domingo, abril 10, 2011

CELSO MING - 100 dias de vacilação


100 dias de vacilação
CELSO MING

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/04/11

O governo Dilma completa hoje 100 dias, prazo que habitualmente se confere às autoridades para que mostrem a cara da nova administração.
Alguém já afirmou que este é a continuação do governo Lula com mais gerenciamento e saudável toque feminino. Outros, que a exigência de mais resultados na política externa não é mudanças à toa. Mas essas são qualificações insuficientes.
O governo Dilma assumiu uma economia aquecida demais pelas despesas correntes turbinadas nos dois últimos anos da gestão de Lula. O corte de R$ 50 bilhões nas previsões orçamentárias deste ano mais o compromisso de garantir superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de R$ 117,9 bilhões foram um bom começo. Mas é pouco para conter o consumo, como o governo vem reconhecendo quando tenta segurar o crédito.
A gestão Dilma enfrenta uma mistura inédita (nos últimos 16 anos) de surpresas e novas incertezas. A primeira delas foi o resultado do afrouxamento monetário dos grandes bancos centrais do mundo, especialmente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que multiplicou o volume de recursos no planeta. Boa parte dessa dinheirama tomou o rumo do País e é um dos fatores que ajudam a explicar a enxurrada de dólares no câmbio interno.
Outra surpresa é a disparada dos preços das commodities agrícolas, em mais de 29% nos últimos seis meses, que ajudou a puxar os preços dos alimentos, maiores responsáveis pelas pressões inflacionárias. A terceira é a revolução da comunidade islâmica na África e na Ásia e seu impacto sobre os preços do petróleo.
A principal consequência desses três imprevistos é a mistura de uma forte valorização do real (queda do dólar no câmbio interno) com disparada inflacionária, que, em 12 meses terminados em março, ultrapassou os 6,3% (veja o gráfico).
O mais importante não são as surpresas nem as incertezas que vêm junto, mas o modo como o governo lida com elas. O tom de lamentação e de "a culpa não é minha", misturado com declarações do tipo "isso não é nada; logo passa", foi e continua sendo a primeira atitude inadequada. A segunda é não saber identificar o principal inimigo. Não sabe se ataca a excessiva valorização cambial ou se ataca a inflação. Daí as vacilações e a meia sola nas respostas dadas.
Manifestação dessa falta de objetividade é a força exagerada aos chamados recursos prudenciais, usados para não acionar os mecanismos mais eficazes e, assim, evitar efeitos colaterais indesejados, mas provocando outros mais, talvez mais sérios. Outra resposta indevida é usar o caixa das empresas estatais e privadas - caso da Petrobrás e das usinas de álcool - para fazer política de preços.
A atitude tolerante do Banco Central à inflação e o gradualismo da administração da política monetária, por sua vez, tiraram eficácia do sistema de metas de inflação, na medida em que são os principais responsáveis pelo descompasso entre as expectativas dos "fazedores de preço" e os objetivos da autoridade monetária. Assim, se havia uma incerteza no ponto de partida, agora há outra no de chegada: não existe segurança de que a inflação seja contida dentro do horizonte sugerido pelo Banco Central, principalmente, se os preços do petróleo permanecerem acima de US$ 100 por barril, como é mais provável.
O modo gradualista e quase minimalista de enfrentar a excessiva valorização do real (baixa do dólar) parece esgotado - como esta coluna já levou em conta em outras oportunidades - e, mais do que isso, reforça a tendência de baixa do dólar, por atrair mais moeda estrangeira. Quanto mais altas as reservas tanto mais melhora a percepção sobre as boas condições da economia brasileira; e quanto mais atua para reduzir a volatilidade das cotações da moeda estrangeira, mais o Banco Central reduz a percepção de risco dos aplicadores.
Afora isso, este começo de Dilma se caracterizou por fortes intervenções no setor produtivo. As coisas ficaram algo mais artificiais e mais dependentes do governo. São práticas que a gente sabe como se implantam, mas não sabe quando e como serão erradicadas.

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