segunda-feira, agosto 01, 2011

FERNANDO ABRUCIO - O que aprender com a crise dos transportes


O que aprender com a crise dos transportes
FERNANDO ABRUCIO
REVISTA ÉPOCA

Uma crise, como há séculos perceberam os orientais, pode ser uma grande oportunidade. As recentes mudanças no Ministério dos Transportes podem gerar confusão na relação do governo com sua base parlamentar. Mas elas também abriram um campo enorme para o aperfeiçoamento do sistema político-administrativo. Dilma pode ganhar com tais mudanças. E o Brasil também. Só que é preciso entender melhor o que produziu os descalabros encontrados no Dnit.

O ponto mais ressaltado pela imprensa foi a ligação dessa crise com os políticos do PR. Não sei se esse partido é o menos republicano entre nós – contrariando o seu nome –, mas, sem dúvida, alguns de seus líderes têm um histórico de patrimonialismo e corrupção. Isso ocorre em outras legendas, em maior ou menor medida. Por isso, a crise do Dnit deveria ser vista como a falência da forma como uma grande parte dos cargos comissionados é preenchida pelos governos brasileiros.

Não se propõe aqui que os postos do alto escalão fiquem apenas com burocratas. A distribuição de cargos comissionados pode legitimamente servir tanto para trazer apoiadores políticos que defenderam um programa de governo vencedor nas urnas, como ainda para oxigenar a máquina pública, incorporando especialistas e gestores com outras vivências importantes para a produção de políticas públicas. Se toda a cúpula estatal fosse ocupada por funcionários públicos, isso não garantiria um governo incorruptível nem faria com que a administração tivesse todos os instrumentos para responder bem à sociedade.

O melhor caminho é criar formas mais transparentes e ligadas à competência técnica para preencher tais cargos, mesmo quando legitimamente forem ocupados por indicados pelos partidos. Para tanto, dois pontos são essenciais. O primeiro é o aumento da transparência em relação à indicação e, sobretudo, ao longo das ações dos dirigentes públicos. É bom lembrar que os diretores do Dnit tinham passado por sabatina no Senado. Só que esse processo, no geral, ou é uma louvação feita pelos governistas, ou é uma forma de a oposição criticar o governo, em vez de avaliar os indicados.

A sabatina pública não deveria parar por aí. Os governos e, principalmente, os partidos deveriam avaliar bem a ficha dos candidatos a tais cargos. No caso das agremiações partidárias, se elas tivessem um banco de nomes avaliados por suas qualidades profissionais e éticas, melhorariam muito sua imagem junto aos eleitores. Para o governo federal, seria interessante exigir algum tipo de certificação acerca das competências necessárias para determinados postos.

O governo poderia avaliar gente do setor privado ou servidores de outras áreas para futuros cargos

Para ficar no exemplo do Ministério dos Transportes, sabe-se que não há profissionais suficientes na burocracia federal para dar conta das demandas da área. O governo federal poderia se antecipar e certificar diversos profissionais, que trabalham no setor privado ou são servidores públicos atuantes em outros setores, para futuramente preencher cargos comissionados com esse perfil. Os partidos deveriam acompanhar e poderiam se servir desse processo.

O grande problema, no entanto, está no acompanhamento das ações dos dirigentes. Não que a fiscalização e a transparência não tenham avançado no país. Ao contrário, o sistema de controle avançou bastante nos últimos anos. Na verdade, houve uma maior profissionalização dos controladores do que da gestão pública, os controlados.

Embora tenha igualmente havido melhorias em setores da administração pública federal, muitas áreas estão estagnadas ou mesmo pioraram seus padrões de funcionamento. Transportes é um dos exemplos, mas não o único. E, ao contrário do que se pensa, o maior problema não está em Brasília. O ponto crítico está nas atividades descentralizadas do governo federal, em órgãos como Dnit e Incra, entre outros. Se a presidente Dilma conseguir reformar essas estruturas que atuam na ponta, a sociedade agradecerá duplamente: serão atacados os maiores bastiões de corrupção, e o Estado será aperfeiçoado lá onde o povo mais precisa dele.

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