quarta-feira, setembro 07, 2011

ANTONIO PRATA - Do 'pum'

Do 'pum' 
ANTONIO PRATA
FOLHA DE SP - 07/09/11

Salvo engano, é a primeira vez que um pum vira manchete, e eis aí um fato da maior importância


Passei segunda-feira escrevendo a crônica que deveria ocupar este espaço. Era seriíssima, sobre a morte, tinha arroubos de lirismo e aspirava mesmo a alguma profundidade. Após terminá-la, resolvi perambular pela internet, para dar uma espairecida. Qual não foi meu assombro ao ler, na página do UOL, a seguinte manchete: "'Pum' foi lamentável, mas não fez Fla perder, afirma Luxemburgo".

Minha primeira reação, após o susto, foi a descrença. Não entendo muito de futebol. Talvez "pum" fossem as iniciais de uma regra -"Pontos Unificados da Média"?-, que prejudicara o Flamengo, na tabela. Quem sabe, "Pum" seria uma torcida organizada -"Palmeirenses
Universitários de Mucuri"?-, acusada de atirar pedras no ônibus rubro-negro, a caminho de tal partida.

Cheguei a pensar que "pum", sempre entre aspas, na matéria, pudesse ser uma jogada nova, importada da Inglaterra, espécie de paradinha, proibida pela FIFA. Imaginei o atacante do time adversário praticando um "pum" desleal e marcando o gol da vitória.

Ao clicar na manchete, contudo, descobri que pum era pum mesmo - e meu coração bateu forte, como o de uma criança ouvindo pela primeira vez um palavrão sair da boca de um adulto.

A matéria começava assim: "O técnico Vanderlei Luxemburgo negou que o "pum" que um jogador (ainda não identificado) soltou durante sua preleção tenha sido um dos causadores da derrota por 3 a 1 para o Bahia, no último domingo". Ainda segundo o texto, Luxa teria ficado possesso com o riso desencadeado pelo traque e abandonado o vestiário. No dia seguinte, o Flamengo perdeu o jogo.

Queria parabenizar o UOL pelo pioneirismo. Salvo engano, é a primeira vez que um pum vira manchete, e eis aí um fato da maior importância.

Afinal, se a flatulência causou tal estrago numa preleção, que desconfortos, desentendimentos e tragédias não terá acarretado, ao longo da história?

Imaginem um pum no plenário da ONU. Nas prévias eleitorais. Em negociações entre patrões e empregados. Terá o pum sido utilizado em interrogatórios? Haverá a CIA criado a simulação de pum, assim como inventou a terrível simulação de afogamento? Sem falar no perigosíssimo pum medieval, época em que reinos sustentavam-se sobre casamentos arranjados e alimentos pútridos.

Se nada sabemos sobre esses acontecimentos é porque, durante o século 20, a história esteve sequestrada pelo viés econômico. Nem a escola dos "Annales" -sem trocadilho, por favor-, com sua abertura metodológica, chegou a levar o pum a sério.

E, no entanto, como provam a matéria do UOL e a experiência cotidiana, o homem não é governado somente por desejos materiais e conflitos políticos: move-se também por impulsos mais etéreos e -com trocadilho, por favor- intestinos.

Podemos tentar fugir de nossa pequenez construindo foguetes, fazendo abdominais ou escrevendo crônicas sobre a morte, com arroubos de lirismo e profundas aspirações, mas no fim das contas -e era isso que eu queria dizer em meu texto anterior, quando fui interrompido pelo anônimo traque, assim como Luxemburgo, na preleção-, não somos mais do que uns risíveis primatas que nascem, crescem, morrem e, neste ínterim, soltam uns puns por aí.

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