domingo, agosto 15, 2010

DANUZA LEÃO

Ecologia, jornalismo, elegância
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/10


Até quem não é radical procura onde jogar aquela notinha perversa que vem junto com o troco

A ECOLOGIA ENTROU devagar na mente das pessoas. Quando ouvi falar pela primeira vez do assunto, nem prestei muita atenção; achei estranho pensar em mudar hábitos que praticava desde a infância e que naquela época eram normais.
Tenho em mente, como se fosse hoje, Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, onde morava minha avó. Um rio separava a cidade, e havia os que moravam do lado de cá e os que moravam do lado de lá; todas as casas davam frente para a rua e as cozinhas para o rio. As cozinheiras faziam o que era de praxe: jogavam os restos de comida pela janela, no que era a lata de lixo da cidade, e ninguém se dava conta de que morar de frente para o rio seria o maior dos luxos.
As pessoas largavam nas calçadas saquinhos vazios, maços de cigarro amassados, cascas de banana, latinhas vazias de refrigerante, e todos achavam que isso era o certo. O tempo foi passando, os jornais começaram a falar de ecologia, e latas de lixo foram aparecendo. Até quem não é radical hoje procura onde jogar aquela notinha perversa que vem junto com o troco, apenas uma questão de educação: se não fazemos isso em nossa casa, por que fazer na cidade, que também é nossa?
Mesmo os mais desligados veem hoje, claramente, o que está acontecendo: geleiras desaparecendo, tsunamis matando milhares de pessoas, deslizamentos de terra diários, pequenas ilhas da Indonésia ameaçadas de desaparecer, ondas de calor na Rússia, enchentes no Paquistão, e, há dias, um imenso iceberg, quatro vezes maior do que a ilha de Manhattan, se soltou na Groenlândia. Como o planeta não tem assessor de imprensa, não dá entrevistas nos jornais nem na TV, é a sua única maneira de reclamar dos abusos que estão cometendo, e as catástrofes chegam cada vez mais perto: na semana passada, uma linda praia em Arraial do Cabo amanheceu com um óleo grosso em toda sua extensão, que ninguém sabe de onde veio, e só daqui a 20 dias vai se ter ideia do que se trata. Com tudo isso, ainda tem gente querendo até mudar o curso dos rios; isso não pode dar certo.
Agora um pouquinho de política: parabéns ao "Jornal das 10", da Globonews, que conseguiu entrevistar os candidatos sem o engessamento tradicional dos debates, com perguntas curtas e objetivas, e ainda com direito a comentários no bloco seguinte sobre a atuação dos candidatos. Foi uma conversa civilizada, cordial e sem estresse, nem da parte dos entrevistadores -André Trigueiro e Carlos Monforte-, nem dos entrevistados, que tinham que raciocinar para responder, e não chegar com o discurso já decorado; nem todos conseguiram, pois isso não se aprende, mas o formato foi encontrado, e é o ideal. Uma ideia elementar: colocar um relógio em frente ao candidato, para que ele acompanhe o tempo que lhe resta e não seja surpreendido com um corte no meio do raciocínio.
Outro comentário -e esse não tem nada a ver com política: preste atenção à elegância de Marina Silva. Suas roupas são discretas, a combinação de cores, perfeita. Seu porte, com o xale nos ombros, faria inveja a Gisele Bündchen, e ponto para as bijuterias feitas de contas e sementes da Amazônia que, segundo consta, são feitas por ela mesma; isso é que é ter estilo. Além disso, a candidata é serena, bem educada e não grita, coisa rara na política; suas aparições são uma lição de bom gosto a ser imitada pela peruagem nacional.
Chiquérrima, Marina.

JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Leviatã pega


João Ubaldo Ribeiro 
O Estado de S.Paulo - 15/08/10


Acho que já falei aqui numa comadre minha que diz que tudo é trauma de infância. Inclino-me a concordar com ela e, muitas vezes, nem tenho de escarafunchar muito essa remotíssima fase de minha vida para descobrir a origem de certas inquietações do presente. O Leviatã é um exemplo claro, porque meu medo dele vem desde o tempo em que, no meio da livrama de meu pai, eu topava com as ilustrações de Gustave Doré para a Bíblia e lá estava o tremendo monstro, contra o qual, assegurava o texto, o bronze das espadas era palha, ou seja, não adiantava nada. E devo ter misturado isso com alguma outra ilustração, provavelmente do clássico de Thomas Hobbes intitulado Leviatã, com que também topei nessa época, tentei ler para ver se vencia o medo, não entendi nada, desisti e o trauma deve ter persistido, ou piorado.
Hobbes é comumente tido, numa simplificação bastante grosseira e mesmo injusta, como uma espécie de teórico do absolutismo. E foi assim que me falaram dele nas escolas. Para mim o Estado hobbesiano, onde o poder se concentra no que ele chama de "soberano" e o súdito não tem ingerência no governo, passou a ser definitivamente aquele monstro das ilustrações. Depois, com a leitura de 1984 e a chegada de um tempo onde, fotografados, filmados e gravados, estamos cada vez mais submetidos a alguma espécie de controle, ou pelo menos vigilância controladora, o bicho vem me assombrando bastante e devia assombrar vocês também, porque vamos facilitando, vamos facilitando e daí a pouco ele nos engole a todos.
E essa engolição não vai ter nem a colher de chá do Estado hobbesiano. Nele, de fato o soberano detinha todo o poder, mas também tinha o dever básico de dar segurança ao súdito, pois, afinal só ela conteria o lobo do homem e era para isso que o pacto social existia. Aqui no Brasil, o nosso Leviatã já engole mais de um terço do que ganham os pobres e remediados (e nada dos verdadeiramente ricos) e não dá segurança nenhuma. Se esta for entendida como algo além de garantias contra a violência e abranger, por exemplo, a saúde, sabemos que o monstro, além de comer todo o dinheiro que pode, obriga os súditos a contratar planos médicos privados e nem mesmo estes resolvem, pois o bicho permite que façam o que bem entendam, inclusive tungar safadamente os que há décadas pagam por eles os olhos da cara.
O Leviatã de Gustave Doré, se bem revejo na mente as gravuras da infância, tinha tentáculos semelhantes aos de um polvo. É uma boa imagem para o que nos acontece hoje em dia, a toda hora um novo tentáculo se estendendo sobre nós, uma chuva de normas, cartilhas, orientações, admoestações, avisos, cobranças, proibições, restrições, instruções e assemelhados, vinda aparentemente de mil direções, que ninguém conhece direito e a que todo mundo obedece sem questionar. Sabe-se, mais ou menos vagamente, da existência de agências reguladoras hoje muito ativas, tripuladas por sabe-se lá quem, todas empenhadas em emitir regras para a nossa conduta. Ninguém elegeu esse pessoal, ninguém foi nem ouvido nem cheirado quanto a sua nomeação (vai ver que alguns, ou todos, foram ouvidos preliminarmente no Congresso, mas isso e nada todo mundo sabe que quer dizer a mesma coisa, até porque muitos dos nomeados para as agências devem ter sido indicados por deputados ou senadores), mas eles fazem o que querem e, mesmo quando quebram a cara, quem paga o prejuízo somos nós.
Cabe recordar pela milésima vez, como uma espécie de dever cívico, aquela regulada que deram nos motoristas, obrigando todos a trafegar com um tal kit de primeiros socorros. Todos os donos de carro compraram o kit, que só tinha um fabricante, o qual, naturalmente, encheu o rabo de dinheiro, assim como, certamente, outros envolvidos na operação. Concluiu-se que o kit não valia nada e era até prejudicial, mas ninguém foi investigado e muito menos punido, os súditos morreram na grana que os espertalhões faturaram e ficou tudo por isso mesmo. Mais recentemente, veio o tal assento para crianças, que de novo beneficia fabricantes, ou fabricante, e é uma medida de meia pataca, porque não pode ser aplicada a táxis, ônibus e vans, além de causar problemas de vários tipos. Mas todo mundo se esquece disso, compra o raio da cadeirinha e segue obedecendo.
Torcer no futebol já está regulamentado, mas não é descabido prever que cada clube venha a ser obrigado a pagar danos morais ao juiz chamado de ladrão por seus torcedores. Curtir com a cara do perdedor, nem pensar. O técnico que ficar na beira do campo soltando palavrões também será multado e mal posso esperar o dia em que emanarão do banco instruções como "meu anjo, vê se te deslocas mais expeditamente!". E o atacante vai pedir um cruzamento exclamando "alça-me o balão de couro, companheiro!". Quanto a piadas, não só de futebol mas quaisquer outras, atualmente já proibidas em relação aos candidatos, certamente também serão objeto de restrições impostas pela necessidade de que vivamos numa sociedade absolutamente livre de discriminações ou preconceitos de toda espécie. Não pode piada que, de alguma forma, mostre qualquer categoria social ou humana sob uma luz considerada pejorativa. Ou seja, não pode piada nenhuma, mesmo porque as que se refiram a animais, como as de papagaio, estarão sujeitas ao crivo rigoroso do Ibama, pois nunca se sabe quando uma piada poderá induzir a um crime contra um animal protegido. Talvez se crie - e fica a sugestão, é mais uma porção de cargos para preencher - uma base nacional de piadas, cadastrando todas as permitidas, é só checar antes de contar. Agora que dá para comparar, o monstro de Gustave Doré não era tão feio assim, bons tempos. 

J. R. GUZZO

Miragem na linha
J. R. GUZZO
REVISTA VEJA

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FELIPE PATURY

HOLOFOTE
FELIPE PATURY
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LYA LUFT

Plataforma contra as fomes
LYA LUFT
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DORA KRAMER

