domingo, abril 10, 2011

HENRIQUE GOMES BATISTA - Uma longa história de 'ajuda' a Portugal


Uma longa história de 'ajuda' a Portugal 
HENRIQUE GOMES BATISTA
O GLOBO - 10/04/11

Oferta de socorro financeiro pode ser apenas uma intenção da presidente Dilma, mas muito já foi daqui para lá 


A oferta do Brasil para ajudar Portugal a sair da crise financeira, feita recentemente pela presidente Dilma Rousseff, está longe de ser a primeira entre os dois países. Para alguns historiadores, a primeira "ajuda" brasileira aos portugueses teria ocorrido em 1825. Portugal reconheceu a independência da sua colônia naquele ano e, antes, em troca, firmou um acordo financeiro pelo qual o Brasil assumia a dívida de Portugal com a Inglaterra de cerca de 2,5 milhões de libras esterlinas. Ajuda ou troca? Até hoje, não há consenso.
Para historiadores, o gesto de Dilma, que marcaria a primeira vez que um país americano auxiliaria um Estado do velho continente sem o contexto de uma guerra, confirma uma triste história portuguesa, que há oito séculos, desde a sua criação, convive, de uma forma ou de outra, com falta de recursos e dependência externa.
Que o Brasil foi fundamental para Portugal na época do império ninguém duvida. A riqueza do solo brasileiro pode ser vista em vários pontos do país, tendo sido preponderante em momentos decisivos para a história lusa, como a reconstrução de Lisboa depois do grande terremoto de 1755. Mas historiadores lembram que, naquele momento, não havia uma noção clara de que Portugal recorria a uma ajuda externa quando era do Brasil que vinha o socorro. Afinal, tratava-se de uma colônia.

Portugueses conquistaram privilégios na Era Vargas
E, mesmo depois de independente, o Brasil continuava governado por um membro da família real portuguesa. Assim, os privilégios, em vez de acabarem com o tempo, algumas vezes foram intensificados. Dessa maneira, a recente oferta de Dilma, apesar de pouco usual, não causa estranheza nos dois países.
- O discurso de Dilma não causa tanta surpresa, ela não rompeu uma tradição de envio de recursos do Brasil a Portugal. Só que antes era uma relação entre particulares, agora essa proposta é entre Estados - afirmou Francisco Palomanes, especialista em História Ibérica da USP.
O professor se refere, principalmente, à situação vivida na década de 30 do século passado, quando o presidente Getúlio Vargas determinou a proibição do envio de recursos a qualquer outro país, no auge do período em que o nacionalismo - tanto o de direita como o de esquerda - estava em voga no mundo. Os portugueses protestaram muito. A pressão foi tanta que Vargas abriu uma exceção e, em 1933, só poderia ser enviado dinheiro do Brasil a Portugal. Palomanes lembra também que apenas os portugueses poderiam vir para o Brasil sem restrições no começo do século passado, enquanto outros povos, como alemães e japoneses, só eram admitidos em determinado número.
Palomanes afirma que a relação dos dois países sempre foi próxima, tanto que na Exposição do Mundo Português - realizada em 1940 para celebrar a Fundação do Estado Português, em 1140, e a Restauração da Independência em relação à Espanha, em 1640 - o Brasil tinha um lugar de destaque, como convidado. Ele lembra que durante a ditadura de Salazar, a relação com o Brasil sempre foi positiva, independentemente se o governo local era democrático ou autoritário.
- E, desde 1977, quando a novela Gabriela foi exibida no país, os portugueses começaram a consumir muita produção cultural brasileira, que até hoje é forte lá, em diversos segmentos, como TV, música e cinema - disse.
Nos anos 80 e 90, diz o historiador, a crise brasileira levou uma horda de emigrantes a Portugal. Naquele momento, a situação se inverteu e o envio de recursos da Europa ao Brasil era muito relevante. Palomanes lembra, inclusive, que havia uma média de três brasileiros deportados por dia dos aeroportos portugueses, o que dá uma dimensão do fluxo de emigrantes. Nesta época, muitas empresas brasileiras chegavam a Portugal, que era visto como porta de entrada para o gigantesco mercado europeu.

Filiais brasileiras ficam maiores que matrizes lusas
Nos últimos anos, com a retomada do crescimento brasileiro, a situação se inverteu e as empresas portuguesas chegaram em peso ao Brasil. As subsidiárias locais ficaram maiores e mais importantes que as matrizes. Um exemplo disso é a Portugal Telecom: sócia da espanhola Telefónica na Vivo, a empresa portuguesa quase foi integralmente comprada pela parceira, pois os portugueses se recusavam a vender sua parte na operadora celular brasileira. A solução, negociada com o governo brasileiro, foi permitir que os espanhóis assumissem integralmente a Vivo e os portugueses, em troca, compraram um bom quinhão da Oi.
- A oferta de Dilma, por si só, é relevante. Salvo engano, seria a primeira vez que um país americano auxilia um europeu, com exceção da atuação dos Estados Unidos nas duas grandes guerras do século passado e no plano Marshall, de reconstrução europeia - disse o professor, que afirma que a situação portuguesa é muito difícil e que a atual geração de jovens do país é chamada de "geração arrasta", que em Portugal significa "em apuros".

Dependência externa é histórica, diz especialista
O historiador João Fragoso, da UFRJ, acredita que este "apuro" português é secular:
- A nação portuguesa nasceu sob o signo da penúria. A fome sempre esteve presente. No século XVI, dois terços das terras portuguesas eram impróprias ao cultivo, o país sempre viveu com carência de recursos e uma dependência externa. Foi por isso que os portugueses se aventuraram nas descobertas marinhas, para resolver esse déficit que agora, de certa maneira, se repete.
O professor lembra que o agricultor português, além de ter pouca terra de cultivo, tinha pouca tecnologia se comparado aos demais pequenos países europeus, como Holanda e Dinamarca. E pior: tinha que sustentar uma aristocracia muito importante.
- Não é à toa que um país agrícola como Portugal tenha como principal prato o bacalhau.
No período colonial, o déficit português ficou, de certa maneira, resolvido. Mas Fragoso lembra que, após a independência do Brasil, o país mergulhou em um ostracismo, chamado de "clandestinidade". Com isso, Portugal passou a viver um longo período de fugas de pessoas - que incrivelmente não se desligavam totalmente do país, seja voltando no fim da vida e, principalmente, enviando recursos fundamentais ao país:
- Mesmo com o fim da ditadura de Salazar, Portugal não conseguiu se inserir com qualidade à UE. O país tinha índices educacionais similares ou até piores que os brasileiros e com isso não se tornou um grande fornecedor de serviços, como a Escócia - afirma Fragoso.
Antônio Carlos Lessa, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, acredita, no entanto, que a oferta de Dilma não foi para valer:
- Foi mais um discurso diplomático, não houve uma negociação real, embora os portugueses, que estão em uma situação muito ruim, acreditassem que isso ocorreria - disse.
Na semana passada, Portugal foi o terceiro país a pedir formalmente à União Europeia ajuda para sair da crise, depois de Grécia e Irlanda.
Lessa lembra que Portugal não tem condições de oferecer o que o Brasil mais precisa na economia: capital e tecnologia.
- A nossa relação tende a evoluir para ser mais política, afetiva e menos econômica - conclui.

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