sexta-feira, maio 13, 2011

MERVAL PEREIRA O Código da discórdia


O Código da discórdia
MERVAL PEREIRA  
O GLOBO – 13/05/11

O novo Código Florestal tornou-se um assunto que superou a divisão situação/oposição. A base governista é maioria, mas, nesse caso, a maioria extrapola a base governista, como prova a votação da aprovação da urgência para o projeto, que foi de 399 a 18. O governo tem força para obstruir, mas perde se colocar em votação o novo Código Florestal.

Na próxima terça-feira, se o presidente da Câmara, Marco Maia, confirmar uma viagem à Coreia do Sul, provavelmente o Código Florestal não será votado, e tudo indica que esse é o desejo do governo.

O líder Cândido Vaccarezza, que submeteu a base governista a um vexame, fazendo com que os partidos que já haviam se manifestado a favor da votação, inclusive o PMDB, voltassem atrás, já está dizendo que não há prazo para a votação.

Mas existe também a possibilidade de o presidente da Câmara não viajar porque o PMDB decidiu que nada será votado antes do Código Florestal, e existem várias medidas provisórias na fila.

A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), uma das fundadoras do PSD e sua provável futura presidente, diz estar tranquila, sem nervosismo, porque tem certeza da vitória.

O Congresso está muito firme, convencido do que vai fazer, diz ela. O relator Aldo Rebelo, do PCdoB, fez um trabalho de formiguinha, falando com bancada por bancada, e a senadora Kátia Abreu fez, com a Confederação Nacional da Agricultura, uma pregação a favor do relatório por estados.

Mas, segundo ela, além disso, nesse caso tem acontecido que as bases partidárias estão pressionando os deputados e senadores. Há um “incômodo eleitoral” que atinge apartidariamente os políticos, e esse “incômodo” é provocado pelos pequenos e médios produtores rurais.

Na disputa com a esquerda petista e com os ambientalistas, a senadora Kátia Abreu tenta se descolar do rótulo de defensora dos grandes produtores, como ela, e centra a defesa das mudanças no Código Florestal nos pequenos produtores, a mesma tecla em que bate o comunista Aldo Rebelo.

Outro ponto comum entre os dois é a defesa da produção de alimentos. A senadora de Tocantins diz que os grandes produtores – no tamanho de terra e também na renda – estão com sua vida arrumada, têm escala, têm contratos internacionais, e, por isso, não são perturbados por uma exigência de mais dez metros para lá ou para cá do rio.

“Não é isso que vai fazer esse grande produtor perder dinheiro, ele já vendeu no mercado futuro. Os verdadeiramente aflitos são os pequenos e médios produtores, que não sabem nem por onde começar, só têm a multa em cima da cabeça, o impedimento de produção e o desespero total de não poder financiar”, diz ela.

O destaque que seria aprovado no plenário permitindo que milhares de pequenos produtores que já estão nas beiras dos rios lá permanecessem foi considerado pelos ambientalistas, com o apoio do governo, como a consolidação de uma transgressão às Áreas de Preservação Permanente (APPs), mas a senadora Kátia Abreu garante que é uma situação “irreversível”.

Preservar não significa não ocupar, diz ela, citando o que aconteceu “em todos os rios da Europa, da Ásia, do mundo inteiro”. A pequena propriedade tem obsessão pela água, diz a senadora, e é natural que assim seja, diz ela, pois um grande produtor pode estar a 500 metros do rio, mete uma bomba e um, cano e irriga o que quiser. Já o pequeno produtor não tem condições de fazer isso.

Pela lei, o mínimo é 15 metros da margem do rio, podendo chegar a 500 metros, onde não se pode produzir nada. O destaque dizia que pode sim consolidar a situação dos que já estão pela APP, que seriam verificados pelo programa de certificação ambiental para adequar suas atividades à preservação ambiental.

Dentro dessas APPs, vamos nos certificar quem é que está lá dentro e qual a atividade que está sendo praticada há dezenas e dezenas de anos, ressalta Kátia Abreu.

“Como é que um parlamentar de qualquer lugar do país vai chegar em seu estado e dizer que vão arrancar os produtores rurais da beira do rio como se fossem uma erva daninha?”, dramatiza a senadora, para quem, se a decisão for tomada a ferro e fogo, “tem que demolir o Palácio do Jaburu, residência do vice-presidente, e o Palácio da Alvorada, residência da presidente da República, porque as margens de represa também são APP. E a margem do Rio Tietê em São Paulo, o que vamos fazer?”.

Se aprovar do jeito mais radical, diz ela, vai haver um barulho danado em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Paraná, onde 90% são pequenos agricultores.

Em Santa Catarina, que tem rio para tudo quanto é lado, não sobra nada, garante.

O segundo ponto de discórdia é sobre o Plano de Regularização Ambiental (PRA) previsto no projeto do Aldo Rebelo.

A senadora Kátia Abreu enumera: o Brasil tem 850 milhões de hectares e seis biomas, e Brasília não pode controlar isso tudo. Na Constituição de 1988, meio ambiente passou a ser uma matéria de responsabilidade também estadual, para que os estados legislem sobre suas peculiaridades.

No relatório de Aldo Rebelo, existiam normas nacionais, mas havia margem para os estados cuidarem de suas questões específicas. Ficaríamos assim com responsabilidades superpostas, diz Kátia Abreu, e esse é nosso sofrimento hoje. “Você pode levar uma multa estadual, municipal e ainda federal no mesmo lugar”.

O destaque dizia que o PRA seria exclusividade dos estados. “Somos uma Federação, todos os estados têm órgãos ambientais, todos têm procuradores da República, por que Saúde e Educação foram para os estados e o meio ambiente não pode ir?”.

O governo alega, não sem razão, que deixar ao critério de cada estado colocaria em risco uma política nacional de preservação do meio ambiente.

A iniciativa do ex-governador de Santa Catarina, hoje senador pelo PMDB, Luiz Henrique, é tomada como exemplo tanto pelos ruralistas, que elogiam as medidas liberalizantes adotadas pelo estado, quanto pelos ambientalistas, que consideram a legislação catarinense um exemplo de como a política nacional pode ser prejudicada por decisões isoladas.

Mas a senadora Kátia Abreu acha que são as ONGs que não querem que a legislação seja estadualizada, “porque vão perder o poder político, que traz o poder financeiro delas”.

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