domingo, abril 17, 2011

SUELY CALDAS - Evitar um mal maior com inflação



Evitar um mal maior com inflação
SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo 17/04/11

O fim da hiperinflação dos anos 70/80 foi festejado com alegria e esperança na América Latina. A inflação é caos, desorganiza a economia, impede empresas e pessoas de planejarem o futuro, golpeia a pobreza, freia o desenvolvimento, além de transformar em lixo a moeda do país, que, junto com a bandeira e o hino nacional, forma o tripé de símbolos de orgulho de uma nação. Quando estabilizou sua economia, em 1994, o Brasil criou o real como moeda nova, porque o cruzeiro estava desmoralizado e desacreditado.

Lá se vão 17 anos bem-sucedidos de estabilidade econômica. Em 1999 o Banco Central (BC) introduziu o regime de metas de inflação, tornando ainda mais sólido o compromisso do governo com a defesa do real e o controle de preços. Não dá para brincar com a inflação. Ela vai chegando de mansinho, vai ampliando espaço na economia e, se não há reação forte para detê-la, ela segue em frente, com a indexação de preços: para se protegerem contra a inflação percebida como inevitável, o comércio, a indústria, os serviços e até o governo começam a reajustar seus preços, indexando-os a algum índice de preços. O próximo passo são os salários, e aí falta quase nada para completar a indexação.

É claro que não vivemos esse cenário. Mas cada dia fica mais esquisito e difícil entender a leniência do BC ao adiar para 2012 o compromisso de trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5%. Elevar a meta de 2011 para 5,6% ainda em março é desistir da luta no primeiro round. E instala desconfiança e descrédito adiar a vitória para 2012, um ano bem mais complicado do que 2011.

Em 2012 há um estoque de problemas a favor da inflação difíceis de ser administrados. A começar pelo aumento do salário mínimo, que o governo resolveu indexar à variação do PIB. O mínimo saltará 14% em 2012, espalhando um volume de dinheiro que vai direto para o consumo e pressionará a demanda e os preços. É bom para quem ganha o mínimo, mas incompatível com a meta de segurar a inflação em 4,5%. Além disso, o impacto sobre o aumento do déficit da Previdência dificulta ainda mais o esforço para conter as contas públicas - outro foco que alimenta a inflação.

O segundo problema é o aumento nos combustíveis, que o governo empurra com a barriga, mas sabe ser inevitável. A Petrobrás reajustou o preço de alguns derivados, como o querosene de aviação, e o gás natural vai ficar 12% mais caro em 1.º de maio. Mas a presidente Dilma Rousseff tem impedido o reajuste da gasolina e do diesel, subprodutos com enorme poder de propagação pela economia. Deixar para 2012 ou para o final deste ano fomenta ainda mais o descrédito em relação à capacidade de o BC cumprir a meta de 4,5% ano que vem. O aumento da gasolina carrega um efeito político negativo forte. Mas 2011 não é um ano eleitoral; 2012 é.

E a eleição municipal é o terceiro problema a conspirar contra a meta em 2012. Em ano eleitoral - vide a eleição do ano passado - a caça por votos leva a classe política a exagerar em gastos com obras suntuosas, aumento de salários do funcionalismo, financiamento de campanhas e tudo o mais que pressiona a inflação.

Com tantos fenômenos com datas marcadas e irremovíveis para ocorrer, fica difícil entender o compromisso da direção do BC de adiar para 2012 o que seria menos penoso resolver este ano. A não ser que a intenção seja novamente abandonar a meta, justificando que seria danoso para o desempenho da economia. E, se ao final deste ano a inflação ultrapassar 6,5%, como se espera, a revisão em 2012 já será maior para ser crível. É assim, de tolerância em tolerância, que a inflação vai chegando e se instalando, até ganhar a briga.

O presidente do BC, Alexandre Tombini, já alertou contra a reindexação de preços que contamina a economia. Ele sabe o poder que ela tem de realimentar a inflação por inércia. É perigoso. A torcida é contra e quer ver prevalecer o discurso da presidente Dilma de que não permitirá o descontrole de preços. Ela sabe que a inflação é um imposto que devora a renda dos pobres e multiplica a dos ricos. Ainda há tempo para reverter.

JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO

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