Os boas vidas
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/08/10

Jornalista norte-americano radicado há quase 30 anos no Brasil, Michael Kepp escreveu um artigo didático sobre as campanhas eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos, dizendo que lá equivalem a uma maratona e aqui se parecem com corridas de 100 metros rasos.
Usa essa imagem para concluir que os candidatos brasileiros falam pouco com o eleitor, se expõem o mínimo indispensável, enquanto os americanos se submetem a um teste rigoroso e prolongado de resistência perante o público. 
Antes disso, vencem a prova dentro dos respectivos partidos em eleições primárias que duram meses e passam por todos os Estados da Federação.
A campanha americana dura pelo menos dois anos, a mobilização por arrecadação financeira é monumental, pois não existe horário gratuito na televisão, as entrevistas são agressivas, as cobranças contundentes e a vigilância sobre os candidatos muito estreita.
Pessoal, profissional e politicamente falando. Veículos de comunicação tomam posição em favor deste ou daquele e nem por isso são patrulhados ou têm contestada sua legitimidade para entrevistar quem quer que seja.
As mulheres são entrevistadas, a família vive sob o holofote, a vida pregressa é esquadrinhada e a ninguém ocorre pedir que os jornalistas sejam gentis durante as entrevistas. Não passa pela cabeça de governante ou militante cobrar da imprensa tratamento reverente e muito menos os veículos de comunicação ficariam intimidados com isso sentindo-se no dever de aliviar a mão.
O entendimento geral é o de que a cobrança dura é uma obrigação, assim como a exposição de todas as questões que possam constranger o candidato, amanhã ou depois assombrar o governante eleito e, portanto, criar problemas para o país.
Michael Kepp afirma que os candidatos nos Estados Unidos pagam um preço em termos de exposição que nenhum deles estaria disposto a pagar no Brasil.
Está correto no diagnóstico. São uns boas vidas, escondem-se atrás das maquinações publicitárias, reivindicam direito a privacidade, dão-se ao desfrute de escolher sobre o que falam e a respeito do que preferem calar. Coisa típica de país em que o Estado em alguns aspectos ainda se impõe à sociedade. 
Haja vista a possibilidade de um candidato à Presidência da República ser fruto da vontade de um só ou de meia dúzia, em decisões autocráticas ou decorrentes de acertos de cúpulas. 
O presidente Luiz Inácio da Silva chama atenção porque exacerba e exibe o contraste entre o PT ativo de ontem e o partido passivo de hoje. Mas o processo de escolha de candidaturas na essência não é diferente em outros partidos.
São as cúpulas que decidem. A realização de prévias é quase uma confissão de fracasso entre nós. Quando um partido faz prévias em algum Estado considera-se que naquela seção há uma divisão irremediável, o que já significa de início uma desvantagem eleitoral.
O que deveria ser sinônimo de vivacidade é tradução de fragilidade e incapacidade de “todos se unirem” em vontade única
Esse tipo de desconforto em relação ao contraditório é que engessa os debates, cria regra em cima de regra, faz os políticos inventarem leis que tornam liberdade de expressão um conceito relativo no período eleitoral e também sustenta uma tese supostamente politicamente correta: a de que PT e PSDB deveriam parar de se opor e unir-se em governo de excelências. 
É uma utopia boboquinha que frequenta tanto as cabeças de bem-intencionados quanto as bocas de espertos que celebram a unidade em benefício próprio.
A política fica mais fácil de ser feita quando pasteurizada, desprovida de nitidez, sem antagonistas. Em compensação, fica mais distante do cidadão e reduzida a ofício para iniciados. 
Reclama-se agora da falta de “emoção” na campanha e nos candidatos. Talvez o erro não esteja nas pessoas. Mas no modo anacrônico de se fazer as coisas.
Impositivo, restritivo, cheio de obrigações, de truques, de ilegalidades e de armações que são em si a negação do sentido de democracia.

IVAN ÂNGELO


Excluídos

IVAN ÂNGELO
REVISTA VEJA - SP




Fumei no fundo do quintal, atrás das bananeiras, imitando sua tragada funda, no meu caso intercalada pela tosse abafada a custo. Fumei um, outro, e outro. Não estava gostando nada daquilo, mas não podia devolver o maço faltando nem deixar cigarros sobrando lá nas bananeiras. Minha lógica era esconder o crime. Fumei todos, uns cinco, sei lá, como o bicheiro que engolia as apostas do jogo quando ouvia a polícia chegar. Apaguei. Não o cigarro, eu que apaguei, dormi ou desmaiei por não sei quanto tempo. Passei dias vomitando e, ao longo da vida, se cheguei a botar algum cigarro na boca foi desafio de macheza, zero de prazer. Vinham-me aquele arrepio, aquele enjoo, desistia.Fui salvo do vício de fumar por um maço de cigarros. Menino, entre os 8 e 10 anos, surrupiei de um tio um maço de Continental sem filtro, cigarro que o via tragar com prazer por entre as duas falhas dos dentes inferiores da frente. Eu queria experimentar aquilo, e não me perguntem por que simplesmente não pedi um. Penso, hoje, que ele não daria, mas na época eu não considerava a hipótese de pedir. Cultivava o escondido e o proibido, não ia recorrer ao gesto simples.
Ainda bem. Se tivesse continuado e escapado com vida de um enfisema pulmonar, um câncer, um ataque cardíaco ou uma bronquite, seria hoje um excluído.
Explico. Há pouco tempo estive no oeste paulista e fui a um restaurante em Rancharia. Da janela ampla via uma cena curiosa. Ao lado da escada de uma das entradas do restaurante havia uma grande árvore em torno da qual fora construída uma larga mureta circular. Um senhor distinto estava sentado numa cadeira de frente para a mureta, e sobre ela haviam sido colocados um jogo americano e um serviço de jantar. O garçom levava-lhe sua cerveja, servia seu bife, seu arroz, legumes, e o senhor ficava lá, fumando, comendo, bebendo, fumando, com um ar — talvez fosse impressão minha — melancólico.
Jantava ali todos os dias, debaixo da árvore, contou-me o garçom. Aposentado, era freguês havia mais de vinte anos. Costumava ir com a mulher, sempre bem-vestidos. Ela morreu de câncer no pulmão, e não fumava, ou só fumava a fumaça dele. O senhor passou a comer ali fora desde que fumar em restaurantes e lugares fechados foi proibido. O cigarro é sua companhia e autopunição. É um excluído.
Em outros tempos, fumantes imperavam. Os incomodados que se retirassem. Em Viena, cidade de fumantes que tem até um imponente Museu do Tabaco, estive em um bar em que era tal o nevoeiro que não se distinguiam pessoas duas mesas adiante. Lá também já é proibido, mas há bares só para fumantes. Ou havia, porque a exclusão avança. Encontrei um boteco em Osvaldo Cruz, no interior de São Paulo, cujo dono resolveu ser democrático: o lugar não tem dentro, só tem fora. Na parte de dentro, só existem a cozinha, a pia e os frigoríficos. À proporção que a freguesia vai chegando, ele vai pondo mesas e cadeiras na calçada e no meio da rua. “Aqui fuma quem quer, dentro da lei”, diz ele.
Vezes sem conta os dependentes de nicotina são roubados de uma conversa, de uma paquera, de uma dança, de uma reunião, de um trabalho, de uma decisão, porque têm de ir lá fora fumar. Já há empresas que excluem fumantes, porque dez saidinhas para o fumódromo somam trinta minutos de trabalho perdidos; vinte saídas, uma hora.
Pessoas de dinheiro ou de carreira já não fumam, não se permitem essa exclusão momentânea, em que podem perder algo importante. Fumar está se tornando vício dos pobres, de operários da construção civil, porque na obra é permitido fumar, de pessoas nos pontos dos ônibus, de moradores de rua e de estudantes da PUC. Como, estudantes da PUC? É que eles preferem a pose retrô, a atitude, a onda da turma.
Olho com incompreensão e pena os dissabores dos remediados excluídos. Que coisa é essa que os leva a deixar o ambiente aquecido de um bar, a conversa dos amigos, a mão quentinha da amada e encarar os ventos gelados lá de fora? Fraqueza? Dependência? Resistência? Ansiedade? São heróis ou pobres figuras? Vítimas? Por que não renunciam ao fumo e acabam logo com o sacrifício? Difícil compreendê-los.

