sexta-feira, agosto 05, 2011

RUY CASTRO - Racha na cláusula pétrea

Racha na cláusula pétrea
RUY CASTRO 
FOLHA DE SP - 05/08/11

RIO DE JANEIRO - Não se trata de faxina nem de higienismo. A epidemia de crack quebrou uma cláusula pétrea há muito instituída em clínicas de tratamento de dependência química: a de que não adianta internar uma pessoa sem o seu consentimento.
A ideia era a de que, com esse consentimento, o dependente se propunha a aguentar os primeiros dias de abstinência, em que seu organismo, subjugado ao fornecimento da droga (álcool, maconha, cocaína, ácido, inalantes, comprimidos, o que fosse), se rebelaria violentamente contra a súbita interrupção. E, com a ajuda dos profissionais (medição constante de pressão e coração, eventual uso de tranquilizantes leves ou medidas de contenção radical), poderia ultrapassar essa etapa, até seu organismo voltar ao ponto de equilíbrio.
Com as drogas "convencionais", essa etiqueta da internação pode e deve ser praticada. Por mais cruéis os efeitos da abstinência, sempre haverá um período mínimo de negociação orgânica, em que o paciente poderá entender o que lhe está acontecendo. Já com o crack, isso não é possível.
A velocidade com que ele atua no organismo e vê seu efeito desaparecer, exigindo logo uma nova dose, e a dependência a jato que isso provoca impedem qualquer negociação. Uma vez dependente, cessa a possibilidade de trégua entre o usuário e o produto -ele precisa ser atendido continuamente, sem o que se torna desesperado, agressivo e perigoso para si mesmo ou para os outros. Se duvida, dê uma volta -à distância, de preferência- por uma cracolândia.
Nos anos 60, acreditava-se que a droga seria uma opção pessoal e privilégio de poucos, pessoas que a usariam para "expandir a mente", e ninguém teria nada com isso. Mas não há leitores de Aldous Huxley na cracolândia e, em pouquíssimo tempo de uso da droga, já não lhes resta mente para expandir.

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