quarta-feira, janeiro 26, 2011

ALON FEUERWERKER

Gato por lebre 
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 26/01/11 

A boa notícia deste início de ano é que o governo Dilma Rousseff não se sente estimulado a lançar seus exércitos no pântano congressual das reformas. Mas é bom ficar de olho

A alardeada urgência de macrorreformas como a política e a tributária é uma verdade absoluta. Parece dispensar comprovação.
A tal verdade absoluta nasce de uma esperteza. Num país repleto de passagens reprováveis na vida política, quem poderia ser contra uma reforma política, que o público poderia "comprar" como uma reforma benigna "da" política?
E num país de carga tributária sempre descrita como alta, quem poderia se opor a uma reforma benigna do sistema de impostos? Mas desde que, naturalmente, o Estado continuasse a prover tudo que provê hoje. Ou mais.
Por motivos semelhantes, a maioria tenderá a inclinar-se para o "sim" se alguém propuser abstratamente uma reforma da segurança pública, ou da saúde, ou da educação, ou do transporte público nas metrópoles. E por que não dos aeroportos? Ou das rodoviárias?
O reformismo genérico ganhou corpo entre nós depois da última Constituinte por uma razão: segmentos da opinião pública preferiam uma Carta menos intervencionista, menos generosa no campo social. Daí o esforço ininterrupto para desidratá-la.
Na esfera trabalhista, por exemplo, o aceno permanente é por uma mudança que "facilite a contratação" de mão de obra. O próprio ex-presidente recém-saído andou no passado posando de bom moço em defesa da tese. Na passagem do primeiro para o segundo mandato falou longamente à The Economist sobre a ideia.
Mas sempre que a discussão desce para a vida prática do mundo do trabalho as medidas propostas visam facilitar a demissão, e não a contratação. E ainda está para ser provado que demissões mais fáceis gerariam mais contratações.
No começo do governo do PT, em 2003, tentou-se implantar um tal de "Programa Primeiro Emprego", prometido pelo candidato na campanha do ano anterior. A ideia era precisamente reduzir encargos para facilitar a absorção de mão de obra novata. O programa foi engavetado depois do completo fracasso.
Mas a geração de empregos nos últimos anos acabou sendo bastante satisfatória, e sem mexer em nenhum direito dos trabalhadores.
No debate recente sobre a prorrogação da Contribuição "Provisória" sobre Movimentação Financeira, havia o argumento de que, sem a CPMF, os preços cairiam por não mais carregarem as taxas cobradas ao longo de toda a cadeia produtiva. Alguém ouviu falar de algo que tenha ficado mais barato por causa do fim da CPMF?
Não aconteceu. Apenas cerca de R$ 50 bilhões anuais deixaram de ser recolhidos aos cofres da União.
A discussão aqui não é sobre a CPMF ou sobre o falecido Primeiro Emprego. É sobre a venda indiscriminada de gatos por lebres, com o bichano vindo embalado no papel de presente daquela reforma indispensável e inadiável que " finalmente " vai colocar o dedo nas grandes chagas nacionais.
Viu a lebre? Procure o gato. Na reforma política o que há até o momento é uma tentativa de abolir o voto direto na eleição proporcional (deputado, vereador). Chamam de "lista fechada".
Ela vem com a tentativa de impedir a oposição de se financiar na sociedade. Chamam de "financiamento exclusivamente público". Significaria dar ao(s) partido(s) no poder uma vantagem financeira estratégica e definitiva.
Ambas as medidas aumentariam ainda mais a força de quem está no governo, em qualquer governo, especialmente depois que a Justiça instituiu a fidelidade partidária estrita.
A boa notícia deste início de ano é que Dilma Rousseff não está muito a fim de lançar seus exércitos no pântano congressual das reformas. Mas é adequado ficar de olho.
E não é difícil monitorar. A cada situação ou proposta, basta procurar pelo detalhe que esconde a tentativa de retirar direitos e aumentar obrigações do cidadão comum.

Fraquezas
O governo brasileiro decidiu disputar o comando da agência da ONU que se ocupa das políticas relacionadas a agricultura e alimentos. Parece que o concorrente será espanhol. Terceiro Mundo contra Primeiro. Sempre simpático.
Entretanto, uma fragilidade da candidatura brasileira é representar o país que, em plena inflação mundial de alimentos, procura convencer o planeta da conveniência da produção de biocombustíveis.
O mesmo país, aliás, que recusa debater a formação de estoques internacionais reguladores da oferta de grãos, estoques essenciais para combater a especulação com comida
De embaixadores planetários contra a fome, convertemo-nos em embaixadores planetários da inflação e da especulação.

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