segunda-feira, março 14, 2011

JOSÉ CARLOS RIBEIRO FILHO

Idas e vindas do setor de petróleo
JOSÉ CARLOS RIBEIRO FILHO
O Estado de S.Paulo - 14/03/11

Numa entrevista concedida nos anos 70, Golbery do Couto e Silva, então Ministro Chefe da Casa Civil, afirmou que a maior ou menor intervenção do Estado na economia assemelhava-se aos movimentos cardíacos de sístoles e diástoles, o que os tornava, portanto, inexoráveis com o passar do tempo. 
A nova lei para exploração de petróleo e gás natural nas áreas estratégicas e do pré-sal representa uma reorientação na flexibilização do monopólio daquela atividade econômica iniciada pela aprovação da Emenda Constitucional 9/95 e implementada pela Lei do Petróleo (9.478/97). É descartado, com sua sanção, o regime das concessões. Adota-se o contrato de partilha de produção para assegurar à União o produto da lavra. A reflexão não encerra crítica, mas a constatação de que a presença preponderante do Estado no novo marco regulatório se caracteriza menos por ruptura do que por resgate de uma tendência "inexorável" na solução encontrada pelo legislador. 

Tradição intervencionista. Um olhar para o passado revela que a nova legislação segue a tradição intervencionista iniciada com a edição do decreto-lei nº 395/38, responsável pela criação do Conselho Nacional do Petróleo e que declarou de utilidade pública importação, exportação, refino, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados. O decreto-lei seguia tendência da época, que considerava o petróleo a principal fonte de energia para o transporte, especialmente aéreo e rodoviário, indispensável, portanto, à defesa militar e econômica. 
Nos anos que se seguiram à 2ª Guerra Mundial, em razão da escassez de petróleo no mundo, houve a exacerbação das disputas entre as grandes companhias e os governos dos países produtores, que ensaiavam os primeiros passos para atuar em conjunto. O governo Vargas, sob a égide da Constituição de 1946, deflagrou a campanha nacionalista do "Petróleo é Nosso", respaldada pela população brasileira e que resultou na promulgação da Lei 2004/53. Foi ela que criou a Petrobrás e declarou constituírem monopólio da União a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros, além de refino do petróleo nacional ou estrangeiro, transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no país.
A Petrobrás organizou-se sob o manto protetor dessa lei monopolista e cresceu em busca da autossuficiência, consolidando-se como grande empresa durante o governo Geisel. Vivia-se o auge do Estado intervencionista, com o florescimento dos grandes sistemas estatais organizados sob a forma capitalista das "holdings" e suas subsidiárias.
Na última década do século passado, a Petrobrás e suas subsidiárias caminhavam a passos largos para a autossuficiência quando o governo brasileiro identificou como principais metas a derrota da inflação e a busca da estabilização monetária, o que levou à redução dos investimentos em infraestrutura, inclusive petróleo.
Naquele contexto, fez-se necessário dotar o país de mecanismos legais ágeis e flexíveis para obtenção do concurso de capitais nacionais e internacionais com vistas a incrementar a produção interna de petróleo e gás natural, com a retomada das atividades de pesquisa, lavra e desenvolvimento de campos já descobertos pela Petrobrás. Para atingir tais objetivos, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional acima aludida que, flexibilizando o monopólio estatal, permitiu a adoção do regime das concessões entre nós.
A política obteve êxito. O setor de petróleo experimentou formidável desenvolvimento ao longo do governo Fernando Henrique, com destaque para a Petrobrás. A indiscutível competência da companhia ambientou-se com facilidade ao processo de competição com outras petroleiras e propiciou avanços significativos em todos os campos de atuação.

Pré-sal. A almejada produção de 2 milhões de barris/dia foi alcançada no governo do então presidente Lula. E já no segundo mandato do ex-presidente, em julho de 2007, a Petrobrás comunicou a conclusão da análise dos testes de formação do segundo poço na área denominada Tupi (hoje Lula). 
Adicionalmente, realizou avaliação do potencial petrolífero da sequência geológica denominada pré-sal e concluiu que os volumes recuperáveis estimados de óleo e gás tinham potencial para colocar o Brasil entre os principais produtores mundiais de petróleo e gás natural. Diante dessa realidade, que apontava para o crescente interesse do mercado de petróleo em direção ao Brasil, o Congresso Nacional, valendo-se do monopólio de escolha de que a União é detentora, aprovou o novo marco regulatório do petróleo e gás natural para as áreas estratégicas e do pré-sal com forte presença estatal. 
Atualmente, duas leis disciplinam a exploração do petróleo no País, sendo que o regime das concessões foi mantido para áreas não estratégicas e fora do pré-sal. Já para as áreas estratégicas e do pré-sal, o regime é o de partilha de produção (já que nelas se constata significativa diminuição do risco exploratório e aumento da recompensa). 
A nova lei registra precedentes em legislações de outros países produtores e segue orientação consistente com a história da exploração do petróleo no Brasil ao colocar a Petrobrás no centro do processo produtivo. A ideia é que a companhia imprima à exploração de jazidas ritmo compatível com o equilíbrio das contas públicas e o desenvolvimento do parque industrial. Tudo muito coerente com os movimentos de sístole e diástole antevistos há quatro décadas.

CONSULTOR DE PETRÓLEO, GÁS E BIOCOMBUSTÍVEIS DO VIEIRA, REZENDE, BARBOSA E GUERREIRO ADVOGADOS

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