sexta-feira, dezembro 31, 2010

JOSIAS DE SOUZA

Historicida, Lula quer apagar da biografia o mensalão

O BLOG DO JOSIAS DE SOUZA
FOLHA DE SÃO PAULO 

A leitura da História fica mais interessante quando a narrativa é pontuada por cenas carregadas de simbolismo.

Por exemplo: a Idade Clássica teve o seu epílogo no incêndio da biblioteca de Alexandria.

Se a era Lula se restringisse ao primeiro reinado, seu resumo seria a degradação ética simbolizada pelo escândalo do mensalão.

Para sorte de Lula, o eleitor lhe deu a sobrevida de um segundo reinado. Agora, inebriado pela popularidade, ele tenta reescrever a história, higienizando-a.

Santificado pelas pesquisas, Lula fala ao seu povo como um Jesus Cristo que aparece aos gentios, na figura dos Reis Magos.

A celebração a aparição do filho do Padre Eterno é celebrada com a festa litúrgica da Epifania. Caía no dia 6 de janeiro. Porém...

Porém, com a reforma do calendário litúrgico, de 1969, passou a ser comemorada no segundo domingo depois do Natal.

Pois bem. Nesta quinta (30), a poucas horas do segundo domingo pós-natalino de 2010, Lula pôs-se a reescrever a epifania de seu evangelho.

Em entrevista veiculada pela TV Brasil, referiu-se ao companheiro José Dirceu com palavras enaltecedoras:

"Dirceu é um dos políticos mais competentes que o Brasil tem. Tem pouca gente com a competência de formação política que ele tem...”

Para o neo-Cristo, o único “erro” daquele que o Ministério Público chamou de “chefe da quadrilha” foi “trazer para a Casa Civil todas as tensões políticas da República".

Semanas atrás, ao sair de um café da manhã com Lula, o próprio Dirceu dissera que, fora do governo, o presidente se dedicaria a desmontar “a farsa do mensalão”.

Antes mesmo de “desencarnar”, Lula executa a promessa. Já disse, por exemplo, que o mensalão foi uma “tentativa de golpe”.

Diante das câmeras da emissora oficial, declarou que, de pijamas, vai esmiuçar o caso “com mais carinho”.

Deu de ombros para a denúncia do ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza, convertida em ação penal pelo STF.

Preferiu realçar os desdobramentos da encrenca no Congresso: "O cidadão que acusou [Roberto Jefferson] foi cassado porque não provou a acusação...”

“...Se eu não provo a acusação, porque a acusação vai ser considerada? (...) Se tudo é verdade, não sei...”

“...Se tudo é mentira, não sei. Quero conversar muito e ler muito sobre o que aconteceu, conversar com as pessoas".

É como se Lula chamasse de levianos os investigadores da Polícia Federal, responsáveis pela coleta dos dados que recheiam a denúncia.

É como se tachasse de néscio o doutor Antonio Fernando, que enxergou crime nas “valerices” detectadas no inquérito.

É como se classificasse de imbecis os ministros do Supremo, que viram na peça do procurador-geral indícios suficientes para levar 40 pessoas ao banco dos réus.

Lula talvez devesse iniciar o seu ciclo de “conversas” por Duda Mendonça. Seu ex-marqueteiro reproduziria o depoimento que deu no Senado.

Relembraria que parte da verba que custeou sua vitoriosa campanha de 2002 veio na forma de “valerianas” depositadas clandestinamente no exterior.

Lula dedicou parte da entrevista à TV Brasil à desqualificação da imprensa, vitrine do strip-tease moral do petismo, levado ao paroxismo nos idos mensaleiros de 2005.

Repisou o lero-lero de que, para evitar a azia, parou de ler o noticiário. “Tomei a atitude de não ficar com a raiva que eles [repórteres] pensam que eu vou ficar...”

“...Pensam que eu vou ler, vou ficar com azia. Disse ao Franklin [Martins]: 'vou parar de lê-los, não vou ficar com azia. E não perdi nada".

Tomado pelas palavras, Lula livrou-se da acidez estomacal, mas ganhou uma amnésia. Esqueceu, por exemplo, do que disse numa cadeia de TV em 2005.

Coisas assim: “Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento”.

Ou assim: “Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política”.

Hoje, no papel de historiador de si mesmo, diz que a mídia “exagera”, faz denúncias sem provas. Afora o mensalão, sublimou os aloprados, o caseirogate, a Erenicegate...

"Se for ver algumas manchetes dos jornais, esse governo não existiu [...]. A imprensa se acha onipotente e que pode criticar todo mundo...”

“...E eu não posso dizer que está errado. Responsabilidade vale para o presidente, jornalista e dono de jornal. Não posso dizer coisas sem ter que provar nada".

Em meio à celebração dos “feitos”, Lula olhou para o pedaço degradante de sua gestão com olhos de bandido de anedota antiga.

Um sujeito que, depois de matar o pai e a mãe, pediu no julgamento misericórdia para um pobre órfão.

Lula, presidente de um governo que, noves fora os êxitos, assassinou a ética e a moral, roga por clemência para um pobre cego que não viu os discípulos tocarem fogo na biblioteca de sua Alexandria.

ARTHUR DAPIEVE

Turismo sexual
Arthur Dapieve
O Globo - 31/12/2010


Todo governo precisa de alívio cômico

Prato de cozido no colo, um ex-ministro de Fernando Henrique me apresentava uma tese sui generis a favor 
da eleição de José Serra à presidência da República. Segundo ele, depois de dois mandatos consecutivos de um chefe de governo popular e engraçado, afeito a gafes intercontinentais, metáforas escalafobéticas e autoelogios hiperbólicos, o Brasil precisava era de "um chato" no Planalto. Estávamos no aniversário de uma amiga comum, ainda no tempo em que Dilma Rousseff parecia ser apenas um capricho onipotente de Lula e não uma realidade eleitoral mais complexa.

A tese ficava na fronteira entre a blague e o trabalho acadêmico. Para meu interlocutor, a partir de 2011 necessitaríamos de um sujeito tedioso, casmurro, sem maior carisma, mas que gostasse de ler relatórios, preferisse despachar a aparecer e tivesse certo desgosto pelos rapapés da política. Serra, então, seria o candidato ideal. Como se sabe, o ex-governador de São Paulo perdeu. Apesar disso, imagino que o ex-ministro tenha ficado satisfeito com a eleição de Dilma. Ela preenche alguns - se não todos - pré-requisitos de "chatice" vistos como essenciais ao período pós-Lula.

