sábado, abril 30, 2011

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR - Pensamento grupal


Pensamento grupal
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR

FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/11

Leitor, leitora, nada mais promíscuo do que o sexo grupal - exceto talvez o pensamento grupal. A turma da bufunfa e os economistas do mercado financeiro são muito propensos a esse pensamento grupal - groupthink em inglês, isto é, a tendência entre setores homogêneos a considerar os temas sob um mesmo paradigma e não desafiar certas premissas e interesses básicos. A opinião de cada indivíduo passa a ser um ato coletivo, mais ou menos orquestrado.

Nas últimas semanas, tivemos um exemplo extraordinário de pensamento grupal - a forte reação do mercado à decisão do Banco Central de aumentar em "apenas" 0,25 ponto percentual a taxa básica de juro. Se bem percebi daqui de longe, foi uma unanimidade ululante. O aumento foi considerado "insuficiente" para o controle da inflação, indício de fraqueza do BC e até mesmo da sua suposta subordinação ao "desenvolvimentismo" que domina o Ministério da Fazenda.

Fantástico. Quem ouve esse coro de especialistas e financistas e não tem acesso a certas informações básicas pode ficar completamente desorientado. Na realidade, entre os bancos centrais de economias emergentes, o do Brasil está entre os que reagiram mais rapidamente, em termos de política de juros, ao risco de aquecimento. Desde abril de 2010, a meta para a taxa Selic passou de 8,75% para 10,75% no final do ano. No governo atual, os aumentos continuaram, com a taxa alcançando 12% depois da última decisão do Copom (Conselho de Política Monetária) do BC.

Eis aí uma taxa gorda, para rentista nenhum botar defeito! A Cruzeiro do Sul Corretora publica um ranking mensal das taxas de juro reais em 40 países (na verdade, 39 mais Hong Kong). O Brasil lidera esse ranking por margem cada vez maior. Com o aumento de "apenas" 0,25 ponto percentual, a taxa básica de juro no Brasil alcança 6,2% (descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses). O segundo e o terceiro colocados, Turquia e Austrália, ficaram bem para trás, com 2,2% e 2% de juro real básico. A taxa média para os 40 países é negativa em 0,9%. Dos 40, nada menos que 36 países apresentam juros básicos negativos em termos reais.

O diferencial de juros nominais entre o Brasil e as principais economias desenvolvidas é imenso - 12% contra 1,25% na área do euro, 0,25% nos EUA e 0,1% no Japão. Nenhum dos BRICS segue o padrão brasileiro de política de juros. A China e a Índia, que também estão enfrentando problemas de sobreaquecimento e inflação, talvez mais graves do que os nossos, têm sido mais cautelosos em matéria de aumentos de juros.

O pensamento grupal aí no Brasil não toma conhecimento de nada disso. Não se leva na devida conta que um aumento ainda maior dos juros sobrecarregaria o déficit público (o Tesouro é quem arca com o grosso do prejuízo decorrente dos juros altos). E pior: acentuaria a tendência à sobrevalorização do real - um dos mais graves problemas da economia do país.

É evidente que a inflação preocupa. Há indícios de que a pressão está aumentando, em parte por causa de choques exógenos, em parte por excesso de demanda. Por exemplo, houve aceleração dos preços de serviços, que tendem a refletir mais o ritmo da demanda doméstica. As medidas de tendência da inflação também acusam algum aumento nos meses recentes.

Mas isso não significa que a resposta deva ser carregar a mão nos juros. Parece mais apropriado, nas circunstâncias atuais, combinar a política de juros com ajuste fiscal, medidas de controle do crédito e restrições à entrada de capitais e à tomada de empréstimos externos. Esse último tipo de medida mata dois coelhos: contém a expansão do crédito alimentada pela onda de capitais externos e contribui para atenuar a valorização do real.

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