sábado, agosto 06, 2011

MÍRIAM LEITÃO - Letras e cenários


Letras e cenários
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 06/08/11


Quando Nouriel Roubini, que previu a crise de 2008, disse que haveria uma segunda queda e que a recessão seria em forma de W, a maioria dos analistas sustentou que seria em forma de V. Hoje, letras e cenários estão ainda misturados, e a incerteza aumentou esta semana. Como o Brasil pode lidar com a crise? O governo decidiu ampliar gastos para subsidiar a indústria.

O diagnóstico do governo brasileiro é que o mundo continua em crise e não se sabe quando sairá completamente dela. Isso é correto. O governo acha também que a indústria precisa ser defendida para sobreviver e, num segundo momento, ela deve ser empurrada para um novo padrão inovador e atualizado de produção. Foi o que me explicou o ministro Fernando Pimentel. O problema é que as ferramentas usadas pelo governo para induzir essa transição lembram muito as que foram usadas no passado. Na época, elas transferiram renda para alguns setores, elevaram a taxa de inflação, tornaram as empresas dependentes do governo.

O ministro Pimentel me disse que na equipe atual todos pensam de forma muito parecida. De fato, Pimentel, Guido Mantega e Aloizio Mercadante são economistas da mesma corrente de pensamento. Eles acreditam em medidas de defesa do mercado interno, conselhos com empresários e governo discutindo regimes especiais para setores, dinheiro entregue na mão de exportadores e renúncias fiscais em favor das montadoras de automóveis. A presidente Dilma também acredita.

Portanto, o que o governo fez esta semana foi assumir a política na qual ele se sente realmente à vontade, ao invés de sustentar teses de austeridade fiscal, aperto monetário, metas de inflação, câmbio flutuante, que herdou do partido adversário. Se divergência houve entre os ministros, foi apenas de intensidade das medidas, não de direção. O agravamento da crise vai dar a eles a sensação de que estão certos, como em 2009, quando Mantega abriu os cofres. No agudo da crise, foi a forma de evitar que a recessão fosse maior, mas o governo não interrompeu os estímulos como devia, superaqueceu a economia, elevou a inflação, que está, como mostrou o dado de ontem, em 6,8%.

Pimentel disse que decretos decidirão os regimes especiais para setores específicos e quem vai controlar essas concessões tributárias será um conselho formado por 14 empresários e 14 ministros de Estado, o CNDI. Lembra até no nome o velho CDI. O ministro diz que serão exigidas contrapartidas para os setores beneficiados.

"A medida faz sentido. É um salto em direção à inovação. No caso do setor automobilístico, por exemplo, vamos cobrar das empresas que ingressarem nesse novo regime tributário planos de inovação e projetos concretos de internalização de engenharia de produção, porque não queremos ser apenas montadores. Existe uma pesquisa, por exemplo, na Bahia, de fibra de sisal. Essa fibra mais resistente e econômica pode reduzir em 15% o custo dos estofamentos", explicou o ministro.

O setor automobilístico ficará sem pagar IPI até 2016. Não para repassar isso ao consumidor, é para aumentar o ganho das empresas. O argumento do governo para defender a medida é que 28% dos carros emplacados no Brasil este ano são estrangeiros. De fato, mas importados pelas próprias montadoras.

A melhor medida da política industrial, de longe, é a de desoneração da folha de alguns setores que empregam mais. A contribuição patronal para a Previdência, que hoje é 20% sobre a folha salarial, será de 1,5% sobre o faturamento da empresa.

"Essa é a medida mais importante, mais estrutural. Não se podia fazer tudo de uma hora para a outra, e por isso escolhemos os setores intensivos em trabalho. Vamos monitorar este ano e até o fim do ano que vem o que vai acontecer com eles, através de uma comissão tripartite: governo, empresários e trabalhadores. Este ano, não entra nenhum setor novo. Em 2012, podemos começar a estudar outros setores, e, se der certo, em três ou quatro anos migrar de uma forma de cobrança para outra. Haverá um subsídio, mas esse custo é temporário, porque pode estimular o emprego e aumentar a arrecadação."

O ministro tem razão. Essa medida é boa, os setores foram bem escolhidos, a forma cautelosa de fazer é o mais acertado, porque se fosse feito tudo bruscamente o risco de desequilibrar a Previdência seria grande.

Uma medida difícil de engolir é o Reintegra. O governo vai transferir para exportador de manufaturados R$ 4 bilhões. Pimentel garantiu que o Reintegra foi discutido com o Itamaraty e está dentro das normas da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Lembrei a ele que o Brasil entrou na OMC contra um programa da Argentina, igualzinho a este, chamado Reintegro. Parece um "Bolsa exportador" e que beneficia só setores menos competitivos.

Há defensores da política industrial que preferiam que a estratégia fosse fortalecer os setores mais dinâmicos em vez de proteger os perdedores. Pimentel acredita que esta é a forma de fazer as empresas investirem em P & D, as letras de Pesquisa e Desenvolvimento, que levarão o País ao século 21. As letras são estas.

A dúvida é se elas serão encontradas através das medidas anunciadas.

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