Aquele observador arguto atirou no que viu e acertou no que não viu. A decantada capacidade de trabalho de Dilma será importante na hora de resolver, ou minorar, problemas que só fizeram encorpar nos últimos oito anos, como a decadência postal, o apagão aeroviário, o inchaço da máquina estatal ou o desempenho sempre claudicante da educação. Da presidente, naturalmente, creio que jamais ouviremos a expressão "herança maldita" relacionada ao governo de seu antecessor. Não apenas, é óbvio, por ele ter sido seu mentor como por ela ter feito parte da sua administração.

Entretanto, não há governo que dispense um alívio cômico. Se Dilma e seus ministros mais próximos passam uma imagem de seriedade, o contingente do PMDB no governo parece estar aí mesmo para nos divertir. O partido que apoia o PT em torno de questões programáticas tão importantes quanto desconhecidas já troca o seu turno na Esplanada dos Ministérios dizendo a que veio. É ou não é engraçado ver um deputado federal de 80 anos de idade pedir à Câmara ressarcimento pelas despesas com uma suruba para 15 casais? Dá para rir, claro, desde que o riso evite uma crise de choro.

Onde quer que esteja acordando neste momento, Pedro Novais adormece amanhã em Brasília como ministro do Turismo. Aparentemente, sua maior credencial para o cargo é visitar o Maranhão de vez em quando: embora se eleja há seis mandatos consecutivos pelo estado nordestino, ele mora é aqui no Rio, há mais de trinta anos. Brincadeira. Todo mundo sabe que Novais faz parte da "cota do Sarney". Ele e Edison Lobão, reconduzido ao cargo de ministro das Minas e Energia, que ocupou sem luz alguma até abril. Minas? Energia? Talvez Novais se qualificasse para esse aí também.

Em junho do ano passado, ou seja, durante a campanha eleitoral, uma festinha reuniu os tais 15 casais na suíte Bahamas do Motel Caribe, em São Luís, Maranhão. A reserva do modesto quartinho com sauna, banheira e piscina foi feita em nome de Novais. A nota fiscal de R$2.156,00 foi incluída entre as suas despesas passíveis de reembolso pela Câmara dos Deputados. Então, diante da notícia publicada na quarta-feira passada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o deputado portou-se como era de se esperar de um deputado: protestou inocência (o que é uma coisa particularmente engraçada de ser protestada num caso desses) e pôs a culpa num erro de sua assessoria.

O mais divertido, porém, estava noutro ponto da nota oficial. "Indignei-me como parlamentar e homem público, mas acima de tudo, como cidadão e marido", dizia. "A acusação leviana tenta atingir minha moral e a firmeza de minha vida familiar. Sou casado há 35 anos. Na noite de 28 de junho, data da emissão da nota fiscal pelo referido estabelecimento, estava em casa, ao lado de minha mulher, Maria Helena." O deputado finge não entender que o contribuinte está se lixando para a sua vida sexual, que, aliás, só foi trazida a público pela natureza das despesas que o seu próprio gabinete queria ver ressarcidas. O contribuinte não quer é pagar de modo tão explícito pela trepada alheia, seja de quem for, do parlamentar em pessoa ou de meia-dúzia de, hum, cabos eleitorais.

O modus operandi de Pedro Novais é literal e metaforicamente familiar. Sempre que os integrantes do clã Sarney - em especial, o patriarca José e seus filhos Roseana e Fernando - são flagrados malversando alguma verba pública, afetam uma indignação magoada, como se os denunciantes estivessem se intrometendo em seus assuntos particulares. O fato de essa tática ainda ludibriar tantos eleitores é prova eloquente da suruba entre interesses públicos e interesses privados, suruba bancada pelo velho patrimonialismo brasileiro. E o fato de, a despeito das décadas de dominação política pelos Sarney e seus aliados, o estado do Maranhão ainda apresentar um dos dois piores IDHs do país (o outro é de Alagoas), dá belo testemunho da capacidade política do clã.

Um divertido 2011 para vocês, leitores. E boa sorte para a presidente Dilma.

NELSON MOTTA

O país das drogarias
NELSON MOTTA
O Globo - 31/12/2010

Para Nelson Rodrigues, algum acontecimento só era realmente importante e polêmico quando provocava comentários "nos botecos e nas esquinas, nos velórios e nas farmácias ".

A paixão nacional pelas farmácias o fascinava, mas ele ficaria besta com a sua popularidade no Brasil de hoje, quando elas disputam espaço com os botecos. No Rio de Janeiro, são poucos os quarteirões da Visconde de Pirajá, a artéria central de Ipanema, que não têm pelo menos uma drogaria. Em alguns, há duas. Em Salvador, só na Avenida Paulo VI, entre a Pituba e o Rio Vermelho, contei 12 farmácias e depois perdi a conta.

Em São Paulo, Porto Alegre ou Recife, só mudam os nomes das ruas, mas as drogarias continuam onipresentes. Além de uma comodidade, a proliferação gera uma concorrência que beneficia o consumidor, mas também pode indicar que os brasileiros estão cada vez mais doentes. Ou apenas consumindo mais drogas legais.

Em Amsterdã, para comprar um remédio contra gripe, tive que caminhar muitos quarteirões do hotel até a farmácia mais próxima. Em Paris, Roma ou Lisboa, elas são poucas e pequenas, e têm que cumprir muitas, e caras, exigências para funcionar, com um numero restrito por bairro. E exigem receita até para comprar um Viagra ou uma pílula anticoncepcional.

Nos Estados Unidos, as grandes drugstores se espalham pelo país e, além de remédios liberados, como analgésicos e laxantes, vendem comida, roupas, artigos de casa, de papelaria, de limpeza, e até cigarros. Mas é impossível comprar um simples antibiótico sem prescrição médica, a fórmula tem que ser manipulada na hora pelo farmacêutico, nas dosagens da receita.

No Brasil, além de refrigerantes, chinelos e bugigangas, as farmácias vendem remédios em quantidades proporcionais à preferência nacional pela automedicação. Agora querem proibir que elas vendam chinelos e bugigangas, enquanto legiões de dependentes químicos consomem anfetaminas e sedativos tarja preta, com ou sem receita. Se o mercado não fosse tão bom, as farmácias não seriam tantas: ou os brasileiros estão sempre doentes, ou são loucos por um remedinho. O resto é perfumaria.

