terça-feira, abril 12, 2011

JAIRO MARQUES - Cuidando da vida dos outros


Cuidando da vida dos outros 
JAIRO MARQUES

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/04/11

Dá pra lotar uma Kombi se juntar o povo todo do país que carece de cuidados mais diferençado para tocar o cotidiano. Aquele pessoal que a gente olha e pensa: "Esse aí deve dar um trabaaaalho danado"!
Alguns "tetrões" -tetraplégicos para os mortais comuns- possuem limitações severas não só nas pernas mas também no tronco, no pescoço, nos braços. Sabe os bonecos mamulengos do Nordeste? Então...
Isso não quer dizer que eles não tenham seus coraçõezinhos pulsantes e plenas condições de ter uma rotina de afazeres, de trabalhar, de ter família e de pagar imposto para a Dilma. E também não quer dizer que, igual a cocar de índio, eles precisem de pena. Um cuidador jeitoso e capacitado resolve de boa.
Assim como "tetrões", algumas pessoas que labutam contra doenças degenerativas ou que sofreram traumas graves e até mesmo idosos podem precisar de apoio para levar a vida. É uma ajudinha básica para lavar as partes, outra para conseguir levar o garfo à boca, mais uma para espantar a muriçoca da cara ou mesmo um apoio para se levantar da poltrona do vovô e se sentar na cadeira de rodas elétrica. Ops, essa dá choque. Melhor uma cadeira motorizada.
Aqui no Brasil, o papel do cuidador acaba, muitas vezes, sendo desenhado pela família. É aquela cultura da música brega do Peninha, que o Caetano floreou e que a gente sempre se pega cantando baixinho: "Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida". São pais, mães, irmãos que passam a se empenhar, na cara, na coragem e na força, para cuidar da vida de um ente que carece de apoio.
Semanas atrás, até uma atriz famosa, a Christine Fernandes, que é um pitéu, anunciou que deixaria de estar à frente de um programa de TV para cuidar do pai, que está na trincheira contra a leucemia.
Acontece, porém, que disposição, boa vontade e carinho jamais vão se sobrepor ao preparo técnico para ajudar alguém. Como diria o falecido Tim Maia, "faz de conta" que você queira dar uma "hand" para um primo mais pesado que cesta básica de Natal se levantar da cama. Sem preparo, é bem possível que se estupore alguma veia do pescoço e não se consiga êxito na missão.
Um profissional ou alguém com treinamento manda lá uma manobra ninja e, em segundos, levanta o cabra com segurança e precisão. Além do conforto de uma ação mais rápida, um cuidador preparado pode dar muito mais autonomia para o viver de quem precisa dele, uma vez que um familiar, mesmo não tendo a intenção, pode representar uma invasão permanente.
"Ficadica" do filme "Os Melhores Dias de Nossas Vidas", de 2004, dirigido por Damien O"Donnell, em que um tetraplégico e o amigo com paralisia cerebral enchem o saco de viverem em uma instituição de apoio ao mal-acabado e resolvem arriscar a vida morando sozinhos. Eles contratam uma cuidadora e se divertem um bocado.
Iniciativas de treinar o povo para ajudar a aprumar o cidadão que precisa de cuidados, por enquanto, são tocadas apenas por alguns hospitais e associações. Será que nem capacitar gente para garantir mais qualidade de vida, independência e dignidade ao pessoal que, literalmente, não se vira o governo conseguiria bancar?

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