sábado, janeiro 15, 2011

MAURO CHAVES

Meu rol de implicâncias
MAURO CHAVES 
O Estado de S.Paulo - 15/01/11

Retomo o rol que tenho escrito neste espaço, de vez em quando, nos últimos 30 anos:

1) Os que acham de bom gosto vernacular dizer presidenta da República por que também não a chamam de chefa de Estado e governanta do País?

2) De repente, todos os discursos começam com a expressão "todos e todas", como se o masculino plural, em lugar de designar o coletivo dos gêneros desde que nossa língua existe, não passasse de manifestação machista.

3) É usual os políticos, cientistas políticos, comentaristas e até intelectuais de peso se referirem a determinado fato ou comportamento como algo sem ética e sem moral. Mas qual a diferença entre ética e moral? Qual o filósofo que distingue esses conceitos absolutamente equivalentes?

4) Outro exemplo de modismo linguístico sem nenhuma lógica é referente à expressão "enterro do corpo" de fulano. Por acaso alguém poderia supor o enterro, também, de uma alma?

5) Ainda no campo do idioma, as novelas de TV são as maiores demolidoras da língua portuguesa. Personagens de qualquer nível econômico-social ignoram por completo a colocação de pronomes. Nas novelas jamais se diz "eu a amo", e sim "eu amo ela"; nem "eu os odeio", mas "eu odeio eles". É extremamente implicante o esforço de enfiar na cabeça dos jovens, na escola e na vida real, as regras corriqueiras de uso correto de pronomes, quando o "conhecimento" que adquirem nos mais poderosos veículos de comunicação opera justamente em sentido contrário.

6) Ainda sobre novelas, não são as tramas macabras ou as personagens sem nenhum caráter que chocam quem a elas assiste. O mais indigesto e revoltante é o jeito como os patrões tratam seus empregados domésticos. Embora tenham com eles aparente intimidade, a ponto de lhes fazerem descabidas confidências, por qualquer pequena contrariedade que lhes causem, ou mesmo por pequeno estresse patronal, sem culpa alguma de seus colaboradores domésticos, patrões xingam os servidores, a torto e a direito, de imbecis, cretinos, antas ambulantes e coisas cabeludas do gênero. Certamente, quem não implica com tal comportamento é porque o adota.

7) Tratando ainda de televisão, tenho uma pequena implicância - é claro que nem comparável à megaimplicância exposta no item anterior - com a maneira pretensamente inovadora adotada pela principal rede de TV e (como sempre) imitada pelas demais. Alguém achou que os apresentadores de telejornais, para seguirem a momentosa e politicamente correta política da interatividade (no caso, só a dois), têm de olhar um para o outro, sempre fixando os olhos no(a) companheiro (a) que está falando. Desde que a televisão existe apresentadores olhavam para as câmeras, pois essa é a forma de transmitir com respeito, diretamente, informações ao telespectador. Os olhares para quem está ao lado só se justificam nas entrevistas dos apresentadores com convidados e em seus diálogos com comentaristas.

8) Saindo de linguagem e TV, acho tremendamente implicantes as programações culturais dos concertos e óperas que se produzem nos palcos brasileiros, pela seguinte razão. Todos sabem que é baixíssimo o nível de conhecimento e experiência da população brasileira no campo da música clássica. Nos EUA e nos países europeus, onde música erudita é um hábito semanal, é necessário sempre apresentar, para estimular o interesse das plateias, coisas novas, compositores e obras pouco conhecidos, tais como as indecifráveis peças musicais de autores contemporâneos. No Brasil os produtores querem fazer a mesma coisa. A um público que nunca assiste, por exemplo, a La Traviata ou a O Barbeiro de Sevilha, assim como nunca escuta Beethoven, o maior compositor de todos os tempos, apresentam-se obras absolutamente desconhecidas, às vezes até mundialmente inéditas. O público caboclo bate palmas fingida e educadamente, para não se mostrar ignorante ao não entender uma peça sem nenhuma melodia ou harmonia agradável a seus ouvidos. Mas no final, geralmente, os produtores fazem uma "concessão" ao púbico e tocam, por exemplo, obras popularíssimas de Tchaikovski, Strauss, Katchaturian - e então o público explode em aplausos, entusiasmado, deliciando-se com sons que lhe são familiares. Ora, por que não se oferece ao público, para conquistá-lo, algo que o delicie desde o começo, apresentando-lhe peças a ele ininteligíveis só de vez em quando?

9) E agora sobre artes plásticas: acho sumamente implicante o fato de as galerias de arte serem fechadas, sem comunicação alguma com o cidadão comum. Este pensa que para entrar numa delas é preciso pagar algo ou comprar alguma obra. O cidadão que passa de ônibus não tem oportunidade de conhecer o que lhe é escondido dos olhos e às vezes perde a chance de ter contato com uma extrema beleza que até poderia modificar sua sensibilidade e estimular sua qualidade de vida. Mas os galeristas parecem só se interessar pelo negócio como escritório de compra e venda, com fregueses selecionadíssimos, ricos e geralmente sem noção alguma do impulso transformador das artes visuais, daí procurarem apenas as grifes pictóricas - para eles decifráveis ou não - para nas rodas de amigos comentarem o valor e o "poder" de suas coleções.

10) Aí houve uma mais que implicante substituição do mecenato que sustentava os grandes artistas do passado pelo glamour não dos artistas, mas dos exibidos possuidores de blue chips visuais. Então o talento e a criatividade dos artistas plásticos novos, que lhes brotam moto-próprio, sem maiores ligações com escolas ou tendências de mestres já consagrados, nascem e permanecem no sereno sociocultural, sem condições de encontrar abrigos que os possam acolher para se desenvolverem.

E assim termino esta implicante lista, prometendo voltar a ela quando outros implicantes fatos e condutas ocorrerem em território nacional.

JORNALISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E PINTOR.

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