MARCOS SÁ CORRÊA

Não custa lembrar que o mundo gira
MARCOS SÁ CORREA
O Globo - 31/12/2010
Nada como a reciclagem de uma velha notícia para entrar no réveillon sabendo que, apesar dos pesares, o mundo ainda dá voltas ao redor de si mesmo. Trata-se da história contada esta semana pelo repórter Cesar Baima sobre água do lago Blue, no Alasca, que será exportado por duas empresas para uma engarrafadora na Índia e, de lá, para o Oriente Médio. Sinal dos tempos, certo?

Nem tanto. No verão de 1844, estreou em Londres a filial da Wenham Lake Ice Company, de Boston. Expunha na vitrine um bloco translúcido de gelo. Tirado de glaciações nos Estados Unidos, era tão cristalino que, através dele, lia-se o jornal do dia, como atestado de pureza.

O truque publicitário embasbacou os londrinos, que nunca tinham visto gelo assim. A rainha Victoria credenciou a Wenham como provedora de Buckingham. O novelista William Thackeray engastou o inédito mineral precioso numa de suas tramas de ficção. Foi um sucesso retumbante.

E breve. A Noruega, bem ali ao lado, rapidamente invadiu o mercado britânico com seu próprio gelo de Wenham. Vinha do lago de Oppengaard, perto de Oslo. Estava dispensado de cruzar o Atlântico. E, para pegar a onda americana, o lago foi rebatizado. De Oppengaard, virou Wenham, como o precursor já notório.

Tudo isso se deve à obstinação de Frederic Tudor, um bostoniano bem-nascido que dissolveu a fortuna da família para implantar o comércio ultramarino de um produto que ninguém precisava fabricar, por ser fornecido pela natureza a céu aberto em quantidades aparentemente ilimitadas.

Bom, bonito e barato, o produto só tinha duas contraindicações. Era imune a patentes. E tendia a passar do estado sólido ao líquido durante a viagem. Coube ao dinheiro de Tudor bancar as experiências que derreteram a relutância dos armadores em carregar navios com o que, no fundo, era só água.

Sua primeira remessa de três toneladas descongelou num porto da Inglaterra, enquanto os fiscais da alfândega coçavam as cabeças para classificá-la. Aos poucos, Tudor acabou concluindo que blocos compactos e grandes, envoltos em serragem - por sinal, outro artigo então invendável - podiam ir de Boston a Bombaim.

Aliás, o gelo fez com frequência a circunavegação das Américas, para chegar da costa leste à Califórnia, via cabo Horn. No fim, Tudor não criou o que hoje se chama "negócio sustentável". E seu lago de Wenham virou reservatório de Boston. Mas, a suas custas, ele mudou para sempre os costumes e a economia do planeta.

O gelo itinerante universalizou o consumo popular do sorvete, conhecido desde o Império Romano como requinte sazonal e raro. Permitiu que a carne argentina conquistasse o Hemisfério Norte, a lagosta do Pacífico viajasse a Chicago e as frutas tropicais debutassem no inverno europeu. Só na rede ferroviária dos Estados Unidos, até a década de 1930, circulavam mais de 180 mil vagões frigoríficos, refrigerados a gelo.

Esquecidos, o triunfo e o fiasco de Tudor voltaram à tona ultimamente, na enxurrada de livros que anunciam, sobretudo em inglês, o advento da era em que a água e seus derivados serão monopolizados pelos espertos. O escritor americano Bill Bryson pescou-os numa dessas publicações, tornando a história de Wenham mais palatável em "At Home" - uma dissertação enciclopédica sobre sua velha casa em Norfolk, num cafundó da Inglaterra. Bryson anda empenhado em mostrar que a natureza não parece, mas tem preço.

E, dito isso, feliz Ano Novo!

MARCOS SÁ CORREA é jornalista

LUIZ GARCIA

A hora de dormir 
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 31/12/10


O ano termina com a polícia do Estado do Rio em alta. Para quem acaba de desembarcar de outro planeta, esclareço que isso se deve à revolucionária, absolutamente inédita, ocupação do Complexo do Alemão e vizinhanças por tropas estaduais e federais. Nunca antes - não custa repetir - o crime organizado sofreu derrota parecida, aqui ou em qualquer outro estado. 

Uma novidade saudável mais recente é a decisão de deixar de considerar como absolutamente positivos os episódios de pessoas mortas em confronto com policiais. A partir do ano que vem, policiais serão premiados pela redução no número desses casos. Especialistas na área, como o pessoal do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, aplaudiram a mudança, com a ressalva de que a redução prevista no número de bandidos abatidos ainda seria modesta. Como disse Julita Lemgruber, estudiosa respeitada, a meta é tímida, levando-se em conta que o Rio, com menos policiais do que São Paulo, tem duas vezes o número de mortes atribuídas à resistência de marginais a ordens de prisão. 

Seja como for, importa mais prender do que matar. E o governo estadual anuncia que premiará os policiais que contribuam para diminuir esse número. Prender bandidos, em vez de matá-los, passa a ser bom negócio - literalmente, já que haverá gratificações - para os policiais fluminenses. Receberão bônus se usarem mais as algemas do que as armas de fogo. Não seria má ideia haver também punição extremamente severa para o policial que sair por aí matando ladrões de galinha e passadores de cheques sem fundos. 

Só fica faltando saber se as penitenciárias do estado têm vagas para atender ao maior número de presos. Ou se eles devem permanecer encarcerados aqui. O Estado do Rio pratica há muito tempo uma política de exportação dos bandidos mais perigosos para celas federais; quanto mais longe, melhor. Isso é considerado o único remédio possível para o problema das quadrilhas controladas - via celulares e pombos-correio - de dentro do sistema penal local. Em suma, se vamos mais prender do que matar, é bom ir pensando onde ficará o superávit de presos. 

Outra ideia que parece boa mas tem suas armadilhas é a decisão da prefeitura do Rio de contratar policiais militares em seus dias de folga. Por simples razão: ninguém aguenta trabalhar 24 horas e sete dias. 

O policial que hoje faz "bicos" nas horas de folga, de duas, uma: ou dorme quando deveria estar a serviço do Estado, ou faz isso quando está sendo pago pelo patrão particular. Alguém acredita na segunda hipótese? 

MARCOS DE CASTRO

Um brilho que é pura falsidade
MARCOS DE CASTRO
O Globo - 31/12/2010

Noel Rosa assinava o nome com um nítido trema sobre o "e" do primeiro nome. Está lá o trema, a chamar a atenção, na assinatura ("Noël de Medeiros Rosa") reproduzida na abertura da excepcional biografia, mesmo para padrões internacionais, de João Máximo e Carlos Didier (Linha Gráfica 

Editora e Editora UnB, Brasília, 1990). Isso quer dizer que o pai deu-lhe o nome francês - e o fez por amor ao idioma que então dominava a cultura brasileira, pois em português a palavra Noel não tinha trema naquele tempo (1910), como nunca tivera na história da língua "em que Camões chorou no exílio amargo", nem nunca teria.

