quarta-feira, março 30, 2011

ELIO GASPARI

O pleito da "autonomy" para o BC
ELIO GASPARI

FOLHA DE SÃO PAULO - 30/03/11

NO DIA 9 DE AGOSTO de 2006, Clifford Sobel, o novo embaixador americano no Brasil, mal completara uma semana no país quando se encontrou com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Era um período em que, nas suas palavras, passava pela fase de "aprendizado". Dessa reunião resultou um telegrama que entrará para a história das relações entre os dois países.
De acordo com narrativa mandada pela embaixada ao Departamento de Estado, Meirelles queixou-se da persistência de uma "mentalidade inflacionária" na economia e defendeu a necessidade de uma lei que desse autonomia ao Banco Central.
Em seguida, "pediu que o governo dos Estados Unidos usasse discretamente sua relação com o do Brasil para discutir a importância de mandar ao Congresso uma legislação garantindo ao BC essa autonomia".
Meirelles sugeriu que o secretário do Tesouro, Henry Paulson, "levantasse o assunto com Lula e com o ministro da Fazenda Guido Mantega". Uma modalidade benigna de apoio aéreo. Mais adiante, quando a conversa rumou para o tema do clima para os investimentos americanos no Brasil, o presidente do Banco Central disse que, mesmo estando fora da área sob sua responsabilidade, poderia "ajudar nos bastidores" para a remoção de obstáculos.
Meirelles rebateu a narrativa da embaixada: "As declarações atribuídas a mim não refletem com propriedade o tema de qualquer conversa que eu tenha tido". Sobel, por sua vez, não quis discutir o assunto.
De duas, uma: ou o telegrama deturpou o teor da conversa, ou o presidente do Banco Central brasileiro foi buscar apoio para sua independência na Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos. Não se tratava de recrutar Paulson para derrubar as barreiras às exportações brasileiras de etanol, mas para que ele influísse junto a Lula e Mantega.
A boa norma recomenda que o presidente de Banco Central receba embaixadores estrangeiros na presença de um assessor encarregado de tomar notas. Terminada a conversa, fica o registro. Serve para evitar a proliferação de narrativas posteriores e até mesmo para preservar a memória das negociações. Infelizmente, não há notícia de que Meirelles tenha feito isso. Pelo lado do diplomata estrangeiro, todo burocrata sabe que o teor de sua conversa será transmitido à chancelaria que paga o salário do visitante.
Sobel entrou para a diplomacia pela porta do partido republicano. Empresário bem-sucedido e político derrotado nas urnas, ocupara por quatro anos a embaixada na Holanda. Um veterano do Departamento de Estado não enviaria a Washington um telegrama cujo resumo dá a impressão de ter havido uma primitiva proposta de toma lá, dá cá. Meirelles pediu a ajuda de Paulson num ponto da conversa e, em outro, feita uma ressalva, ofereceu-se para ajudar os interesses americanos, nos bastidores.
Para quem gosta de teorias conspirativas sobre a finança mundial, ou mesmo quem apreciou o documentário "A Verdade da Crise", no dia 25 de abril de 2008 o economista Luiz Gonzaga Belluzzo foi convidado por Lula para substituir Henrique Meirelles na presidência do Banco Central. No dia 30, em Nova York, os papéis brasileiros foram promovidos à categoria de grau de investimento pela agência Standard & Poor"s, a Bolsa subiu 6,6%, e a mudança foi esquecida.

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