domingo, maio 01, 2011

CARLOS HEITOR CONY - Frágil lenho



Frágil lenho
CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11

A palavra “navegar” é a mais perfeita comparação que se possa aplicar ao universo da informática, em especial, ao oceano sem fim da internet. Nem fica bem citar o Pompeu (“navegar é preciso”), que muita gente nem sabe quem foi, achando que a frase é de Fernando Pessoa ou de Caetano Veloso.

Mas navegar é uma das fronteiras do homem e, quando se dá o caso, a sua necessidade mais urgente. Se não houvesse o instinto, a inexorabilidade do navegar, ainda estaríamos na caverna, comendo carne de javali crua e puxando nossas mulheres pelos cabelos.

Camões foi quem melhor re­­velou o espírito (de porco) daqueles que condenam o navegar. O velho do Restelo, diante da armada de Vasco da Gama que partia para descobrir novos rumos para a humanidade, ficou pelo cais amaldiçoando aqueles que “colocavam uma vela sobre frágil lenho”. Frágil lenho seria uma boa definição para um na­­vio da era das navegações.

Pensando bem, a internet é um lenho ainda frágil. Depende de velas e ventos, encerra um mistério que abrirá caminhos – não necessariamente bons. Mas novos e surpreendentes.

Pertenço à parcela da humanidade que se formou antes do universo eletrônico. Poderia fi­­car pelo cais, murmurando im­­precações contra os que partem. Nem sempre gostaria de partir, mas também não gosto da monotonia do cais, desprezando a problemática segurança da terra firme.

É o preço que pago por pertencer a uma geração que, em tão pouco tempo, viu a bomba atômica explodir e, logo em seguida, viu explodir a potencialidade da comunicação humana. Cada vez que abro o computador, tenho a impressão de que vou detonar uma bomba atômica que pode ser inofensiva, que nada ou muito destrói. Mas me introduz num mar desconhecido e muitas vezes macabro.

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