sexta-feira, agosto 05, 2011

ALON FEUERWERKE - A (des)arrumadora


A (des)arrumadora
ALON FEUERWERKE
Correio Braziliense - 05/08/2011

É admirável Dilma ter obrigado as autoridades acusadas de malfeitos a comparecer ao Congresso para prestar contas. Merece aplausos. Mas é também evidente que ela vai surfando com o objetivo de livrar-se dos pedaços que a incomodam na herança

Algo parece bastante desarrumado na condução política do governo Dilma Rousseff. E aqui não vai qualquer observação sobre ministros, ou ministras, porque conduzir politicamente o governo é tarefa indelegável do presidente da República.

Ou da.

Consta que o agora ex-ministro da Defesa andou falando mal da colega da articulação política, desdenhou da capacidade de ela cumprir a tarefa.

Desmentir é de praxe, mas na política a verdade e a verossimilhança dançam de rosto colado. Na glória e na desgraça.

Ministros falarem mal uns dos outros para jornalistas (com o compromisso de não publicar, claro) é mais previsível e corriqueiro em Brasília do que a seca.

Talvez algum dia as mudanças climáticas façam chover torrencialmente aqui nesta época do ano. Mas nesse dia continuará a haver, com 100% de certeza, algum primeiro escalão atrás da imprensa para falar mal de outro.

O que importa a opinião de Nelson Jobim sobre Ideli Salvatti? O mesmo tanto que a opinião dela sobre ele. Nada. E qual a importância de a chefe da Casa Civil "não conhecer Brasília"?

Ela não é a secretária de Turismo do Governo do Distrito Federal. É a ministra-chefe da Casa Civil. Com a caneta na mão, certamente encontrará quem lhe explique rapidamente tudo o que deve saber. E o que não.

Como um dia alguém explicou ao próprio Jobim.

Perceba o leitor a desimportância do tema. Eu nem deveria estar escrevendo sobre isso. Para não desperdiçar o seu precioso tempo com desimportâncias. Aliás, a respeito das ditas cujas, quem deu o tom correto foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, animal político até o último átomo.

Quando discorreu sobre o (ir)relevantíssimo tema de quem votou em quem na eleição.

A presidente da República degusta nas semanas recentes um cardápio variado de encrencas. Todas elas compatíveis com sintomas de envelhecimento governamental.

Porque o governo Dilma é novo, mas também velho, visto que ela aceitou a hegemonia absoluta do vetor de continuidade.

Agora, colhe os resultados. Ou então ela própria os provoca, ao abrir caminho para a amplificação das crises.

Justiça se faça, é admirável ela ter obrigado as autoridades acusadas de malfeitos a comparecer ao Congresso Nacional para prestar contas. Merece aplausos. É uma bela contribuição aos hábitos políticos nacionais.

Mas é também evidente que Dilma vai surfando nas ondas — as importantes e as desimportantes — com o objetivo de livrar-se do pedaço, ou dos pedaços, que a incomodam na herança.

E, assim, o método que parece uma bagunça pode ser lido como portador de alguma racionalidade. Inclusive no uso inteligente da opinião publicada.

E o desimportante adquire estatura ao lado do importante.

Comecei esta coluna notando que algo parece bastante desarrumado na condução política do governo Dilma. E que a responsabilidade nesses casos é sempre do chefe.

Quem está desarrumando o governo é a própria.

Num extremo, o subestimador dirá que ela vem engolfada pelas ondas sucessivas. No outro, o superestimador defenderá a suposta genialidade estratégica da chefe do governo.

A verdade, como sempre, deve estar em algum ponto intermediário.

A presidente, antes de tudo, parece ciosa do poder dela. Numa combinação de instinto, intuição, cérebro e fígado vai ajudando a desfazer o que recebeu, vai empurrando para fora do barco quem cujo peso representa risco para a embarcação.

E, unindo o útil ao agradável, lança ao mar também quem se acha mais capaz do que ela de ocupar o posto de comando.

O risco é sabido. Reunir no campo adversário uma massa crítica com capacidade de desestabilizar o governo.

Com o grau de confiança que exibe, Dilma certamente avalia baixo esse risco.

Inclusive porque as cisões na oposição oferecem múltiplos possíveis pontos de apoio do lado de lá.

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