa na prática recomprá-los dos bancos e, assim, renovar a confiabilidade dos papéis e a confiança do público nos bancos que os detêm. Só que esses governos não têm o dinheiro para isso e não estão em situação de fazer novas dívidas. A saída é os outros governos, que têm dinheiro, virem em socorro, emprestando aos governos encalacrados. Mas esses empréstimos, por sua vez, terão de ser honrados também, no futuro. Por isso, os governos emprestadores ou o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Central Europeu, qualquer entidade, enfim, só emprestam se tiverem a garantia de que o governo devedor tomará todas as medidas para garantir superávit nas suas contas fiscais que sirva para ir pagando o empréstimo. Em suma, os governos encalacrados precisam cortar seus gastos e aumentar impostos para ter "lucro" suficiente para ir pagando a nova dívida, contraída para honrar as dívidas anteriores.

Assim, por exemplo, o governo da Alemanha empresta dinheiro para o da Grécia, que resgata seus títulos soberanos em poder dos bancos, que, livres do "rombo", podem retomar negócios normais com sua clientela. O governo da Grécia fica, então, devendo para o da Alemanha, e, para pagar essa dívida, tem de apresentar um plano de superávits fiscais por vários anos.

Só que, do mesmo modo que uma empresa em dificuldades, ao apertar o cinto, reduz investimentos, diminui salários, despede funcionários e cria um impacto social, o impacto que os governos criam é muito maior e alcança toda a economia do país.

A presidente Dilma disse na Europa que os governos precisam fazer ajustes fiscais, mas não com caráter recessivo. Receita correta, perfeita, óbvia, mas, dependendo do tamanho do ajuste fiscal, inútil. Revela ao mesmo tempo o nó central do problema europeu e a pouquíssima esperança de que seja resolvido sem grandes turbulências do ponto de vista social e político, como, aliás, já se percebe.

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