MANOEL CARLOS

Amigos

Manoel Carlos


VEJA - RJ

Meu pai conhecia muita gente, mas tinha poucos amigos. Eu segui os seus passos. Não deliberadamente, como caso pensado, mas a vida foi rolando e essa economia de amizade foi ficando evidente. Peneirando, peneirando, sobram poucos. Algumas pessoas identificam a diferença. Dizem, por exemplo, que fulano é seu colega (de trabalho). Mas o mais comum é o fugaz conhecido virar amigo, até mesmo íntimo. O amigo do peito. Aquele que supostamente está ali para rir e chorar com você. Na saúde e na doença, como nos votos matrimoniais e que se pretendem indissolúveis. Lembro-me dos versos do Drummond:

“O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode”.

Com o tempo, os poucos vão ficando mais poucos, como se diz no interior de São Paulo. Nos cadernos de endereços, os nomes dos que morreram vão superando os dos que continuam vivos. E quase sempre nos admiramos:

— Meu Deus, na letra R não tenho mais ninguém. E na S só um, mais velho do que eu.



Contam-se nos dedos das mãos. Muitas vezes, de uma única mão. E de repente, quando nos damos conta, percebemos que uma boa ou má notícia que queremos dar aos amigos não tem mais do que meia dúzia de nomes. Nem sempre é de lamentar. Afinal, a amizade tem códigos restritos, quase todos ocultos. Como portas trancadas. Quem tem a chave entra. Quem não tem dorme no sereno.

Tive um professor exemplar, Angelo Magrini, já algumas vezes aqui citado, que dizia:

— Existem temas que não se esgotam nunca. Lembro de uma namoradinha que tive quando era rapaz, que um dia, diante de uma modesta e provinciana fonte luminosa, me disse placidamente: “Olho para essa fonte, as luzes azuis e vermelhas refletidas na água, e não sei dizer se ela é bonita ou feia”. E desde esse dia, mesmo diante da Fontana di Trevi, as fontes, luminosas ou não, me deixam em dúvida, desafiando meu entendimento do que é bonito ou feio. Assim também a amizade, que é mais complexa que o amor. E assim também, soberana sobre todas as outras, a Morte. A Dama Branca e indesejada, como a chamava Manuel Bandeira.

No dia 9 de junho, precisamente há dois meses, recebi do meu amigo Cyro del Nero um texto belíssimo, a que ele nominou de Testamento, e que começa com estas palavras:

“Morrer é deixar. É deixar um verso esclarecedor ouvido e esquecido. É deixar as celestes esferas da música e nunca mais ouvir Bach. É deixá-lo. Agora o deixamos. É deixar o que ele apontou — onde não havia ainda expressa — a provável dimensão do ser humano. Deixamos e nos vamos. Morrer é deixar”.

Abrindo o texto, Cyro sossegava os amigos a quem se dirigia com estas palavras: “Não estou morrendo. A não ser um pouquinho a cada dia. Mas a previsão é cada dia mais lúcida e calma. Abraço do Cyro”.

O final desse admirável texto diz:

“Morrer é deixar. Deixar o nosso gesto afetivo nunca identificado. Deixar o que não foi compreendido em nossa voluntária exegese. Deixar a vaga lembrança de nós, vapor que se desfaz mais rapidamente do que o calor que o criou. Mas que duração se poderia pedir ao vapor? Morrer é perder”.

