domingo, agosto 07, 2011

DEBORA DINIZ - Bolsonaro e as calcinhas


Bolsonaro e as calcinhas 
DEBORA DINIZ
O ESTADÃO - 07/08/11

O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi convidado para ser garoto-propaganda da Duloren, empresa especializada em roupas íntimas. Bolsonaro não é nenhum deus grego que inspire mulheres a comprar calcinhas. Não é seu corpo que importa à Duloren, mas suas opiniões sobre sexo, gays e mulheres. A atual campanha da Duloren de moda para homens no site da empresa traz a imagem de um desses modelos perfeitos sendo admirado por um pit bull. O slogan da campanha é "perigoso, viril e arrebatador". Minha dúvida foi se a chamada era para o cachorro ou para o modelo. O cachorro e o modelo estão de cueca, a diferença é que o cachorro a usa entre os dentes. Imaginei a atualização da campanha com Bolsonaro como modelo para a venda de calcinhas. Com o slogan "machão, conservador, homofóbico", Bolsonaro ocuparia bem o lugar do pit bull.

O comércio de roupas íntimas transita entre símbolos contraditórios sobre o corpo e a sexualidade: o proibido e o desejado, o vulgar e o íntimo. Bolsonaro e as calcinhas representarão a força do vulgar, mas com alta dose de desrespeito às mulheres e aos gays. Não consigo imaginá-lo vestindo calcinha na campanha, o que seria um contrassenso ainda maior, considerando sua posição de parlamentar.

Portanto, sua aparição deve ser como a de quem admira ou aprova mulheres vestindo calcinhas. Exatamente o lugar de censor moral no qual hoje ele vocifera como deputado ou, na iconografia da Duloren, o lugar do pit bull que admira os homens: o senhor da heterossexualidade, a favor de que as mulheres retornem à casa e ao cuidado dos filhos, e contra a igualdade sexual. Há outras cores de conservadorismo na voz do quase modelo da Duloren: revisionismo da ditadura como opressão, defesa da pena de morte, além das recentes controvérsias sobre racismo.

O que fez a Duloren imaginar que Bolsonaro inspiraria as mulheres a comprar calcinhas? Apostar na ironia seria o caminho confortável e menos controverso, mas também pouco provável para uma empresa que se rege pelo lucro. Bolsonaro não seria um modelo, mas um contramodelo para a intimidade feminina. Ao comprar uma calcinha aprovada por ele, as mulheres negariam os valores subliminares da campanha. Bolsonaro não seria o censor que se imagina ser, mas uma paródia de seu colega Tiririca no campo da sexualidade feminina: o humor sexual moveria o comércio das calcinhas.

Acho pouco provável uma aposta de risco como essa. Uma campanha de sucesso é aquela cuja mensagem não deixa dúvida sobre sua eficácia, semelhante à promovida pela Duloren que envolvia um padre e uma modelo com roupas íntimas, ambientada na Praça de São Pedro. A modelo segurava uma cruz em direção ao padre, sugerindo que a lingerie provocaria o espírito libidinoso dos padres. Não havia dúvidas quanta à mensagem dessa campanha, o que deixou a Igreja Católica justamente indignada.

Minha aposta sobre o sentido da campanha é outra. Não há subliminaridades em Bolsonaro como garoto-propaganda, assim como no uso da cruz e do padre na campanha anterior. A Duloren aposta no símbolo do machão como o de um bom vendedor de calcinhas, assim como apostou no modelo perfeito e no pit bull para vender cuecas para homens. É o sentido do machão na cultura brasileira que será negociado pela campanha. Gostar de mulheres e, mais ainda, de mulheres lindas vestindo calcinhas sedutoras, seria um ato de masculinidade. Para admirar mulheres na intimidade, somente homens machões. Mas machão aqui não se resume à ordem heterossexual do desejo - confunde-se com a homofobia, a opressão de gênero e a redução das mulheres a objeto de posse dos homens. O machão censor da sexualidade e do corpo das mulheres está em baixa e a Lei Maria da Penha é um sinal vigoroso da sociedade brasileira sobre essa mudança de mentalidade e práticas de gênero.

Não sei se Bolsonaro ajudará a Duloren a vender calcinhas, mas a Duloren o ajudará a se manter como o deputado federal censor da sexualidade. Afirmar-se como machão e defensor da heteronormatividade faz os parlamentares se projetarem, nem que seja pelo espanto medieval. O sinal mais recente dessa atualização do machão foi a aprovação da lei para a criação do Dia do Orgulho Heterossexual pela Câmara Municipal de São Paulo. Foram 31 votos pela aprovação contra 19, com forte hegemonia dos partidos conservadores na defesa da lei. Assim como na campanha da Duloren, há várias incongruências na lei, sendo a mais importante a inversão da ordem moral - quem é discriminado é o gay, e não o heterossexual. Não se mata um casal heterossexual na rua, mas se violentam pai e filho que expressam carinho em público. A homofobia mata, mas é a heteronormatividade que define as leis e, como gorjeta, pode ajudar o capitalismo a vender calcinhas.

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