O pai tinha, como tem, o direito de dar o nome que quiser ao filho - e é tão comum o uso de nomes estrangeiros no Brasil! Para ficarmos só no exemplo de copiar o francês, topamos a cada momento, mesmo, ou principalmente, entre filhos da gente mais humilde, com um Charles aqui, um Jean ali, um Jacques mais adiante (não poucas vezes sem o "c" medial), quando seria tão mais simples batizar os meninos como Carlos, João, Tiago. O que se quer dizer é que cada um faz o que quer com nomes próprios de pessoa no Brasil. O mesmo não se dá em Portugal onde pau é pau e pedra é pedra em matéria de nomes, ninguém batiza o filho com metade do nome do pai mais metade do nome da mãe, coisa tão comum nas terras em que a esquadra de Cabral aportou em 1500. No Brasil, os pais se entregam com frequência surpreendente a esse estranho exercício, que parece nascer de uma tendência de combate à xenofobia (embora não seja nada disso).

Nos países civilizados, em que há uma lista obrigatória e restritiva nos cartórios (o que leva, na França, por exemplo, os pais a recorrerem exaustivamente ao nome duplo, tipo Jean-Charles,Jean-Pierre, etc) é a tradição que funciona como lei suprema. Em Portugal, pelo que se vê, ninguém pensaria em registrar o filho como Oceano Atlântico Linhares, funcionário que no meado do século passado ficou famoso por aqui, porque, carregando esse nome, trabalhava no então Departamento Nacional de Obras Contra a Seca. Ou como Um Dois Três de Oliveira Quatro, de que até Deus dúvida - mas nunca se deve duvidar daquilo que a cultura de um país incorpora como verdade. Ou ainda do inexcedível Prodamor Conjugol de Marimélia, que pode parecer brincadeira, mas há seguramente registro do caso num jornal de Uberaba, Triângulo Mineiro, em 1934, num recorte que andou por muito tempo entre meus papéis (infelizmente quem recortou a notícia, ou artigo, não anotou o título nem a data exata da publicação). O pai espirituoso queria dizer com isso que o filho era o Produto do Amor Conjugal de Mário e Amélia. Quanto ao "Conjugol", nem ele nem ninguém sabia explicar.

O registro civil de uma criança é uma história muito particular entre um pai emocionado (às vezes também destrambelhado) e um funcionário de cartório. O pior é quando as coisas vão além das histórias pessoais. É o caso do nosso Teatro Municipal, que envolve uma cidade, as pessoas que amam essa cidade - e que o país todo tem de lamentar. Há uma boa meia dúzia de anos (pouco mais, pouco menos) alguém inventou que o nosso imponente teatro, patrimônio do Brasil, em matéria de nome deveria regredir um século. E, nos anúncios de espetáculos nos jornais, as óperas mais tradicionais, as cerimônias mais importantes, passaram a usar a grafia "Theatro Municipal". Felizmente os jornais, em sua parte editorial, não aderiram à falta de senso da direção do teatro. E ficamos nós, cariocas, como vítimas maiores da brincadeira, pois estamos diante de uma brincadeira típica da falta do que fazer - e do pior mau gosto.

Dê o leitor um pulinho a Niterói e encontrará lá, direitinho, seu belo Teatro Municipal, exibindo linhas sóbrias e a simplicidade de seu saber ortográfico: "Teatro Municipal". O mesmo se dá se formos a Petrópolis. Lá, ou em qualquer outra cidade de nosso estado ou do restante do país, os responsáveis pelos teatros públicos sabem escrever. Passamos nós, cariocas, por analfabetos - com inteira justiça se é seu teatro mais significativo que se toma como parâmetro.

O Teatro Municipal do Rio incorpora assim à sua curiosa história o capítulo mais desastrado, entrando como vilão na peça de mocinho e bandido que passou a exibir (o bandido no caso é o próprio teatro, atirando contra o povo). Digo curiosa porque o sofrido teatro já foi, em outras épocas, palco dos mais estrondosos bailes de carnaval, que com rigorosa certeza em nada contribuíram para aumentar-lhe a glória. Deles, tudo que sobrou foi um tanto de bebedeira, um tanto de escândalos - e o lucro certo das revistas ilustradas naquelas semanas. Nos dias que correm, esse "h" excrescente acrescenta à história do teatro um dado que não chega nem a ser curioso porque não passa de uma bobagem.

Imaginemos a Biblioteca Nacional, ali ao lado, passando a grafar "Bibliotheca", a Casa de Rui Barbosa voltando a ser de "Ruy" Barbosa, imaginemos todas as nossas instituições de alta linha (como a cabrocha Rosinha do samba dolente de Noel) regredindo um século para voltar ao período da balbúrdia ortográfica. Mas essas entidades são casas sérias, coisa que nosso velho teatro deixou de ser ao adotar esse "h" que levava sem dúvida a intenção de ser engraçadinho, mas só veio criar problemas - como criou para o menino que outro dia me perguntou se teatro se escrevia mesmo com "h". Certamente o autor da proeza achava que ao ressuscitar a letra estava dando um ar de erudição ao nome do teatro: recuar no tempo parece sempre coisa de sábio. Um arcaísmo, no caso um falso arcaísmo, costuma deslumbrar a "plebe rude".

Um pavão gosta de andar com o garbo das penas do rabo em forma de leque, bem abertas. Parece saber que os deslumbrados gostam de vê-lo desfilar assim, uma espécie de rainha de bateria. Nosso Teatro Municipal - que não é municipal, como se sabe, mas estadual - dá, hoje, aos que topam com seus anúncios nos jornais, a impressão de que é um pavão, quer dizer, um bobo desfilando, a mostrar um brilho que é pura falsidade.

MARCOS DE CASTRO é jornalista.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Passando a régua
RENATA LO PRETE

FOLH DE SÃO PAULO - 31/12/10 

A manutenção de seis nomes que integraram o primeiro escalão de José Serra está longe de significar influência do ex-governador na formação da equipe de Geraldo Alckmin. Dos colaboradores que Serra gostaria de ver aproveitados na nova gestão, só Antonio Ferreira Pinto ficou. E o titular da Segurança não pode ser considerado "serrista" -tampouco é "alckmista".
Paulo Renato Souza (Educação), Mauro Ricardo (Fazenda) e Luiz Antonio Marrey (Casa Civil) foram preteridos. E Alberto Goldman "pediu para sair" por não ter gostado da pasta que lhe foi oferecida. A verdade é que Serra não terá um secretário para chamar de seu no governo que começa amanhã.