No dia 1o de agosto Cyro nos deixou.

Nós o perdemos.

JOSÉ (MACACO) SIMÃO

Vanusa! Queremos bis!
JOSÉ SIMÃO 
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/10


Votar em bunduda é bom porque não tem o velho problema de todo político: FALTA DE FUNDOS! Rarará! 



BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador-Geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Direto de Petrópolis: "Maníaco ataca mulheres na comunidade de PICA-PAU!". Como diz uma amiga: nunca vi um pica-pau, mas gostei dos dois. Rarará! Direto de Campinas: "Polícia encontra estufa de maconha no Jardim CHAPADÃO!". E direto de Teresina: "Van do Transporte Eficiente invade casa e derruba muro". Eficiente em demolição!
E essa semana foi da Vanusa! Vanusa ataca de novo! Ela foi cantar no parque do Idoso, em Manaus, e ESQUECEU a letra! Da única música que ela canta há 45 anos! Diz que trocou o remédio pra labirintite! Eu quero tomar esse remédio. E acordar com bafo de labirintite. Rarará! Ou será LA BIRITITE? Rarará!
E a nova versão da Vanusa: "Eu quero sair, eu quero cantar, eu quero Rivotril até o mundo acabar". Rarará! E o povo do Twitter tá dizendo que ela ia fazer plástica, mas esqueceu. A Vanusa ganhou o Grammy Latino, mas esqueceu. A Vanusa ia encerrar a carreira, mas esqueceu!
Ela devia cantar aquela música: "Esqueci de tentar te esquecer!". Um dia a Vanusa vai esquecer de se esquecer e vai lembrar. Tão falando que a Vanusa é a nossa Lady Gagá! Eu ia pedir bis pra ela, mas esqueci!
E a Volta da Galera Medonha! Da Turma da Tarja Preta! Eu vou votar no Oreia! Pra coisa ficar feia. E vou votar no Tiririca. Com o slogan: "Vote no Tiririca! Pior que tá não fica". AH, FICA! Ou, então, na Gordinha do Rabecão, a auxiliar de necropsia do IML de Brasília. Ótimo, tem muita gente em Brasília que merece ser sepultada. E a Mulher Pêra e a Mulher Melão e a Mãe Loura do Funk! Bunduda é bom porque não tem aquele velho problema de todo político: FALTA DE FUNDOS!
E a Dilma RouCHEFE continua com a peruca da Marge Simpson. E o Serra Porteiro de Necrotério? Ainda bem que o sorriso do Serra não faz barulho. E a Marina Silva devia dar dicas de jardinagem no programa da Ana Maria Braga! E o Plínio Arruda virou o Idoso Traquinas! Manchete sensacionalista: "Plínio Arruda e Hebe Camargo estão se conhecendo". Rarará!
E essa: "Em Alagoas, TSE libera candidato ficha-suja que arrancou orelha do adversário a dentadas". Pit bull na loucura!? Um cãodidato! Já que tá em Alagoas, devia arrancar a orelha do Collor pra botar na feijoada. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! 

GAUDÊNCIO TORQUATO

Onde estão as grandes ideias?

Gaudêncio Torquato 
O Estado de S.Paulo - 15/08/10

Quem se lembra de uma ideia impactante apresentada por um dos candidatos à Presidência da República? Ou quem, entre os 3% dos telespectadores que assistiram ao primeiro debate entre os candidatos, na TV Bandeirantes, se recorda de uma proposta inovadora, crível e viável, capaz de chamar a atenção e gerar interesse pela originalidade, expressa por um dos quatro participantes? É possível que alguém lembre a fala de um deles, Plínio Sampaio, mais pelas ironias do que pela densidade das ideias. O fato é que a campanha, sob o prisma do discurso e da mobilização social, não conseguiu, até o momento, empolgar plateias, seja por ausência de novidade, seja pela sensação de que os escopos mais parecem uma teia de retalhos e fragmentos, dispostos um ao lado do outro sobre o pano de fundo de nossa realidade. É inconcebível que áreas vitais como saúde, segurança, educação ou as polêmicas temáticas sobre as reformas (política, previdenciária, tributária e trabalhista) não tenham merecido, até o momento, visão diferenciada de blá-blá-blás e bordões escondidos na frouxa promessa "vamos continuar isso e aquilo, fazer mais e melhor".


