sábado, agosto 13, 2011

CRISTOVAM BUARQUE - Exaustão da riqueza


Exaustão da riqueza
CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 13/08/11

Tal como as pessoas, os músculos da economia também cansam e, às vezes, o cansaço se espalha provocando uma exaustão geral. Em 1929, o cansaço foi na Bolsa de Valores dos EUA e daí se espalhou pela economia mundial provocando a paralisia e uma depressão na produção, com redução do emprego e da renda.

Passado o conflito mundial, a economia entrou em um longo ciclo dinâmico. Apesar de alguns percalços, como nos anos 70 e 80, devido à elevação do preço do petróleo, imposto pelo oligopólio da Opep, não houve outra exaustão. Nos anos 90, com a liberalização dos mercados, a globalização do comércio e a revolução científica e tecnológica, a economia se robusteceu de forma geral e ampla.

Agora, a dificuldade que o mundo atravessa é mais do que uma crise, é a manifestação de exaustão, que se pode perceber por cansaços na economia.

Os primeiros sinais dessa exaustão apareceram antecipados teoricamente, já nos anos 70, no chamado relatório do Clube de Roma, com o livro "Limites ao crescimento". No fim do século XX, a exaustão ambiental saiu dos livros e ficou visível, sob a forma de aquecimento global, desertificação e ameaça de esgotamento de recursos naturais.

A partir de 2008, surge a exaustão financeira.

Durante alguns anos, as finanças públicas passaram por dificuldades que foram enfrentadas pelo aumento de impostos ou emissão de moeda. As consequências foram a inflação e o aumento da dívida pública. Os economistas neoclássicos e os dirigentes conservadores usaram o neoliberalismo e o FMI para equilibrar os déficits fiscais. A exaustão foi adiada, e a economia cresceu não só nos países centrais como também nos chamados emergentes, mas ao custo do desemprego, da desarticulação da máquina do Estado e da redução dos benefícios sociais.

Ao lado da crise fiscal, a economia enfrenta também a exaustão na dívida privada necessária para garantir a demanda que dinamiza a economia. A ganância dos banqueiros não quebraria a economia mundial, se não houvesse uma voracidade consumista que coloca a população em busca de crédito fácil para compra de bens ou hipoteca de imóveis, e se não fosse a irresponsável omissão dos governos liberando a criação de "moeda" pelos bancos. Se o cansaço financeiro for resolvido com regras restritivas ao crédito, a economia sofrerá uma queda de vendas e consequentemente da produção. E, se o governo for mais responsável em seus gastos, a economia deixa de crescer no ritmo que se deseja.

Com os governos sem recursos haverá uma exaustão dos benefícios sociais e a quebra de serviços públicos. A ampliação dos benefícios na saúde, educação, previdência, seguro desemprego, representa o grande avanço na justiça social ao longo do século XX, mas entra em exaustão por causa da crise fiscal. Os "jovens indignados" ocupam as praças contra o empobrecimento em comparação com seus pais. Para eles, a pobreza não é a falta de bens e serviços essenciais, é não ter renda para pagar o consumo no nível a que estão acostumados.

Essas crises levam pessoas indignadas às ruas, querendo ao mesmo tempo a redução de carga fiscal, o fim da insegurança financeira, o controle ambiental, a manutenção e a ampliação de benefícios sociais, a redução de juros, a manutenção da liberdade de mercado e moedas estáveis e valorizadas, como o real ou o euro, além da retomada do crescimento e da manutenção da paz. Objetivos incompatíveis entre eles.

Apesar da exaustão que se observa, o mundo moderno prefere redefinir pobreza, no lugar de redefinir riqueza. Não percebe que não haverá como segurar o padrão de consumo das últimas décadas. Ainda mais grave, assume a exclusão de bilhões de seres humanos aos benefícios dessa riqueza; os movimentos contra a imigração nos países onde a maioria é rica e os muros dos shoppings e condomínios nos países onde a maioria é pobre. Essas barreiras provam a exaustão da ética da igualdade e da fraternidade.

Para retomar a ética, o respeito à natureza, ao equilíbrio fiscal e às contas públicas, e garantirmos os serviços sociais, torna-se necessário entender que todas as crises atuais estão na definição de riqueza que a civilização industrial inventou e nela se viciou. Ao longo de décadas, a teoria do desenvolvimento se dedicou a discutir a falta de riqueza e os entraves ao desenvolvimento. Chegou a hora de percebermos o esgotamento do desenvolvimento e a exaustão do conceito de riqueza.

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