Oh, vida... Para completar, o ex-tucano Gabriel Chalita (PSB), arquidesafeto de Serra, emplacou três secretários: Herman Voorwald (Educação), Eloísa Arruda (Justiça) e Paulo Barbosa (Desenvolvimento Social).

Último a saber Em entrevista à rádio Jovem Pan, Goldman reclamou ontem da forma como os atuais secretários foram comunicados sobre as substituições decididas por Alckmin: "As informações poderiam vir mais cedo. Muitos ficaram sabendo pelos jornais".

Vida real 1 Inicialmente inclinado a reduzir a cota de parlamentares, dando preferência a quadros técnicos, Alckmin acabou cedendo às pressões e instalou dez deputados no secretariado.

Vida real 2 O desmembramento da pasta de Saneamento e Energia e o rebaixamento da Comunicação para coordenadoria, duas providências alegadamente destinadas a racionalizar a gestão, foram decididas de última hora e ao sabor da necessidade de acomodar aliados.

Esta é sua vida Ligada ao governo pela Fundação Padre Anchieta, a TV Cultura gravou depoimentos de familiares de Alckmin em Pindamonhangaba para um "documentário" a ser exibido durante a posse.

Rombo Depois dos R$ 111 milhões investidos na reforma do Planalto, o "Diário Oficial" publicou ontem autorização de crédito suplementar de R$ 14,8 milhões para "restauração e modernização" do palácio.

Para depois Até ontem, a peça orçamentária de 2011, aprovada em 22 de dezembro pelo Congresso, não havia sido enviada ao Planalto. A sanção do texto deverá ficar para a futura presidente, Dilma Rousseff.

Ecos Às vésperas da chegada de Hillary Clinton para a posse de Dilma, a declaração de Lula, segundo quem é "gostoso" terminar o mandato vendo os EUA em crise, evocou o período final do primeiro turno da eleição, quando discursos do presidente atacando a imprensa atrapalharam a petista.

No ar A França resolveu mandar Alain Juppé para representá-la na posse. É o ministro da Defesa, como tal responsável pela venda dos caça Rafale ao governo brasileiro no programa FX-2.

Não deu Lula não conseguirá entregar a ponte no quilombo Ivaporunduva, em Eldorado (SP), que ficou pronta este ano. O presidente prometeu a obra quando era candidato, em 1995. A inauguração foi frustrada duas vezes por causa da chuva.

Herança A PF pediu mais uma vez a prorrogação, por 30 dias, da conclusão do inquérito que apura tráfico de influência na Casa Civil sob a gestão da ex-ministra Erenice Guerra. Com o adiamento, o desfecho da investigação invadirá o primeiro mês do governo Dilma.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"O preço para o Sérgio Gabrielli ter ficado na Petrobras acabou saindo caro e patético. O campo Lula é uma bajulação vulgar."
DO DEPUTADO JUTAHY JÚNIOR (PSDB-BA), relacionando a manutenção do presidente da empresa no governo de Dilma Rousseff e o "rebatismo" do campo de Tupi para homenagear Lula.

contraponto

Quórum baixo

Questionado diversas vezes sobre o caso de Cesare Battisti durante a entrevista em que anunciou o novo diretor da PF, o futuro ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recusou-se a opinar a respeito do terrorista italiano. Pouco depois, perguntaram-lhe a data de sua posse, prevista para este domingo, às 11h.
Diante da queixa dos jornalistas por causa do horário, Cardozo brincou:
-Talvez na posse eu possa comentar o caso Battisti. Vocês estarão lá acompanhando...

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Setor de celulose e papel terá falta de técnicos, diz entidade
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/12/10


A escassez de profissionais, que atingiu setores ligados à engenharia, deve ser sentida também na indústria de celulose e papel nos próximos anos.
O aumento da produção de celulose do país, que vai superar 5% em 2010 e chegar a 14 milhões de toneladas, vai pressionar a busca por mão de obra especializada.
A produção de papel também deve crescer mais de 3% e alcançar quase 10 milhões de toneladas, segundo a Bracelpa (que reúne o setor).
A carência pode chegar a quase 5.000 profissionais de áreas técnicas, segundo estimativas da ABTCP (associação técnica do setor).
"É uma preocupação no setor. Temos previsão de oito novos projetos até 2017, o que deve elevar a produção para 20 milhões. São necessários cerca de 600 técnicos para cada 1 milhão de toneladas de celulose", diz Afonso Moura, gerente da ABTCP.
A pressão na demanda deve aparecer a partir de 2013, quando parte dos projetos entram em operação. "O setor está negociando com Senai e escolas técnicas, principalmente do Nordeste", diz.
O setor precisará atrair também profissionais qualificados para atuar em sustentabilidade, segundo Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Bracelpa. "Os cursos que começam a ser criados refletem a tendência."
O Centro Paula Souza, órgão responsável por escolas técnicas e faculdades de tecnologia de São Paulo, informa que além de cursos para industrial madeireiro, florestas e silvicultura, foi criado um novo em Campinas.
O objetivo é atender principalmente a demanda na região, onde há cerca de 25 empresas da área.

Com que roupa eu vou

O figurino de executivos do setor de moda para o Réveillon

Rosangela Lyra, diretora da Dior (Brasil)
"Vou usar um vestido branco tomara que caia, perfeito para o clima e um Réveillon em casa, no interior. As alças podem ser retiradas. O cinto dourado confere um toque de sofisticação que as rasteiras compensam. A proposta com écharpe e sapatos não combina comigo. Por isso, sem lenço, com rasteiras e cabelo preso."

Sônia Hess, presidente da Dudalina
"Vou vestir uma camisa branca da Dudalina, com botões Swarovski [no detalhe] e uma calça branca. Vamos ficar em São Paulo porque nasceram nossos netos. Meu marido, sim, vai vestir só Dudalina: uma bermuda da Individual, nossa marca "casual", e uma camisa fio 200 para entrar poderoso no Ano Novo. No dia 1º, ele completa 60 anos de vida."

Sergio K., dono da grife Sergio K.
Para quem fica no Brasil, o empresário sugere calça ou bermuda branca e camisa clara. Ele não gosta de roupa toda branca para homem. A camisa deve ter manga longa, dobrada. Vale também camiseta. A sugestão "na hora de comprar o "look", é pensar em como aproveitá-lo depois". Vestido com camisa rosa claro e calça jeans de lavagem que remete aos anos 1970, ele vai passar em Las Vegas.

