domingo, junho 05, 2011

ELIO GASPARI - De CelsoFurtado@org para Palocci@com


De CelsoFurtado@org para Palocci@com
ELIO GASPARI

O GLOBO - 05/06/11

O senhor inverteu o dilema de Prebisch ao privatizar sua influência, agora não estatize as consequências


SENHOR MINISTRO,
Sua geração leu meu livro "Formação Econômica do Brasil" procurando entender nosso país, pensando em mudá-lo para melhor. Não creio que meus leitores buscassem lições para enriquecer. Seria perda de tempo. Havia neles uma mistura de fé na nossa gente e até de solidariedade pela fantasia desfeita de um economista que foi do Ministério do Planejamento, em 1962, ao desterro voluntário, dois anos depois.
Escrevo-lhe para pedir que tire das costas do governo a carga de problemas que são seus, derivados daquilo que chamei, referindo-me ao Roberto Campos, de "temperamento concupiscente".
A cobiça por bens materiais é coisa natural. Quando ela se mistura com biografias públicas, é comum que surjam conflitos políticos. Vivi 84 anos, fui ministro de dois governos e embaixador na Comunidade Europeia, publiquei cerca de 50 livros, um deles com 34 edições. Nunca me faltou o necessário.
Acusaram-me de muita coisa, jamais de ter comprado um par de meias sem que pudesse tornar pública a origem dos recursos. Morri num apartamento de Copacabana, com padrão suficiente para meus hábitos, bastante inferior ao que o senhor comprou por R$ 6,6 milhões. (Jantei outro dia com os ex-ministros Roberto Campos, Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa de Bulhões. O Campos, com sua corrosiva maledicência, disse que as moradias dos comensais, somadas, não cobrem o preço da sua.)
Os discípulos dos meus colegas de jantar seguiram outro caminho. Depois que retornei ao Brasil, vi como fizeram rápidas fortunas, mas vi também como deixaram de fazê-las. O serviço público nada rendeu à minha querida Maria da Conceição Tavares ou ao Carlos Lessa.
Talvez sejamos uma espécie em extinção. Gente que gosta de relembrar e seguir a lição que ouvi do Raúl Prebisch, o grande economista argentino. Depois de presidir o Banco Central do seu país, viu que ficara "sem meio de vida". Convidado para a direção de grandes bancos, recusou: "Como podia colocar os meus conhecimentos a serviço de um se estava ao corrente dos segredos de todos?"
O senhor privatizou sua influência e justificou a própria concupiscência invertendo o dilema de Prebisch. Foi uma escolha pessoal, e Don Raúl admite que está no seu direito fazê-la. Não estatize os reflexos de sua opção patrimonial, transferindo o ônus para um governo eleito por 55 milhões de pessoas.
Do seu patrício,
Celso Furtado

NATASHA MATRICULA O REITOR DO SÃO BENTO

Madame Natasha defende a norma culta e combate o bullying do idioma. Por isso concede ao reitor do Colégio São Bento do Rio (onde menina não entra) uma de suas bolsas de estudo pelo uso da palavra "acidente" (cinco vezes) na primeira nota oficial em que tratou do caso de um aluno de seis anos agredido por outro de 14, acoitado por mais dois.
O São Bento é um dos melhores colégios do país, celeiro de um pedaço da elite nacional. Não lhe fica bem manipular o idioma.
Na sua acepção principal, "acidente" é um acontecimento casual, fortuito. Pode designar também um fato desagradável ou infeliz que envolva perda, lesão, sofrimento ou morte. (Houaiss)
Embaralhar as duas acepções é malabarismo retórico. O menino foi espancado. Para isso existe a palavra "agressão". Dom Marcos Barbosa, professor de português do São Bento, sempre pedia à criançada que, em suas redações, colocasse o vocabulário a serviço da clareza.
Digamos que o reitor desce do mosteiro e um caminhoneiro mete-lhe o veículo em cima. Dom Miguel sofreu um acidente ou foi atropelado?
(Dias depois, o reitor divulgou uma outra nota, trocando a palavra "acidente" por "incidente". Vá lá.)

EREMILDO NO BC
Eremildo é um idiota e gostou da última ideia do Banco Central para sanear a moeda e enxugar o meio circulante. O cidadão vai ao caixa eletrônico, saca R$ 100 e percebe que recebeu uma nota de R$ 20 manchada. A partir daí, precisa guardar o extrato, procurar o banco e contar o ocorrido. Se não for possível, deverá registrar a ocorrência numa delegacia.
Caso a nota apareça à noite, a operação poderá consumir, numa boa, duas horas. Nesse caso, o BC quer que um cidadão que ganha R$ 2.000 por mês perca R$ 25 de seu tempo para recuperar R$ 20.
O cretino teve mais uma de suas ideias. O BC determinará que todo e qualquer pagamento feito por serviços de consultoria a pessoas que passaram pelo governo nos últimos cinco anos seja feita em dinheiro vivo. Cada nota será carimbada com uma pequena estrela vermelha. Continuará valendo, mas lembrará à choldra por onde ela passou.

GIRAFA

O governo federal (mais precisamente o Planalto) patrocina um programa chamado "Um Computador por Aluno". Ele tem três pontas. Numa, a Viúva comprará 150 mil máquinas. Na outra, paga a capacitação de professores. A terceira, faz-se de conta que não existe: trata-se da entrada dos livros didáticos eletrônicos na mochila dos estudantes.
A ponta que compra máquinas, dentro de especificações que cheiram a mico, vai de vento em popa. No último pregão, numa proposta, cada peça ficou R$ 553, ou US$ 346. Noutra, R$ 654, ou US$ 409.
A ponta que capacita professores não recebe verbas desde o início do ano.
Que tal fazer o contrário?

MÁ AULA
Segundo a narrativa do senador Eduardo Suplicy, o ministro Antonio Palocci contou ao PT que, entre 2008 e 2009, aconselhou seus clientes a sair do mercado de derivativos (nome chique do sistema de apostas do mercado). O conselho não valia o tempo perdido para ouvi-lo. Essa modalidade de especulação estava no vinagre desde o final de 2007.
Se o doutor fosse o craque sugerido pelo faturamento da Projeto, iria na direção oposta. Um investidor que, no início de 2009, apostou em derivativos de opções de papéis da Bolsa brasileira, lucrou 50% em algo como dez meses.

LIÇÕES CHINESAS

Era uma vez um presidente da China, irmão de armas de Mao Tse-tung, que se chamava Liu Shaoqi. Ele escreveu o livro "Como Ser um Bom Comunista". Em 1968, foi deposto, espancado e preso. Aos 70 anos, jogaram-no numa solitária onde viveu nu, sem cortar os cabelos ou a barba. Diabético, não recebia medicação. Morreu no ano seguinte e cremaram-no com nome falso.
Sua mulher passou 12 anos na cadeia. Reabilitada em 1980, morreu em 2006 e foi sepultada no cemitério dos revolucionários.
Ting Liu, filha do casal, conseguiu um MBA em Harvard, trabalhou na administração da fortuna da família Rockefeller, fundou a consultoria Asia Link Group e levou US$ 4,5 bilhões de dólares para seu país. Ganha rios de dinheiro e já doou dois anos de salários para um programa de ajuda a mães pobres da área rural.
O Brasil e a China estão praticamente empatados numa lista que aferiu o nível de corrupção em 180 países. Pindorama tem o 75º lugar e o Império do Meio, o 79º.
Ting nunca teve cargo público.

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