sábado, janeiro 15, 2011

IVAN ÂNGELO

Calendários
Ivan Ângelo
 REVISTA VEJA - SÃO PAULO




Janeiro é mês de ganhar calendários. Vem o do açougue, o do hortifrúti, o da farmácia, os de parede, os de ímã para a geladeira, os estandezinhos de mesa, chegam os da internet... — todos úteis e bem-vindos. Para minha surpresa, soube que ainda existem aqueles que eram chamados adequadamente de folhinha, um bloco de 365 pequenas folhas, uma para cada dia do ano, que se arrancavam a cada dia e que traziam informações úteis sobre a fase da Lua, a estação, o santo do dia e, no verso, um pensamento.

Na semana passada, ganhei um que informa o que se comemora em cada dia do ano. Foram várias as minhas perplexidades. Ignorante de muitas coisas, descobri-me ignorantíssimo de datas comemorativas. Não imaginava quantas homenagens foram salpicando pelo nosso calendário, algumas bizarras.

Tem dia para dezenas de profissões, e todas são merecedoras, claro, mas por que umas e não outras? Por exemplo, existe o dia do goleiro, 26 de abril. O que torna o goleiro mais merecedor do que o zagueiro central, o lateral direito ou o centroavante? Por que não um dia mais amplo, do jogador de futebol, por exemplo, ou, mais amplo ainda, o dia do atleta, homenageando a todos os que fazem do esporte um espetáculo emocionante?

Ainda na área das profissões, são lembradas algumas que vão desaparecendo lentamente. O vendedor de livros tem seu dia, 14 de março. Nesta época de megalivrarias e de livros entregues em casa como pizzas, não se vê mais aquele vendedor de livros de porta em porta, com sua pesada pasta de exemplares de enciclopédias e coleções. Dia dos vidreiros. Esta se tornou quase exclusivamente uma atividade da indústria especializada.

Na gostosa área amorosa, temos dias especiais para os namorados (12 de junho), para o amante (22 de setembro), para o beijo (13 de abril). Mas não para os esposos.

Temos duas datas sobrepostas: dia da língua nacional (21 de maio) e dia da língua portuguesa (10 de junho). E pensávamos que eram a mesma...

Ora, ora, temos o dia do tango, 11 de dezembro! É certo que existem os dias do frevo, do samba e do choro, mas são coisas nossas, como disse Noel Rosa. Não seria melhor deixar o tango para o calendário argentino? Ou então promover logo o dia da valsa, do xote ou do foxtrote.

Temos o dia do macarrão: 25 de outubro. Já tínhamos o da pizza, 10 de julho. É verdade que o do macarrão não é coisa nossa, é o dia mundial do macarrão, decidido em 1995, no I Congresso Mundial da Massa, em Roma, e nós o adotamos. Bom, vá lá. O meu com frutos do mar, por favor.

Ainda na área inexplicável dos alimentos, temos o dia do sorvete, 23 de setembro, início da primavera. Quem propõe e quem aprova essas datas? Cadê o dia da feijoada, do churrasco, do feijão-tropeiro ou do pão na chapa? O da empadinha? Do pão de queijo? Do acarajé? Cadê?

E quem propôs, por exemplo, o dia do solteiro, 15 de agosto? Quem comemora estado civil tão transitório, e que chega a ser um problema para tantos homens e mulheres? Outra data esquisita é o dia do canhoto, 13 de agosto. Certas datas existem justamente para se discutirem preconceitos, como os dias da consciência negra, do índio e da mulher. Acontece que no mesmo dia do canhoto enfiaram o dia do azar. Coincidência ou malícia preconceituosa? Na área das boas intenções temos o dia do vizinho, 23 de dezembro. Convenientemente perto do Natal, quando os mal-humorados baixam a guarda.

Entre tantas perplexidades, encontro três futilidades e uma ironia: o dia do Fusca, 20 de janeiro, um carro em estado de desaparecimento; o dia do truco, 10 de julho (por que não do buraco e do burro em pé?); o dia mundial do disco voador, 24 de junho, que também não foi ideia nossa, mas o acatamos; e a ironia, o dia do silêncio, 7 de maio, num mundo cada vez mais barulhento.

Até você, leitor, tem seu dia, 7 de janeiro. Já passou.

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