Riccy Souza Aranha, proprietária da Mixed
Escolheu um vestido de chiffon branco em camadas, com aplicações de renda.
Vai usar sandália rasteira e joias turquesa. Para o calor do Brasil, a empresária prefere branco. Os acessórios coloridos podem "dar vida e personalidade ao "look'".
Ela vai passar em condomínio em Laranjeiras, próximo a Paraty (RJ).

Patricia Gáia, presidente do Grupo Armani Brasil
"Escolhi uma saia e um top florais com cores suaves como violeta, lilás e azul ", afirma. Segundo ela, combina com clima de paz e amigos próximos.
Gáia vai participar de um jantar na casa de um casal de amigos que acabou de chegar do Butão.

Renata e Fernanda Boghosian, da Versace no Brasil 
Uma festa na praia "pede algo confortável e sexy na medida certa", segundo Renata. Ela sugere branco com lilás, "para quem quer seguir a tradição nacional de forma diferente". Para uma festa "black tie", Fernanda sugere um longo verde. "Fica bem com diversos tons de pele." Para quem passa no hemisfério Norte, um vestido de tecido mais pesado.
Renata vai de vestido da marca amarelo, curto e leve. Fernanda vai de estampado, curto e nos tons de verde.

Eliana Tranchesi, dona da Daslu
A empresária pretende usar uma bata com franjas brancas. Vai vestir acompanhada com shorts ou outra peça por baixo. Segundo ela, cada pessoa deve usar a cor que preferir.
O tradicional branco usado no país não deve ser uma regra.
"No Brasil só existe uma proibição nesta data: o preto", afirma. Tranchesi vai passar o ano em Trancoso, na Bahia, com a família.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Balanço final


EDITORIAL
O Estado de S. Paulo - 31/12/2010
A era Lula - que pode, ou não, ter chegado ao fim neste 31 de dezembro - foi um período único na história da República. À parte as razões mais óbvias disso, a começar da singular trajetória do presidente e de sua excepcional aptidão para se fazer idolatrado pela maioria dos brasileiros, o ciclo de oito anos que se encerra formalmente hoje se distingue por entrelaçar o melhor e o pior que um governante eleito pelo voto popular já proporcionou ao País.
Esse entrelaçamento é o que desaconselha julgar a presidência Lula de um modo esquemático. Dela já se disse, por exemplo, que o seu lado bom não é novo e o seu lado novo não é bom. O jogo de palavras antepõe duas coisas sabidas. De um lado, o que sem dúvida foi a decisão crucial do presidente de preservar, quando não aprofundar, as linhas mestras da política macroeconômica implantada pelo seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. De outro, a política nefasta, em escala sem precedentes, de subordinar o Estado aos interesses da confraria partidária-sindical que se converteu, graças a sua eleição, na nova elite do poder no Brasil. Ao que se soma a degradação das relações entre o Executivo e o Legislativo e a exploração deslavada do carisma presidencial.
Na realidade, a primeira metade do argumento omite que Lula não apenas teve a lucidez de manter os princípios de gestão econômica que até hoje ele chama de "herança maldita" - provavelmente o que a sua retórica teve de mais mistificador -, como ainda chefiou um governo que demonstrou ter a competência necessária para fazê-lo. Ao mesmo tempo, ele fazia valer a sua liderança para enquadrar a companheirada insatisfeita com o pragmatismo responsável na condução da economia, sem o qual, repita-se pela enésima vez, o Brasil não teria tirado o proveito que tirou de um dos maiores ciclos de expansão dos negócios globais no pós-guerra. E sem o qual, no limite, não teria sido possível resgatar 28 milhões de pessoas da pobreza extrema e alçar outros 36 milhões à classe média.
Já a segunda metade do argumento omite que o mesmo Lula, que não há de ter estado alheio ao mensalão; que não teria por que se surpreender com o vexame dos "aloprados" na campanha eleitoral de 2006; que se entregou de corpo e alma aos expoentes do atraso, do patrimonialismo e da venalidade no sistema político nacional; e que, enfim, se colocou acima do próprio Estado do qual deveria ser o primeiro servidor, ao se declarar a "encarnação do povo", nunca se dispôs a alterar a Constituição para disputar um terceiro mandato consecutivo, ao contrário do que a oposição dava como certo.
É verdade que ele se serviu desbragadamente do governo para eleger a ministra Dilma Rousseff. Mas, na soma algébrica dos prós e dos contras, ele tem a seu crédito a estabilidade das regras democráticas no País.
Outro paralelo semelhante, desse ângulo, é o da atitude de Lula em relação à imprensa. Tomados pelo valor de face, os seus virulentos ataques aos meios de comunicação expressariam uma intenção liberticida. E, no entanto, no que dependeu dele, a imprensa brasileira é hoje tão livre como no dia 1.º de janeiro de 2003. O Lula falante, por sinal, é uma caricatura do Lula governante.
Se o seu governo tivesse que ser julgado pela catadupa de palavras impróprias - e não raro mentirosas - que ele proferiu, nada mitigaria a percepção de que o Brasil viveu um período de retrocesso e de achincalhe da instituição presidencial. O problema, de novo, é destrinchar as coisas.
Os abusos verbais de Lula, às vezes à beira do impublicável, remetem ao espetáculo da política personalista e ao lado rústico de um temperamento construído sob a servidão da vicissitude. Mas as suas políticas resultaram de outro traço de sua formação - o da opção preferencial pela conciliação de interesses, que o Lula líder sindical aprendeu na mesa de negociação com o patronato. Dos beneficiários do Bolsa-Família ao grande capital, todos tiveram o seu quinhão.
Na mesma conjuntura de bonança econômica, um outro presidente poderia não ter idêntica sensibilidade para os dividendos políticos da acomodação. A simbiose de ótimo e péssimo que marcou a era Lula teve nisso o seu ponto culminante.

CLAUDIO SALES

A conta de luz e os sustos de fim de ano
Claudio Sales
O Estado de S. Paulo - 31/12/2010

Entra ano, sai ano, e a história se repete: iniciativas do governo federal ao apagar das luzes do ano que beneficiam poucos e prejudicam muitos - com base na sorrateira estratégia do "vamos aproveitar as festas de fim de ano para empurrar essa "medidinha provisória", esse "decretinho ou essa "resoluçãozinha" porque ninguém perceberá. E quando perceberem... já foi". As ameaças que podem se tornar reais nos últimos dias do ano têm impacto bilionário para os bolsos dos consumidores de eletricidade.

