sexta-feira, fevereiro 25, 2011

LUIZ GARCIA

Quem derruba?
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 25/02/11

Na manchete do jornal de quarta-feira, Muamar Kadafi diz que só morto deixará o poder na Líbia. É uma afirmação peremptória. Mas, considerando-se o destino de muitos dos ditadores que já a fizeram, as maiores chances de ser sincera - caso as potências ocidentais dêem as costas à atual rebelião - seria na hipótese de morte por velhice.

Sempre levando em conta o retrospecto, que inclui ditadores de quase todo o planeta, Kadafi possivelmente já teria preparado o que os especialistas chamam de planos contingenciais. Ou seja, já está com suíte reservada num belo hotel do outro lado do Mediterrâneo. É refúgio tradicional de ex-ditadores latino-americanos, africanos e asiáticos. E o clima costuma ser saudável.

Naturalmente, ninguém sabe ao certo o que se passa na cabeça do ditador líbio. Vai-se ver, ele não tem o instinto de sobrevivência da maioria dos colegas de profissão e está mesmo disposto de ir desta para pior. Não sei quem acreditaria nisso, mas nada é garantido. Pode-se, ao menos, esperar que Alá não tome a decisão politicamente incorreta de lhe dar abrigo em seu paraíso, com acesso eterno à beleza das huris (virgens que, pelo que se acredita no mundo muçulmano, sempre acordam virgens, não importa o que tenha acontecido na véspera).

Não é absurdo imaginar-se que Kadafi - que até ontem perdia velozmente terreno para os rebeldes - ainda espere uma mãozinha das potências ocidentais. Afinal de contas, o americano George Bush e o britânico Tony Blair garantiram sua sobrevivência em 2003, em troca de ajuda no combate a diversas organizações terroristas, principalmente o Exército Republicano Irlandês. Obviamente, esse auxílio só foi possível porque o ditador líbio fora, até então, aliado e financiador de todas elas.

Por outro lado, até agora não há sinais visíveis de ajuda concreta das potências ocidentais e de Israel à rebelião na Líbia. Isso, claro, não significa indiferença. Muito provavelmente, é sinal de que esse apoio enfraqueceria os rebeldes aos olhos das lideranças árabes. Sem contar o fato de que parece, no momento, inteiramente desnecessário.

Se a queda de Kadafi é mesmo fava contada, resta apenas um ponto importante a ser esclarecido: quem é mesmo que está derrubando o velho ditador? Será que em Washington e algumas capitais europeias ninguém sabe a resposta a essa pergunta altamente relevante?

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