Nos últimos tempos as campanhas ganharam novos adereços, trazidos pela engrenagem da tecnologia da informação e sob o empuxo do Estado-espetáculo, onde os atores procuram esmerar-se na cosmética. Patinam, porém, nos campos da semântica e da mobilização das massas, haja vista a declamação de uma linguagem tatibitate, que mais se aproxima da superficialidade que da argumentação consistente. É provável que a mensagem ligeira e represada expresse a cultura dos formatos burocráticos dos debates televisivos, quando os candidatos são comprimidos entre tempos rígidos para respostas. Mas campanha eleitoral deve ser o espaço por excelência para escancarar a locução. Os proponentes precisam se preparar para desfilar soluções originais e criativas sob orientação de equipes especializadas. Não é o que se vê. Os programas eleitorais, com início na próxima terça-feira, produzirão a liturgia de glorificação dos candidatos, que serão expostos de maneira exuberante. Ornatos, profusão de cores, flagrantes de ruas e pedaços da vida de cada personagem terão mais força que os conteúdos das propostas, arrematando o preceito de McLuhan: "O meio é a mensagem."
Da naturalidade das ruas para o artificialismo dos laboratórios do marketing - eis a mudança nas feições das campanhas. Abertas, emotivas, participativas tornaram-se fechadas, frias, racionais. Voltemos a 1950, quando Getúlio Vargas fez uma das mais brilhantes campanhas da história eleitoral. Intercalava o ideário abrangente com um discurso para cada canto. Em 10 de agosto, em São Paulo, por exemplo, pronunciou um discurso versando sobre o poderio da terra bandeirante, o dever da União para com o Estado, o saneamento financeiro do País, as diretrizes para uma política industrial e as bases do trabalhismo, concluindo com a exaltação do vínculo entre democracia política e democracia econômica. Ali se descrevia o estado da Nação. Regiões e cidades recebiam uma palavra específica, com diagnóstico e solução para os problemas. Ali estava o conceito de descentralização. Na peroração de São Borja, em 30 de setembro, passava a receita do sucesso: "Da vastidão amazônica a estas fronteiras meridionais, das populações de beira-mar às do Brasil central, o povo me acolheu carinhosamente, e mais me falou dele do que eu de mim, transmitindo-me as suas queixas, as amarguras e dificuldades atuais." Ouvir o povo, eis o mote.
Juscelino Kubitschek, na campanha de 1955, fez seis viagens pelo País, percorrendo 168 municípios num DC-3, equipado com escrivaninha e cama, e adotando a mesma estratégia de Vargas, a de combinar temas gerais com específicos. Os roteiros cobriam cidades e capitais próximas, o que permitia a Kubitschek conhecer e estudar as questões regionais. Grupos de mobilização puxavam o povo para as ruas. "Batedores", jovens políticos animados, em peregrinação prévia, faziam reconhecimento do terreno, captando reivindicações, preparando relatórios e arrumando cenários para as concentrações. A campanha de rua arrastava multidões. Os comícios terminavam sempre com perguntas formuladas por ouvintes, em "diálogo com o povo". Foi assim que o mineiro, ancorado em inseparável sorriso, descobriu a entusiástica reação popular ante a promessa de transferir a capital da República do Rio para o Planalto Central. A novidade deu-lhe um bom diferencial. As temáticas, entremeando situações nacionais e locais, tinham como foco o desenvolvimentismo, a partir das áreas de energia e transportes, com textos elaborados por figuras tarimbadas, como o poeta Augusto Frederico Schmidt, o romancista Autran Dourado e os jornalistas Álvaro Lins, Horácio de Carvalho e Danton Jobim, entre outros.
Mas o sistema eleitoral, é oportuno dizer, favorecia o coronelismo. Cédulas eram produzidas pelos próprios candidatos e distribuídas pelos cabos eleitorais. O eleitor também as encontrava no local de votação. Chapas de adversários dos coronéis eram retiradas das urnas. Os eleitores recebiam envelopes com "o voto certo". (Eis uma historinha da época: "Coronel, em que estou votando?" Resposta áspera: "O voto é sigiloso, cabra, não é de sua conta.") Nesse terreno, o País avançou, e muito. O domínio dos caciques decresce, apesar de ainda forte em algumas regiões. Mas nas áreas do discurso e da mobilização das massas há muito por fazer. A descrença e a desmotivação do eleitorado, a pasteurização ideológica, o declínio dos partidos e o distanciamento entre o arco político e a esfera social estão por trás do artificialismo das campanhas eleitorais. Mesmo assim, poderiam ser mais vivas. Bastaria a cada candidato colher sementes na seara do conhecimento e passar a oferecer propostas viáveis e de alto nível. Está na hora de deixar de lado o ramerrão. Sob pena de continuarmos a ver candidato iconoclasta sair aplaudido nos embates da TV. Quanta falta faz uma grande ideia.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO 

ILIMAR FRANCO

Linha cruzada
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 15/08/10
O Ministério da Justiça negocia com as operadoras de celular e com a Anatel o aumento do prazo de validade dos créditos dos telefones pré-pagos para um ano. “Tem plano em que você coloca R$ 1 e esse crédito dura 24 horas. O consumidor pagou por esse serviço e tem direito de usá-lo”, disse o ministro Luiz Barreto. As operadoras dizem que o consumidor precisa manter a linha ativa, mas o ministério considera a prática abusiva.

O futuro de Aécio Neves

O ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves mergulhou na eleição regional. Seus aliados dizem que ele não pensa em outra coisa que não seja reeleger o governador Antonio Anastasia. Alegam que isso é mais importante para seus planos que sua própria eleição.

Uma eventual derrota da oposição nas eleições presidenciais de outubro não aponta necessariamente para uma candidatura de Aécio ao Planalto em 2014. Os mineiros dizem que os paulistas continuarão sendo uma pedra em seu caminho, caso o tucano Geraldo Alckmin confirme seu favoritismo nas eleições para o governo paulista, ou Beto Richa vença no Paraná.

“Há uma relação estreita entre o índice de aprovação do presidente e os votos recebidos por seu candidato à sucessão” — Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, sobre as cinco últimas eleições presidenciais

O CANDIDATO DO POLVO. A Copa do Mundo acabou mas Paul, o polvo-profeta, continua fazendo sucesso. Em seu site de campanha, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), candidato à reeleição, colocou uma animação na qual é escolhido por Paul. O título é: “Em quem o polvo vota?”. Delgado é um dos expoentes do “Dilmasia”: apoia o tucano Antonio Anastasia para governador e a petista Dilma Rousseff para presidente da República.