Tal desconfiança não é fruto de paranoias. No dia 20 de dezembro de 2007, por exemplo, diante da séria ameaça de racionamento - cenário que o governo nunca admitiu diante das câmeras, mas que recebeu muita atenção e muitas ações dos governantes para evitar o que seria um desastre político-eleitoral -, o Conselho Nacional de Política Energética emitiu a Resolução Normativa nº 8.

Essa resolução enterrou décadas de uma operação puramente técnica e econômica e deu poderes ao chamado Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico de decidir sobre o modo de operação das usinas que geram energia elétrica no Brasil. Tudo deveria acontecer em casos "extraordinários" e com o respaldo de estudos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Apoiado nessa resolução, de 2008 a 2010 o governo imputou ao consumidor de eletricidade um custo adicional de R$ 3 bilhões. E até hoje não se viu nenhum estudo do ONS que justificasse tais decisões bilionárias com base numa análise de custo-benefício. Confrontado, o governo apenas repete o mantra "qualquer custo é menor que o custo de um racionamento". Tal mantra não se alinha às práticas do mundo técnico, conforme documentado nas edições 7 e 8 do Programa Energia Transparente, disponível em www.acendebrasil.com.br, seção Estudos.

Olhando para as próximas ameaças, merece a prontidão dos consumidores a possível prorrogação do encargo (um entre os 23 tributos e 13 encargos que se escondem nas nossas contas de luz) chamado Reserva Global de Reversão (RGR). Criado em 1957 para cobrir indenizações a empresas - estatais ou privadas - em caso de reversões à União de concessões de energia elétrica, de acordo com a Lei nº 10.438/02, sua cobrança deve acabar neste dia 31 de dezembro.

Mas, apesar de a lei determinar o fim da RGR, já há sinais fortes de que o governo maquina sua prorrogação. A suspeita tem fundamento: o objetivo original deixou de existir, mas os recursos bilionários coletados foram sendo "redirecionados" ao longo dos anos para iniciativas como o subsídio para o consumidor de baixa renda, para fontes renováveis e para o Luz para Todos, programa cuja meta será cumprida em breve.

Os que justificarão sua manutenção dirão que ela é necessária para custear esses programas. Argumento falso. Há outros encargos na conta de luz com este fim, como o subsídio ao Programa de Incentivo a Fontes Alternativas e a Conta de Desenvolvimento Energético, que inclui desenvolvimento de fontes alternativas, universalização e subsídio a consumidores de baixa renda.

Nossos olhos também precisam ficar abertos para desvios absurdos da finalidade do encargo: no primeiro semestre o governo cogitou publicar medida provisória para aplicar os recursos da RGR numa operação de "salvamento" da Celg, estatal goiana que nas últimas décadas foi vítima de gestão temerária e que hoje enfrenta situação financeira precária.

Qual a nova desculpa para prorrogar uma rubrica que representou cerca de 1,5% da tarifa e que arrecadou R$ 1,6 bilhão em 2009? Qualquer redução tributária sobre o serviço essencial de eletricidade é bem-vinda porque a carga de impostos sobre a conta de luz é superior a 45%, enquanto a carga tributária média sobre a economia brasileira é de 35%.

O Governo Federal precisa respeitar a lei e manter o direito do consumidor de eletricidade de celebrar na noite de 31 de dezembro um raro episódio: a extinção de um imposto neste país que já deixou claro que não aceitará passivamente impostos e subsídios que custeiam ineficiências e privilégios

ILIMAR FRANCO

Nova estrutura
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 31/12/10
A presidente eleita, Dilma Rousseff, pretende criar uma secretaria, vinculada à Presidência da República, para regular a atividade espacial e a área de energia nuclear, consideradas estratégicas. Atualmente, esses assuntos estão no Ministério de Ciência e Tecnologia, e a avaliação é que, na pasta, não recebem tratamento prioritário. A necessidade de criação dessa secretaria vinha sendo debatida no segundo mandato do presidente Lula.

O ministro da desarticulação

Cinco dias depois de ter sido publicado que Helvécio Magalhães assumiria a Secretaria de Atenção a Saúde, o futuro ministro Alexandre Padilha (Saúde) conversou, anteontem, com o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), sobre as mudanças na pasta. O cargo era do PMDB e a substituição foi feita sem um diálogo prévio. "Ele desaprendeu rápido a importância de conversar com os aliados", reclamou Alves. O mal.estar está estabelecido. Lá pelas tantas, diante das explicações de Padilha, Alves saiu.se com essa. "Quando a pasta precisar de voto na Câmara, pede para o Helvécio ir lá pedir apoio para os deputados".

"O fim da CPMF é um paradigma. Um governo não quebra quando corta impostos, ele se adapta" Paulo Bomhausen, líder do DEM na Câmara (SC)

A BRIGA NA FUNASA. O PT de Minas quer emplacar na presidência da Funasa o presidente do Crea local, Gilson Queiroz. O PMDB quer manter o atual presidente, Faustino Lins Filho, que foi indicado pelo líder do partido, deputado Henrique Alves (RN). Mas os planos do futuro ministro Alexandre Padilha (Saúde) não passam por nenhum deles. Ele está inclinado a nomear Marco Muffareg, superintendente da Funasa no Rio.

Escaramuça

O PT do Rio também avança sobre os cargos federais do PMDB. Os petistas querem derrubar Oscar Berro, diretor da rede estadual de hospitais federais. E colocar no lugar Marcos de Souza, ex-secretário de Saúde de Nova Iguaçu.

@#%*!!!

O mais recente peemedebista insatisfeito com a montagem do governo Dilma Rousseff é o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Ele esperava ser nomeado para a presidência da Embratur, que permanecerá com o petista Mário Moysés.

Ele tem o poder e a caneta

O futuro ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, rejeitou as duas sugestões de nomeações feitas pelo seu antecessor e membro da mesma tendência no PT, o governador Tarso Genro (RS). Tarso trabalhou para que Ronaldo Teixeira assumisse a Secretaria Nacional de Segurança Pública e Ildo Gasparetto fosse para a direção geral da Polícia Federal. Cardozo nomeou Regina Miki (Senasp) e Leandro Daiello Coimbra (PF).

A afirmação política de Alckmin

Os principais articuladores políticos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, avaliam que a composição de seu secretariado representa um enfraquecimento do grupo do ex-governador José Serra. Seus aliados na bancada federal viraram secretários de estado. O PSDB nacional captou os sinais emitidos por Alckmin e faz a leitura de que o futuro governador fez questão de fazer da escolha de sua equipe uma afirmação de liderança política. Os mineiros estão exultantes.

