sexta-feira, setembro 02, 2011

MIRIAM LEITÃO - O nó cego

O nó cego
MIRIAM LEITÃO 
O Globo - 02/09/2011

O governo está numa sucessão de confusões na área de combustível. A Petrobras está importando gasolina mais cara do que vende, vai importar mais álcool, o governo subsidia os dois produtos e vai reduzir impostos. Isso incentiva mais o consumo. Até agora ninguém parece ter entendido o tamanho do nó que está sendo dado nos combustíveis. Para completar, a empresa de petróleo vai produzir açúcar.

Os problemas são piorados por excesso de intervenção governamental, uma empresa monopolista, e falta de compreensão do setor. Logo que a crise do álcool surgiu, o governo primeiro disse que era só um problema de entressafra. Depois, ofereceu mais dinheiro para a indústria e em seguida mandou a Petrobras entrar no mercado para produzir álcool.

O primeiro nó do setor está nos canaviais e não na capacidade instalada da indústria, que está ociosa. Os canaviais precisam ser renovadas, estão velhos, e foram atingidos por três tipos de problema: em 2009, houve crise e muita cana plantada deixou de ser comprada, deixando os produtores descapitalizados; em 2010, houve seca que quebrou a safra; em 2011, geada que quebrou a safra. Falta cana.

Outro problema foi que o governo incentivou demais a indústria automobilística, e isso aumentou o uso de combustível, fóssil ou não. Incentivou através da queda de impostos para o comprador do carro, para assim aquecer a economia. O consumidor comprou muito automóvel, e aumentou o consumo de combustível. Para atender à demanda aquecida, as montadoras importaram carro de suas próprias fábricas em outros países. Depois, reclamaram com o governo que o mercado estava sendo tomado pela importação, e o governo as premiou com a isenção do IPI.

Terceiro, o governo proibiu que a Petrobras subisse o preço da gasolina para a distribuidora, independentemente do que aconteça com a cotação do petróleo no mercado internacional. No petróleo produzido aqui, a Petrobras ganha dinheiro porque o custo de produção é bem menor do que o preço de venda, mas ela deixa de ganhar em relação ao preço que é praticado fora do Brasil. Isso incentiva a demanda. O consumo subiu acima da capacidade da empresa de refinar petróleo, e ela passou a comprar o produto no mercado internacional. Paga US$0,25 a mais em cada litro que compra, em relação ao preço que está autorizada a oferecer às distribuidoras.

Com os problemas na produção do álcool, o consumidor preferiu utilizar gasolina porque o álcool deixou de ser vantajoso. O consumo da gasolina subiu mais ainda, o que eleva o custo para a estatal. Agora, foi reduzida a mistura, o que elevará a importação da gasolina e aumentará a emissão de gases de efeito estufa.

Então o governo pensa em reduzir a Cide para que a Petrobras possa aumentar o preço que recebe das distribuidoras, mas ao mesmo tempo o consumidor não precise pagar mais. Como a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) foi criada para investir no setor de transportes, o país fica em mais uma situação esquisita: o grande beneficiário é o dono do automóvel, e faltará dinheiro para investimento no transporte como um todo, o que prejudica o usuário do transporte público.

Outra decisão do governo foi a de mandar a Petrobras entrar no setor de produção de biocombustível. Ela comprou empresas que também produzem açúcar. Ficará assim na estranha situação de ser uma empresa de petróleo que produz açúcar. O presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, me disse outro dia que não é exatamente assim, já que ela será sócia de empresas que produzem açúcar. Acho que dá no mesmo. Será mais confuso ainda se a estatal na qualidade de acionista tentar forçar as empresas a produzirem apenas álcool: é que hoje o lucro da produção de açúcar é 50% maior, porque o produto está em alta no mercado internacional. Outra ideia recente que o governo chegou a pensar foi a de aumentar o imposto sobre a exportação de açúcar para forçar as empresas a produzirem mais álcool.

Se você já se perdeu nesse canavial, não pense que está sozinho. Estamos todos tentando entender qual é afinal a estratégia do governo para o setor de combustível, que está completamente perdido. Entre outras razões, porque o ministro Edson Lobão, apesar de estar no cargo desde o governo passado, sempre demonstra pouco conhecimento do assunto cada vez que se pronuncia sobre ele.

Segundo o presidente da Unica, que reúne os usineiros de cana-de-açúcar, Marcos Jank, a produção de cana este ano está 20% abaixo da média histórica, porque houve uma perda de 150 milhões de toneladas por razões climáticas. O Brasil produz 25% do açúcar mundial e é responsável por 55% do que é comercializado no mundo. Por isso, a pressão sobre os produtos da cana vai continuar. O Brasil, que se dispunha a ser um grande exportador de etanol, vai importar este ano um bilhão de litros.

Segundo Jank, o pior problema que o setor enfrenta é o congelamento por cinco anos do preço da gasolina às distribuidoras. Como o álcool tem que custar 70% do preço da gasolina, o congelamento está tornando o álcool não competitivo.

Para onde se olha no mercado de combustível fica claro que a cada tentativa do governo de consertar o problema ele se agrava ainda mais. Mas a pior distorção é o governo subsidiar - com preço abaixo do mercado internacional ou com redução de impostos - o consumo do produto que o Brasil está sendo obrigado até a importar.

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