Exemplo

A última vez que a Ordem dos Advogados do Brasil divulgou seus balanços financeiro e patrimonial foi em 2008. Não há prestação de contas do ano passado, quando o atual presidente da 
OAB, Ophir Cavalcante, era o diretor financeiro.

Tomando o pulso

O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) jantou com o deputado Jader Barbalho (PMDBPA), sexta-feira, em Belém.

Líder na disputa pelo Senado, Barbalho continua às turras com a governadora petista Ana Júlia.

A luta pelo poder no DEM

Independentemente do resultado das eleições presidenciais, os caciques do DEM se preparam para uma disputa pelo poder interno. De um lado, estão o prefeito Gilberto Kassab (São Paulo) e o ex-presidente do PFL Jorge Bornhausen (SC). E do outro, o grupo do presidente do partido, Rodrigo Maia (RJ). O resultado da disputa pelo Senado no Rio, onde Cesar Maia é candidato, e a posição do deputado ACM Neto (BA) vão fazer a diferença.

Luz, câmera, ação

O presidente Lula vai se submeter hoje e amanhã a um mutirão de gravações de apoio aos candidatos aos governos estaduais e ao Senado. A grande novidade é que, em alguns casos, Lula vai gravar para até três candidatos ao Senado.

Em São Paulo, ele vai pedir votos para Marta Suplicy (PT), Netinho de Paula (PCdoB) e Romeu Tuma (PTB).

Tuma, cujo partido apoia José Serra, beneficia-se da decisão do TSE que acabou com a verticalização na propaganda eleitoral.

A AMPLIAÇÃO e a concessão de novos incentivos fiscais para quem preservar suas propriedades é uma das propostas que a SOS Mata Atlântica apresentará aos presidenciáveis, na quarta-feira, ao divulgar sua “Plataforma Ambiental para o Brasil”.

O DEPUTADO Vic Pires Franco (DEM-PA) sumiu. Não fala com mais ninguém, desde que o PSDB vetou a candidatura de sua mulher, Valéria, ao Senado.

LIQUIDAÇÃO. O MST aderiu ao capitalismo. Está fazendo uma promoção especial. Quem comprar dez bonés do movimento ganha um.

JIMMY CARTER e KOFI ANNAN

Vacinas infantis precisam de incentivos
JIMMY CARTER e KOFI ANNAN
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/10 

Apesar dos vários esforços na área, a comunidade global ainda não alocou os recursos necessários para levar a gama completa de vacinas a todos 


Vacinas já salvaram as vidas de milhões de crianças em todo o mundo e têm o potencial de salvar outros milhões no futuro, à medida que são desenvolvidas e introduzidas vacinas novas. As vacinas já resultaram na erradicação global da varíola; estamos prestes a atingir a erradicação global da poliomielite, e as mortes por sarampo caíram 78% desde 2000.
A imunização é um dos investimentos em saúde infantil que tem a melhor relação custo-benefício. No entanto, em países de baixa renda, duas em cada cinco mortes de crianças com menos de 5 anos em 2009 se deveram a pneumonia ou diarreia. Novas vacinas são capazes de prevenir grande parte dessas mortes, mas a comunidade global não alocou os recursos necessários para levar a gama completa de vacinas a todas as crianças.
A erradicação da pólio ainda não está assegurada, e corremos grande risco de perder os avanços dramáticos conquistados no combate ao sarampo, na medida em que o financiamento por doadores vem caindo vertiginosamente, apesar do avanço acelerado em direção à eliminação da doença.
A redução nas mortes por sarampo, por si só, responde por quase 25% da queda global nas mortes infantis desde 1990. Não será possível alcançar a Meta 4 de Desenvolvimento do Milênio -reduzir a mortalidade de crianças de até 5 anos em dois terços até 2015- sem apoio adicional à imunização. Será um crime se ela não for alcançada simplesmente pela falta de apoio financeiro adequado.
Mais de 22 milhões de crianças na primeira infância ficaram de fora da ação dos serviços de imunização rotineira em 2008 e continuam sem proteção. Campanhas nacionais de imunização asseguram que todas as crianças sejam vacinadas, mesmo em regiões de acesso difícil onde muitas crianças não têm acesso aos serviços de vacinação de rotina.
Apesar de todas as iniciativas globais já feitas nesse campo, corremos o risco de perder muitos dos ganhos já conquistados e de deixar de receber os benefícios adicionais que estão ao alcance do mundo.
Desde junho de 2009, mais de 30 países africanos sofreram surtos de sarampo, resultando em mais de 89 mil casos da doença e 1.400 mortes.
A OMS estima que o efeito combinado da redução no engajamento financeiro e político pode resultar em um retorno, até 2013, a mais de 500 mil mortes anuais por sarampo, eliminando os avanços conquistados nos últimos 18 anos. Qual é a razão disso?
Para começar, a prevenção é invisível. Quando a imunização é bem-sucedida, nada acontece. Já doenças ou lesões são altamente visíveis e exigem atenção. Ademais, crianças não votam e não podem influir sobre as prioridades sociais.
Assim, a imunização frequentemente torna-se secundária. Em segundo lugar, a economia global e muitos países em desenvolvimento individuais passam por dificuldades profundas. Isso reduz as chances de investirem em atividades de baixa visibilidade, apesar de retornos muito altos.
Precisamos de estratégia balanceada de investimento em imunização que reforce ações de rotina, conserve as iniciativas que visam erradicar a pólio e reduzir as mortes por sarampo em 95% e possibilite a introdução de vacinas novas.
Os países desenvolvidos e as organizações filantrópicas precisam reconhecer que as necessidades dos países em desenvolvimento crescem à medida que novas medidas de saúde pública se tornam disponíveis, e devem fazer os ajustes necessários no apoio que dão.
Os governos nacionais precisam aumentar o apoio que dedicam a seus próprios programas. Por fim, as pessoas precisam reivindicar a disponibilização irrestrita de vacinas e serviços de imunização. Apenas com ações coordenadas é que poderemos concretizar plenamente os enormes benefícios potenciais das vacinas.