O FUTUR0 ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, vai criar a Secretaria de Comunicação Eletrônica, que comandará o Plano Nacional de Banda Larga. Cesar Alvarez, que cuida da agenda do presidente Lula, será o secretário-executivo da pasta.

O ATOR Antonio Grassi, diretor da EBC no Rio, aceitou convite da ministra Ana de Holanda (Cultura) para assumir a presidência da Funarte.

NOVOS TEMPOS. O cerimonial e o sistema de informática do Palácio do Planalto estão fazendo todas as adaptações necessárias para substituir o uso da palavra "presidente" por "presidenta".

com Fernanda Krakovics, sucursals e correspondentes

JOÃO MELLÃO NETO

Enquanto a revolução não vem
João Mellão Neto 
O Estado de S.Paulo - 31/12/10


Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral, não se cansou de afirmar: "A gente nunca pode apostar nas virtudes dos homens, porque todos os homens e mulheres são falhos. Precisamos apostar na virtude das instituições." Ela diz ter ouvido esse pensamento do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos.

Pelo visto, Dilma gostou. Tanto que vem repetindo esse mantra em todas as ocasiões cabíveis. O argumento valeu até mesmo quando lhe perguntaram se aceitaria o adversário José Serra em seu futuro governo. Tudo bem, ela aceitaria. E, pelo seu raciocínio, as instituições se encarregariam de vigiá-lo.

Quanto a Bastos, embora não seja o autor do conceito, soube expressá-lo com propriedade Foram dois economistas liberais, Ronald Coase e Douglass North - ambos Prêmios Nobel de Economia -, os pioneiros no trato da questão.

É surpreendente ouvir tais assertivas da boca de pessoas que, ao menos em tese, comungam as ideias da esquerda. Isso porque os economistas citados são mais identificados com o pensamento dito conservador. Seus estudos têm como pano de fundo o "livre mercado" e a "iniciativa privada". Coisas do capitalismo, como se sabe. Vale a pena abordar esse tema.

Em primeiro lugar, uma pergunta: por que será que as pessoas praticam atos arriscados como empreender e criar empresas, ou a emprestar dinheiro, comprar e vender mercadorias?

Afinal, como afirmam os intelectuais - em especial os da sucursal latino-americana -, o mercado é um ambiente hostil, no qual os indivíduos estão sempre tentando se prevalecer da boa-fé alheia e enriquecer à custa da exploração do próximo... Quem garante os cordeiros contra os lobos? Não é mais seguro ficar em casa e não se prestar a aventuras de final imprevisível?

A resposta é que as pessoas têm confiança. Empreendem e comerciam porque sabem que estão garantidas pelas instituições. As pessoas confiam umas nas outras. E não é por causa das virtudes que os outros alegam ter, mas porque as instituições nos obrigam a todos a agir com retidão.

Que instituições são essas? O Estado? Não apenas ele. O Estado nada mais é do que um reflexo dos costumes, crenças e valores da sociedade. Não é o Estado, mas a sociedade, que cria as instituições. E as modela de acordo com o que pratica e com aquilo em que acredita.

Existem, assim, dois tipos de instituições: as formais, que são as igrejas, a escola, o poder público, as leis, as Forças Armadas, a universidade, etc.; e as ditas informais, como os preceitos religiosos, a ética, a moralidade e tudo o mais em que as pessoas acreditam e que norteia o seu comportamento.

Mesclando as instituições formais e informais, as pessoas sentem-se à vontade para interagir economicamente. Podem confiar no próximo porque sabem de antemão que este não vai lográ-las. É num ambiente assim que florescem o progresso e a prosperidade.

Os povos que mais se desenvolvem são justamente aqueles onde existem instituições mais maduras e apropriadas.

E onde fica o Brasil nessa história? No meio do caminho. A democracia, o Estado de Direito, a Constituição e o quase consenso que existe com relação às diretrizes da economia: tudo isso é garantido por instituições fortes. Alguém já disse que as instituições são como linhas de alta tensão. À primeira vista, parecem inertes e inofensivas. Mas quem ousa tocar nelas leva um coice e morre torrado.

Por falar nisso, vale ressaltar que nossas esquerdas também têm consciência da importância das instituições, que no dicionário delas são chamadas genericamente de "superestrutura".

Antes de alcançar o poder, os petistas e que tais diziam que era necessária uma insurreição popular para que pudesse ser implantado o socialismo. Agora, depois que chegaram lá, trocaram as ideias incendiárias de Ernesto Guevara pelas mais amenas, de Antonio Gramsci.

Explicando melhor: os ensinamentos e o exemplo de Che Guevara na década de 1960 passaram a todas as esquerdas latino-americanas a noção de que - existindo ou não "condições objetivas" - a transição para o socialismo deveria ser feita de imediato. E se a sociedade local não estivesse madura para tanto? Não importa. A luta armada obrigaria todas as pessoas a tomar posição e assim se desencadearia a "revolução".

Em toda a América Latina, essa incontinência revolucionária levou muita gente à guerrilha e à clandestinidade. A maioria foi torturada e boa parte morreu.

Quatro décadas depois, nossas esquerdas descobriram que poderiam chegar ao poder de modo pacífico. Como? Via eleições, dentro das regras democráticas.

Guevara foi convenientemente deixado de lado. O novo guru, agora, é o pensador italiano - também marxista - Gramsci. Segundo este, para que a revolução se dê de forma efetiva, antes de tudo é preciso aperfeiçoar o modo de pensar da sociedade. Nos corações e mentes das pessoas, os valores capitalistas têm de ser substituídos pelos socialistas.

E para tanto o que deve ser feito pelos militantes da causa?

Esta é a parte mais confortável. Devem, tão somente, incrustar-se no ensino, nos círculos acadêmicos e, principalmente, na administração pública, para - ocupando os postos estratégicos - poderem mudar a mentalidade geral.

Ou seja, chega de sangue, suor e lágrimas! O certo, agora, é "aparelhar" o Estado e tratar de reformá-lo "por dentro".

Foi assim, por meios tortos, que, no Brasil, o pensamento de esquerda incorporou o papel fundamental das instituições.

Até por que, enquanto a revolução não vem, o melhor a fazer é refestelar-se, em segurança, nos bons empregos públicos.

JORNALISTA, DEPUTADO ESTADUAL, FOI DEPUTADO FEDERAL, SECRETÁRIO E MINISTRO DE ESTADO