sexta-feira, abril 22, 2011

FERNANDA TORRES - Socorro


Socorro
FERNANDA TORRES
REVISTA VEJA - RIO

Perdi duas gestações de pouco mais de um mês, antes de engravidar para valer dos meus dois filhos. Mesmo sabendo que, na maioria dos casos, não existe nenhuma relação entre uma barriga e outra, minha impressão era que meu corpo só pegava no tranco. Na primeira vez, eu me deprimi de susto, mas o obstetra tratou minha tragédia como algo natural. O aborto espontâneo, no início da gravidez, é um acontecimento bastante comum. Mas toco no assunto por outro motivo que não a maternidade.

Feliz com a confirmação de uma gravidez natural aos 40 anos do segundo tempo, decidi comemorar o dia de sol na praia, ao lado do meu marido e de um amigo que mora em Nova York. Fomos caminhando do Posto 9 até o Arpoador, onde paramos para dar um mergulho. De repente, uma mulher de biquíni preto com seus 50 anos de idade, morena, forte e enfezada, veio em nossa direção a passos firmes. Com o dedo em riste, já chegou gritando e me agredindo. Entre os infindáveis xingamentos a mim, ao meu corpo e ao meu trabalho, era possível discernir frases como: “... porque a Rede Globo! Fala lá na Globo!”.
Tentamos nos afastar, mas ela nos seguia sem dar trégua. Era meio de semana, a praia estava vazia e, acuadas, as poucas testemunhas procuravam não se envolver. Seguiam a máxima que aconselha jamais cruzar o olhar com o de um maluco. A violência não cedeu nem diante da fala grossa dos meus dois escorts.
A ideia suicida de ficar mais louca do que a doida surgiu não me lembro como. Saí berrando pela polícia, mostrei fúria e indignação. Medi minha insanidade com a dela até surtir efeito. A furiosa se distanciou em direção ao mar e, finalmente, dois salva-vidas intercederam levando-a embora.
Quando a situação se acalmou, um pensamento tosco, torto e triste me veio à cabeça. Pensei que aquela gravidez não vingaria. Associei a presença da pomba-gira na manhã de sol do Arpoador a um sinal de mau agouro e infortúnio. Uma semana depois, no exame de ultrassom, quando não foi possível detectar o batimento cardíaco do bebê, apesar de triste, não fiquei surpresa. Soube mais tarde que essa mesma mulher perseguia outra atriz. Soube também que era uma senhora abastada e que os moradores do seu prédio, no Leblon, tinham receio de seu comportamento. Cruzei com ela alguns meses depois, perto da Livraria da Travessa. Ela ensaiou um escândalo parecido e eu fugi no primeiro táxi que apareceu. Evitei Ipanema e Leblon por um bom tempo. Vivi com medo e tenho, até hoje, um receio supersticioso de evocar o mau espírito ao contar essa história.
A tentativa de inclusão social dos atormentados mentais, uma causa mais do que louvável, dificulta a internação de pessoas agressivas. Como culpar alguém de um ato cometido em meio a um curto-circuito interior? Como definir o limite exato entre sanidade e loucura? Como saber se uma pessoa de comportamento desequilibrado cometerá ou não delito grave? Não há autoridade maior do que a de um psiquiatra diante de um suposto louco nem destino mais terrível do que ser enclausurado sem direito a defesa. É uma sorte que não desejo a ninguém, muito menos a alguém que sofre de mazelas alheias à sua vontade.
Por outro lado, a sensação de impotência que tive diante daquela senhora foi muito assustadora, como se não houvesse lei ou instituição que pudesse me proteger. Quando soube do horror na escola de Realengo, lembrei dessa manhã no Arpoador. Ao contrário da mulher que me abordou, o atirador era tímido e recluso. Talvez fosse mesmo impossível prever o acontecido, mas seria recomendável uma divulgação maior das instituições que servem de amparo a quem sofre de solidão mental ou teme pessoas com desajustes psíquicos.
E exemplar foi a prisão dos que venderam as armas e a munição a Wellington Oliveira.

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