domingo, julho 03, 2011

VINÍCIUS TORRES FREIRE - A decidida impaciência de Dilma

A decidida impaciência de Dilma
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/07/11  

Presidente precipita certas decisões e tem de recuar, dos rolos com o PMDB ao caso BNDES-Pão de Açúcar



DILMA ROUSSEFF começou seu governo numa espécie de retiro gerencial, cumprindo voto de silêncio midiático, em estrita observância de sua fama de "técnica". O período de abstinência verbal pegou bem entre o público opinante, que não é bem a opinião pública, embora não só aí.
Depois da campanha eleitoral odienta e da fanfarrice estridente de Lula, o momento de sossego e reflexão era mais do que conveniente.
Além da reputação "técnica" e de avessa a políticos, Dilma reforçou a imagem de pessoa decidida e opinionada; de pavio curto. Quando começa a perder a paciência com o interlocutor, costuma chamá-lo de "ôôô, santinho!" -e por aí vai.
Mereceu ainda a fama injusta e mesquinha de ser "chata", pois lê documentos e gosta de estudar os assuntos que discute, um pecado entre gente dada à falação ignara.
Ao sair do retiro, porém, Dilma pegou um vento ruim. De volta da China, em abril, contraiu pneumonia grave, explicada de modo inepto pelos seus assessores. Curioso é que os abalos começaram após a presidente aprovar o reajuste do salário mínimo como quis e quando esfriava ao zum-zum sobre o "descontrole inflacionário". No final de abril, Dilma iria à TV dizer que controlaria os preços e que lançaria o Brasil sem Miséria. E o caldo entornou.
Quando o Congresso voltou à ativa, o PMDB deu o troco do descaso da presidente com barganhas e, enfim, com a política. Em meio ao escândalo Palocci, Dilma mostrou-se decidida a não aceitar os acordos do Congresso sobre o Código Florestal e colocou fermento numa derrota que nem era sua. Decidiu que pediria a cabeça de ministros do PMDB, mas teve de recuar. Tomou mais decisões precipitadas pelo pavio curto.
No esforço de manter Palocci, cancelou campanha contra a homofobia a fim de agradar a parlamentares religiosos. O Brasil sem Miséria, alta prioridade, foi lançado às pressas como uma proposta modesta, pois assim o demandava a "agenda positiva contra a crise".
Nos exageros sobre a "crise do governo", o envolvimento "técnico" da presidente com a administração começou a ser chamado de atitude "excessivamente centralizadora".
Tão decidida, Dilma por um momento não soube o que fazer do desarranjo político de maio e viu Lula se aproveitar da situação para se relançar no mercado político.
Havia decidido fazer uma concessão de aeroportos para inglês ver, decidindo semanas depois privatizá-los à vera a fim de tentar evitar o vexame de uma Copa sem voos.
A seguir, embananou-se com várias decisões a respeito do sigilo eterno de documentos de Estado.
Havia decidido não liberar o pagamento de emendas parlamentares velhas de 2009 para depois ceder à política de que não gosta.
Apesar da ameaça do Congresso de aprovar leis que podem estourar Orçamentos públicos, certa paz parecia voltar ao governo Dilma. Que, porém, decidiu de modo precipitado e bisonho apoiar a entrada do BNDES no negócio cabeludo do Pão de Açúcar com o Carrefour.
As precipitações não definem o governo Dilma, claro. Por ora, mostram mais falta de tarimba política, a obsessão da presidente com minúcias demais e carência de planos de médio e longo prazos. Melhor seria fazer como Baudelaire, digamos ironicamente: cultivar suas flores do mal com "raiva e paciência".

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