sábado, setembro 24, 2011

MARIA CRISTINA SANCHES AMORIM - É preciso enxotar o fantasma da CPMF



É preciso enxotar o fantasma da CPMF 
MARIA CRISTINA SANCHES AMORIM
FOLHA DE SP - 24/09/11

A regulamentação da emenda constitucional 29 (EC 29), que definirá os gastos dos municípios e Estados com os serviços de saúde, trouxe à tona um fantasma do brasileiro, o retorno da CPMF (ainda que com outra sigla), e um debate sobre o financiamento do setor.
Precisamos enxotar o fantasma e organizar o debate, pois o "encosto" procura materializar-se na legitimidade indiscutível dos gastos governamentais com a saúde.
A EC 29 estabelecerá o piso de 15% do orçamento dos municípios e de 12% daquele dos Estados para gastos com os serviços de saúde -e também determinará os tipos de gastos. Ocorre que a maioria esmagadora dos municípios e Estados não tem dinheiro, ou seja, este virá do governo federal.
Em tempos de aumento de superavit primário para enfrentar a resistência à redução dos juros e as pressões inflacionárias, a União resiste em gastar e comprometer-se com um gasto contínuo.
Nesse cenário, por que não reeditar a CPMF? Um novo tributo é sempre impopular; nada mais oportuno do que justificá-lo como necessário e inevitável. E assim, a CPMF volta à cena, sob a forma de "encosto" em causa tão nobre.
Os governos estaduais e, principalmente, o federal aumentam a capacidade de arrecadar tributos acima da inflação e do crescimento do PIB há uma década. Porém, alegam não ter dinheiro para cumprir o que fixa a emenda 29.
Para o governo federal, a votação da EC 29 é uma oportunidade de ouro para "matar três coelhos com uma só cajadada". Com o retorno da CPMF a administração:
1) ficaria "bem na fita" com o pessoal da saúde, ao atender à velha -e legítima- demanda da regulamentação da emenda 29 e destinar mais dinheiro à área;
2) ampliaria alianças com parlamentares, que sairão por aí como paladinos da saúde;
3) conseguiria fonte adicional de dinheiro para pagar a dívida interna e cumprir a meta de superavit.
A CPMF é ruim no nascedouro: incide sobre serviços e será incorporada como aumento de custos e de preços. Isto é, o consumidor, independentemente de sua renda, pagará a conta final.
Por se tratar de uma contribuição, e não de um imposto, o governo federal não tem obrigação de reparti-la com Estados e municípios. Poderá direcioná-la ao fundo de estabilização, para remunerar rentistas com base na taxa Selic, como fez de 1997 a 2006 (do total arrecadado no período, apenas 45% destinaram-se aos gastos com saúde).
Algum dinheiro para a saúde há de sobrar: nisso aposta o governo federal para conseguir legitimar o retorno da CPMF.
Garantir recursos estáveis para o financiamento da saúde e coibir desvios são ações de importância indiscutível, mas a inevitabilidade de aumentar tributos é outra história. Não faz sentido o governo afirmar que não tem dinheiro para os gastos decorrentes da aprovação da emenda 29. Tem, sim.
Vejamos de onde poderia sair a verba para a saúde. A cada 0,5% de redução da taxa de juros (Selic), sobram bilhões de reais por ano. Até hoje, o governo federal não cobrou o dinheiro devido pelas operadoras de planos e seguros de saúde quando seus clientes usam a rede SUS. O BNDES aumentou os saques sobre o Tesouro, usa recursos do FGTS e do FAT, empresta a juros de 6% ao ano e paga acima de 10%.
A lista de alternativas à CPMF é longa, e mesmo a imposição de outras fontes fiscais que não incidam sobre trabalho e produção deve ser vista com cuidado. A história dos tributos mostra que os governos costumam onerar não os agentes que deveria, mas aqueles que consegue.
MARIA CRISTINA SANCHES AMORIM, economista, é professora titular da PUC-SP.

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