sexta-feira, fevereiro 11, 2011

JOSEPH E. STIGLITZ

O catalisador tunisiano
JOSEPH E. STIGLITZ

O GLOBO - 11/02/11

O mundo todo celebra a revolução democrática na Tunísia, que deslanchou uma cascata de eventos em outros países da região - particularmente no Egito - com enormes consequências. Os olhos do mundo estão agora naquele pequeno país de 10 milhões de habitantes (Tunísia) para aprender as lições de sua recente experiência e ver se os jovens que derrubaram um autocrata corrupto são capazes de criar uma democracia estável e funcional.

Primeiro, as lições. Para começar, não é suficiente que os governos obtenham um crescimento razoável. Afinal, o PIB avançou a 5% ao ano nos últimos 20 anos na Tunísia e o país era frequentemente citado como tendo um dos melhores desempenhos econômicos na região.

Nem é suficiente obedecer aos ditames dos mercados financeiros internacionais - isto pode garantir boas taxas para os títulos públicos e agradar aos investidores internacionais, mas não significa que empregos estão sendo criados ou que padrões de vida estão sendo elevados para a maioria dos cidadãos. Na verdade, a falibilidade dos mercados de títulos e das agências de avaliação de risco ficou evidente na crise de 2008. Que agora olhem com desdém para a transição na Tunísia não ajuda sua situação - e nunca deveria ser esquecido.

Mesmo prover boa educação escolar pode não ser suficiente. Em todo o mundo, países estão lutando para criar empregos suficientes para os jovens que entram na força de trabalho. Elevado desemprego e corrupção pervasiva, entretanto, criam uma combinação combustível. O que importa para o desempenho de um país é senso de equidade e fair play.

Se, num mundo de empregos escassos, aqueles com conexões políticas ficam com eles e se, num mundo de riqueza limitada, funcionários de governos acumulam fortunas, haverá revolta justificada diante de tais iniquidades - e em relação aos perpetradores desses crimes. A revolta para com os banqueiros no Ocidente é uma versão mais branda da mesma demanda básica por justiça econômica que vimos primeiro na Tunísia, e agora por toda a região.

Apesar das virtudes da democracia - e a Tunísia mostrou que ela é muito melhor que a alternativa - não devemos esquecer das falhas daqueles que reivindicam seu manto, e que há muito mais na democracia do que eleições periódicas, mesmo quando conduzidas limpamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, a democracia foi acompanhada por uma desigualdade crescente, a tal ponto que os que estão entre os 1% mais ricos abocanham cerca de 25% da renda nacional.

De fato, a maioria dos americanos está hoje pior do que há uma década, com quase todos os ganhos do crescimento econômico indo para aqueles no topo da renda e da distribuição de riquezas. E a corrupção ao estilo americano pode resultar em "prendas" de trilhões de dólares para companhias farmacêuticas, a compra de eleições com maciças contribuições de campanha e redução de impostos para milionários, enquanto a assistência médica aos mais pobres é cortada.

Além disso, em muitos países, a democracia foi acompanhada por conflitos civis, facciosismo e governos disfuncionais. A esse respeito, a Tunísia começa com uma nota positiva: um senso de coesão nacional criado pelo sucesso na derrubada de um ditador amplamente odiado. A Tunísia deve lutar para manter esse senso de coesão, que requer um compromisso com a transparência, a tolerância e a inclusão - econômica e politicamente.

Um senso de fair play requer voz, que só pode ser obtida através do diálogo público. Todos destacam o império da lei, mas importa muito que tipo de império da lei foi estabelecido. Pois as leis podem ser usadas para assegurar igualdade de oportunidade e tolerância, ou serem usadas para manter desigualdades e o poder da elite.

A Tunísia pode não conseguir evitar que interesses especiais capturem seu governo. Mas, se não houver financiamento público das campanhas eleitorais, restrições à prática de lobby e barreiras entre os setores público e privado, tal captura não será somente possível, mas certa. Compromissos com a transparência em leilões de privatização e garantia de lisura nas concorrências públicas reduzem a margem de manobra para o comportamento espúrio.

Há muitos equilíbrios a serem buscados: um governo poderoso demais poderia violar os direitos dos cidadãos, mas um muito fraco seria incapaz de liderar a ação coletiva necessária para criar uma sociedade próspera e inclusiva - ou para evitar que atores privados poderosos rapinem os fracos e indefesos. A América Latina mostra que há problemas com o limite para permanência em cargos públicos, mas não ter limites é ainda pior.

Então, constituições precisam ser flexíveis. Santificar manias da política econômica, como a União Europeia fez com o foco na inflação de seu banco central, é um erro. Mas certos direitos, tanto políticos (liberdade religiosa, de expressão e imprensa) quanto econômicos, precisam ser absolutamente garantidos. Um bom começo para o debate sobre a Tunísia é decidir quão além dos direitos inscritos na Declaração Universal dos Direitos do Homem o país deve ir ao redigir sua nova constituição.

A Tunísia começou surpreendentemente bem. Seu povo agiu com propósito e sabedoria ao estabelecer um governo provisório, enquanto tunisianos talentosos e de posses se ofereceram para servir ao país neste momento crítico. Serão os tunisianos que criarão o novo sistema, um que poderá servir de baliza para como deve ser uma democracia do século XXI.

Por sua vez, a comunidade internacional, que tão frequentemente tem impulsionado regimes autoritários em nome da estabilidade (ou do princípio de que "o inimigo de meu inimigo é meu amigo"), tem a clara responsabilidade de fornecer todo o tipo de ajuda de que a Tunísia necessitar nos próximos meses e anos.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista. © Project Syndicate

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