quinta-feira, outubro 20, 2011

LUCIANO PACHECO - Energia cara e de baixa qualidade


Energia cara e de baixa qualidade
LUCIANO PACHECO
O ESTADÃO - 20/10/11

Os frequentes apagões dos últimos anos trouxeram à tona a questão da baixa qualidade do fornecimento da energia elétrica no País. Além de pagarem uma das contas mais altas do mundo, os consumidores brasileiros enfrentam vários problemas na entrega do insumo. No caso da indústria, o problema é ainda mais grave e vai além dos blecautes: muitas vezes, interrupções de curta duração e variações na tensão de fornecimento geram impactos tão ou mais significativos na produção industrial do que apagões de várias horas.

Levantamento sobre o assunto feito com companhias ligadas à Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) revela que o número de ocorrências ultrapassa a esfera do aceitável. Das empresas consultadas, 64% estão insatisfeitas com o serviço de fornecimento de energia. O volume de incidentes justifica a insatisfação: uma única concessionária, no Estado do Rio, foi responsável por 48 eventos em apenas quatro meses. Outra companhia, atuante em São Paulo, esteve envolvida em 51 ocorrências nos últimos dois anos. Nas áreas de distribuidoras de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, a situação é ainda pior, com registro de, respectivamente, 72 e 112 ocorrências no período.

Quanto aos prejuízos causados pelas interrupções no fornecimento, apenas quatro indústrias consultadas declaram perdas de quase R$ 3 milhões. E esse número só diz respeito a impactos diretos na produção, não contabilizando gastos com consertos de equipamentos ou redução de sua vida útil. Além disso, nos casos de desligamentos não programados, a retomada pode demorar muito tempo. Uma unidade petroquímica do Nordeste, por exemplo, levou 45 dias para retomar integralmente a produção após o apagão que castigou oito Estados da região em fevereiro.

A falta de aderência entre os parâmetros regulatórios e as necessidades dos grandes consumidores pode explicar muitos desses problemas. Os atuais índices de qualidade regulatórios do setor só consideram que há problemas no fornecimento de energia quando as interrupções são superiores a 3 minutos. Isso não corresponde à realidade da indústria, já que, por causa da sensibilidade de seus equipamentos, falhas de milissegundos podem significar desligamentos e, consequentemente, prejuízos.

A sensibilidade dos equipamentos usados na indústria também não é considerada na definição dos limites de variações de tensão de fornecimento aceitos pelas atuais regras.

Outra questão é a possibilidade de os responsáveis pelos problemas arcarem com os prejuízos dos consumidores. Hoje a compensação por prejuízos só ocorre no caso dos consumidores que recebem a energia em tensões iguais ou inferiores a 2,3 kV. Mas, quando a situação se inverte e os consumidores são os responsáveis pelos danos nos equipamentos das distribuidoras, a regra muda e se aplica a todos. Ou seja, as distribuidoras sempre têm de ser ressarcidas por consumidores cujas cargas tenham provocado distúrbios em seus equipamentos elétricos, independentemente da tensão em que estejam ligados. Não há, pois, reciprocidade.

Outra questão grave: mesmo sem condições de operar por falhas no fornecimento de energia, o consumidor afetado tem de arcar com os encargos de uso, de acordo com o estabelecido em seu contrato de demanda. Ou seja, a indústria fica sem produzir e continua remunerando quem lhe causou o problema.

Neste cenário, a informação de que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pretende reduzir reajustes de tarifas de distribuidoras de energia com serviços ruins é uma boa notícia. Espera-se que isso contribua também para reverter a situação bastante desigual no que tange a direitos e deveres dos grandes consumidores de energia e das concessionárias, com clara desvantagem para os primeiros. É preciso adequar essa relação, de modo a melhorar a qualidade e reduzir injustiças no processo. Caso contrário, corremos o sério risco de nos tornarmos recordistas também entre os países com piores condições de fornecimento de energia.

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