sábado, janeiro 01, 2011

MÍRIAM LEITÃO

Ânimo inicial
Míriam Leitão
O GLOBO - 01/01/11

É natural ter otimismo no começo de um ano, de uma década, de um governo. Por que não? Afinal, inícios são estimulantes, mesmo que a marcação do tempo seja arbitrária, inventada de forma diferente em cada civilização. Na nossa, um tempo novo começa hoje, e o fato é que temos mesmo muita chance nessa década pelo que foi plantado anteriormente.

Nas últimas duas décadas, o Brasil preparou o terreno para uma arrancada. Como sempre na história do país, tudo foi feito em condições improváveis. A inflação foi um inimigo resistente, criado por erros sucessivos de décadas. Chegou a níveis inacreditáveis. Dependendo da conta, pode ser 5.000% ou até mais, em um período de 12 meses. Se alguém dissesse que ela seria derrotada num governo tampão de dois anos, pelo quarto ministro nomeado nos primeiros sete meses desse meio mandato, o que você diria? Mas foi assim o Plano Real, feito no governo Itamar Franco, pelo então ministro Fernando Henrique.

Aquela vitória foi fundamental nessa preparação do terreno que levou a novas etapas da modernização do Brasil. Nos últimos oito anos, o país ouviu insistentemente que tudo começou a dar certo com a chegada de Lula ao poder. Era propaganda, e não fato. A realidade é que na democracia todos os governos - mesmo os ruins - ajudaram o país a dar um passo a mais.

Hoje, o Brasil tem uma economia forte, um mercado consumidor pujante, novas tecnologias se popularizando, uma presença internacional de peso. Resista à tentação - querida leitora, caro leitor - de pensar no que falta fazer porque essa é uma atitude que aflige demais. Hoje é dia de festa. Deixe esse balanço das tarefas restantes, imensas, pesadas, para depois. Pense no que já foi feito, imagine o que pode acontecer de bom. Acredite, isso tornará seu fim de semana de início de ano mais leve. Você merece. "Tempo haverá, tempo haverá" para as aflições e as urgências, para as cobranças e os desânimos. Mas hoje, pense no muito já feito.

O Brasil que a democracia herdou dos militares era inflacionado, fechado, empresas ineficientes, uma dívida externa asfixiante, só 20% das casas com telefone, sem a universalização do ensino fundamental, um índice quase três vezes maior do que o atual de mortalidade infantil, e a convicção de que a Amazônia era um estorvo a ser vencido.

Hoje, o país tem uma vasta classe média, mesmo os pobres têm acesso a telefone celular, começou, ainda que tarde, a informatização das escolas, interiorizou o desenvolvimento, é considerado um dos melhores destinos dos investimentos de longo prazo. O país tem grandes chances de decolar nos próximos anos, se souber como escolher suas prioridades, como conciliar interesses naturalmente divergentes da Federação. Há sonhos que a gente nem se atrevia a sonhar tempos atrás e hoje está no horizonte das nossas possibilidades, como a erradicação da pobreza extrema - uma das promessas da presidente Dilma - e a reconquista de todas as partes do Rio dominadas pelo tráfico de drogas ou pelas milícias. Não será fácil, mas já vislumbramos as possibilidades.

O país terá de adotar um novo modelo sustentável de desenvolvimento. Ele já se insinua em algumas atitudes de empresas, organizações e pessoas que entenderam que sustentabilidade não é moda passageira, mas um novo comportamento ditado pelo encontro da humanidade com os limites da Terra.

Com os registros dos historiadores, ou dos livros de jornalistas que relatam em linguagem interessante os fatos passados, aprendemos que somos um país de improváveis. Por um evento que mais parece trama de filme, saltamos do papel de colônia explorada para o de sede do império, vencemos uma guerra de independência sem armas ou dinheiro nos cofres, tivemos uma monarquia constitucional num país cercado por repúblicas imperiais, transitamos para uma república que teve sustos e tumultos mas continuou a tarefa de manter milagrosamente unido um território gigante, num continente que se fragmentou. Enfim, nossa lista do "impossível acontece" é enorme.

E agora nem se pode dizer que nossos sonhos estejam na categoria dos impossíveis. O Brasil quer estar entre os primeiros países do mundo, sem submeter outros países - que essa, felizmente, nunca foi nossa ambição -, sem ser submetido por potência alguma. O Brasil quer ser menos desigual e, por esse e outros motivos, precisa ter como obsessão educar sua população. Isso é urgente e incontornável. Terá sucesso na era do conhecimento, quem tiver conhecimento. Simples assim. Sei, sei, querida leitora e caro leitor, estamos atrasadérrimos. Mas hoje é dia do pensamento positivo, resista à tentação de se horrorizar com o nosso atraso escolar. Outro dia conversaremos sobre isso. Apenas se anime com a capacidade extraordinária do brasileiro de aprender. Agora, some a isso o sonho de ter essas mentes ágeis bem treinadas por uma educação de qualidade. Já imaginou?

Imagine se o Brasil levar a sério sua chance de ser uma potência ambiental e, realmente, começar um projeto que dará ao país estatura moral para liderar a Cúpula da Terra de 2012, a Rio 92 mais 20? E se, para completar a alegria, isso ocorrer numa cidade onde não haja um único bairro controlado por qualquer facção do crime?

Você que me lê pode se perguntar por que não incluo o pré-sal nestes sonhos. Bom, eu não acredito em bilhete premiado, nem em quimeras redentoras. Prefiro esperar pelo fruto do trabalho. Mas o trabalho pode esperar a segunda-feira. Feliz 2011!

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