terça-feira, março 15, 2011

MARCOS SAWAYA JANK

O etanol na visita de Obama
MARCOS SAWAYA JANK
O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/03/11
A visita do presidente Obama ao Brasil no próximo fim de semana vai reforçar a agenda proativa em áreas vitais como políticas públicas, inovação tecnológica, educação, energia e infraestrutura. Um dos pontos mais importantes da agenda são as energias alternativas e, particularmente, o etanol, em que EUA e Brasil respondem por 80% da produção mundial.

Após 30 anos de fortes incentivos, em 2011 a indústria americana vai produzir 49 bilhões de litros de etanol, quase o dobro da produção brasileira (28 bilhões de litros) e certamente não pode mais ser chamada de "nascente". O mandado federal do Padrão de Combustível Renovável (RFS-2) garante uma demanda anual de 57 bilhões de litros para o etanol de milho até o final desta década. Garante, ainda, outros 80 bilhões de litros para os chamados "biocombustíveis avançados", que são aqueles que reduzem em mais de 50% as emissões de gases de efeito estufa em relação à gasolina. Em 2009, a Agência de Proteção do Meio Ambiente dos EUA (EPA) concedeu o status de "biocombustível avançado" ao etanol brasileiro, produzido da cana-de-açúcar, ao reconhecer que o produto reduz entre 61% e 91% a emissão de gases de efeito estufa.

Além do mandado obrigatório de mistura na gasolina, o governo americano protege sua indústria com subsídios que já somam mais de US$ 6 bilhões/ano (US$ 0,12/litro) e com uma tarifa de importação de US$ 0,16/litro, ou 30% do valor FOB do produto. Essa tarifa absurda viola as leis de comércio internacional e prejudica principalmente os próprios americanos, ao aumentar o custo de energia. Com a eliminação da tarifa, à semelhança do que fizemos com a tarifa brasileira, nosso produto poderia ajudar os americanos a reduzir gastos na bomba de combustível, diminuir a sua dependência do petróleo de regiões "pouco amigáveis" e melhorar o meio ambiente, reduzindo a poluição atmosférica e mitigando o aquecimento global. A campanha publicitária que fizemos nos EUA em 2010 permitiu alcançarmos mais de 170 editoriais em jornais de peso de 40 Estados. Por meio de sites e redes sociais, conseguimos mobilizar cerca de 80 mil americanos que enviaram cartas ao Congresso pedindo o fim da tarifa. A União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) foi reconhecida como importante porta-voz no debate interno sobre a matéria.

Neste primeiro encontro entre os dois presidentes, esperamos que Dilma insista para que Obama exerça a sua liderança no Congresso americano e impeça que essa tarifa, que já não faz nenhum sentido, seja novamente renovada ao final de 2011. Vale destacar que alguns analistas têm afirmado que o Brasil hoje dispõe de pouco etanol para a exportação, já que a indústria parou de crescer nos dois últimos anos. De fato, a partir da crise financeira de 2008 o setor sucroenergético brasileiro enfrentou um período extremamente difícil, que produziu balanços negativos e um importante movimento de consolidação que atingiu cerca de 30% do setor, agravado por problemas climáticos, aumento dos custos de produção e sobrevalorização do real. Mas é bom lembrar que nos sete anos anteriores, de 2001 a 2008, havíamos duplicado nossa produção de cana-de-açúcar para atender ao crescente mercado de carros flex e que é possível encontrar as condições para um novo ciclo de crescimento do setor, com competitividade e sustentabilidade, que permitirá atender às demandas interna e externa.

Em 2007, Brasil e EUA assinaram um memorando de entendimentos em biocombustíveis que previa cooperação em pesquisa, padronização do produto e desenvolvimento de produção em terceiros mercados. Na nossa visão, o memorando avançou menos do que gostaríamos. É hora de ampliar o que existe e incorporar novas áreas de cooperação como o uso de biocombustíveis na aviação civil e militar, o reconhecimento dos biocombustíveis na agenda global de sustentabilidade e mudança do clima e a necessidade de diversificação energética do planeta num momento em que o preço do petróleo novamente explode em razão das instabilidades no Oriente Médio. É também fundamental que o setor privado tenha uma participação mais ativa no processo.

Acreditamos, também, que precisamos urgentemente ampliar a agenda de investimentos e comércio entre os dois países, que devem assumir um papel de liderança no Hemisfério Ocidental na área energética. No caso dos biocombustíveis, a melhor forma de garantir esse objetivo é a liberdade de investimentos e competição em mercados abertos, como ocorreu historicamente com o petróleo e tantas outras commodities relevantes. Estamos utilizando só 1,5% de nossas terras aráveis para produzir etanol de cana-de-açúcar e podemos facilmente dobrar a produtividade de energia por hectare, com o pleno aproveitamento de sua biomassa (bagaço e palha). Com o caldo de cana, diversificamos do alimento açúcar para o combustível etanol. Hoje estamos avançando na energia elétrica e em novos biocombustíveis avançados feitos da biomassa e biotecnologia. Começamos a entrar na era dos bioplásticos, do diesel e da querosene de aviação feitos de sacarose, da gaseificação e das grandes biorrefinarias.

O pré-sal transformará o Brasil num importante exportador de petróleo para o mundo e, particularmente, para os EUA, como bem destacou Dilma num recente pronunciamento. Os produtos de baixo carbono oriundos da fotossíntese das plantas cultivadas (cana-de-açúcar, milho, beterraba, etc.) e da biomassa em geral (bagaço, palhadas, capins, restos de madeira, etc.) poderão colocar-nos na vanguarda do mundo pós-petróleo. São esses os temas que Dilma e Obama precisam trabalhar e assumir a liderança, olhando para os grandes desafios da humanidade ao longo do século 21.

PRESIDENTE DA UNICA, É MEMBRO DO CONSELHO DIRETOR DO DIÁLOGO INTERAMERICANO E DO BRAZIL INSTITUTE DO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS (WASHINGTON)

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