domingo, abril 24, 2011

LUÍS EBLAK - Nem vilões nem mocinhos


Nem vilões nem mocinhos
LUÍS EBLAK
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/04/11
Apesar das apostas do governo Lula nas usinas de açúcar e álcool -cujos donos já foram classificados pelo ex-presidente de "heróis mundiais"-, o setor sucroalcooleiro chamou a atenção negativamente na sociedade após uma onda de altos preços do etanol nos postos de gasolina.
Com o aumento, os milhares de consumidores com carros bicombustível perderam a vantagem de abastecimento com álcool (mais econômico) e migraram para a gasolina (mais cara).
A Unica (representante das usinas) responsabiliza a entressafra da cana-de-açúcar, que termina neste mês. O setor também reclama da falta de uma política de regulação.
Pressionado pela opinião pública, o governo ameaça com um plano que prevê taxar as exportações do açúcar e diminuir os empréstimos de bancos estatais para usinas que não priorizem o etanol.
Como se sabe, as usinas têm capacidade de produzir tanto o combustível quanto o açúcar. Das 435 em operação, 301 têm esse perfil. Critica-se o setor porque, quando o preço está bom no mercado externo, como vem acontecendo, as usinas aumentam a produção de açúcar em detrimento do álcool -o que elas negam.
Conforme mostrou esta Folha, a Unica diz que 45% da frota flex deve ter etanol disponível para os próximos 12 meses. Em 2020, serão 37%.
Com o plano de intervenção no setor, o governo quer se apresentar como o "salvador da pátria" e fazer dos usineiros os vilões da história.
Nem uma coisa nem outra.
Nos oito anos de governo Lula, os usineiros obtiveram R$ 28,2 bilhões em empréstimos do BNDES. Só no ano passado, foram R$ 7,4 bilhões -mais do que receberam outros setores, como o de metalurgia (R$ 4,9 bilhões).
Na safra que se inicia, o setor terá 19 projetos voltados exclusivamente para a produção de açúcar ante apenas cinco de etanol. Parte deles deve ter contado com recursos públicos -a Cevasa confirmou à Folha que teve financiamento do BNDES.
Não se pode acusar o governo como responsável único pelo problema, mas certamente cabe questioná-lo: como as altas do etanol nos postos é recorrente nos períodos de entressafra, Brasília já não deveria ter exigido antes que as usinas não privilegiem o açúcar e garantam o abastecimento de álcool?
Afinal, as usinas e os grandes grupos que as controlam são capitalistas e, desde quando esse sistema econômico predomina na história mundial, toda e qualquer empresa só busca um objetivo: o lucro.
Se o preço do açúcar compensa mais que o do etanol, por que uma usina deve produzir mais álcool?
Caberia ao governo federal buscar formas menos oportunistas para garantir que não falte o produto. Não hoje, mas sempre.


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