Tradução de
CLARA ALLAIN 
JIMMY CARTER foi o 39º presidente dos Estados Unidos da América (1977-1981), laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2002.
KOFI ANNAN foi secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) de 1997 a 2006, laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2001

ABRAM SZAJMAN

Um polo para a América Latina
ABRAM SZAJMAN 
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/10

Regiões ao sul do Equador mantiveram-se subordinadas aos centros do hemisfério Norte, apesar da importância crescente de suas economias 


A globalização financeira impulsionada pelo vertiginoso desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação e transferência de valores conectou todos os rincões do planeta a uma rede mundial de negócios. Os principais polos dessa rede, entretanto, continuaram sendo os mesmos dos séculos 19 e 20, ou seja, Londres e Nova York.
Recentemente, Hong Kong e Cingapura transformaram-se em polos regionais na Ásia. Mas regiões ao sul do Equador mantiveram-se em posição subordinada aos centros do hemisfério Norte, apesar da importância crescente de suas economias e do discurso independentista de alguns de seus líderes.
É o caso da América Latina, que ainda não acolhe em qualquer de seus países um polo de negócios que represente uma alternativa para que suas empresas, quando se internacionalizam e buscam se capitalizar, não precisem fazê-lo em Nova York.
Foi com o objetivo de preencher esta lacuna que surgiu a Brain (Brasil Investimentos e Negócios), uma articulação de entidades representativas de diferentes segmentos da economia, que se uniram para fazer do eixo São Paulo - Rio de Janeiro o polo de rede para a América Latina.
Maior país da região e quinto do mundo em extensão e população, o Brasil exibe credenciais para tanto. Detentor de matriz energética diversificada e segundo maior exportador agrícola mundial, desfruta de 15 anos seguidos de estabilidade macroeconômica e maturidade institucional. Já São Paulo e Rio de Janeiro formam um contínuo econômico que responde por 45% do PIB, concentra grandes empresas e as principais instituições de ensino e qualificação de talentos.
Embora a Brain tenha surgido da junção inicial de esforços de entidades dos mercados financeiros e de capitais, o comércio a ela se uniu por acreditar que a iniciativa transcende o universo dos interesses de bancos e Bolsas de Valores.
Como ocorre com a Copa do Mundo e a Olimpíada, para implementá-la a União, Estados e municípios envolvidos terão que adotar reformas, marcos regulatórios e melhorias de infraestrutura que espalharão benefícios pelo país e por diferentes segmentos econômicos, gerando emprego, renda e aperfeiçoamento da mão de obra.
Não se trata de propor desregulamentação ou artificialismos que possam gerar desequilíbrio. Não se quer fazer do Brasil um paraíso fiscal, um centro "offshore", uma zona franca financeira. Muito menos dolarizar a economia, deixá-la superexposta a finanças ou excessivamente alavancada. Nada disso. O que se pretende é aproveitar melhor o "investment grade" obtido pelo país para atrair capital produtivo, e não especulativo, fazendo com que a atividade financeira deixe de ser autocentrada e passe a irrigar a economia com recursos que administra, beneficiando a toda a sociedade, e não só a ela mesma.
ABRAM SZAJMAN, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio), do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

ELIO GASPARI

As viúvas dos militares do Haiti vão à luta
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/10 


O governo usou as famílias dos mortos para fazer marquetagem, mas a ajuda, até agora, foi nenhuma



SE O COMPANHEIRO Obama fizer com as viúvas e os filhos dos soldados mortos nas suas guerras o que o governo de Nosso Guia está fazendo com as famílias dos 18 militares que morreram no terremoto do Haiti, sua carreira política estará encerrada.
Diante da catástrofe que matou 230 mil pessoas, os hierarcas de Brasília foram marqueteiramente impecáveis. Lula chorou durante a cerimônia da chegada dos primeiros esquifes, foi ao Haiti, percorreu ruínas e deu uma ajuda de US$ 15 milhões aos desabrigados. Além disso, anunciou que indenizaria com R$ 500 mil cada família de militar morto, mais um auxílio de R$ 510 mensais por filho em idade escolar. A iniciativa foi votada no Congresso e sancionada em junho.
Passaram-se sete meses da chegada dos mortos ao Brasil e dois da sanção. Cadê? Nenhuma viúva ou órfão recebeu um só centavo. Nem previsão há. Cada militar tinha direito a uma indenização de US$ 50 mil das Nações Unidas, sob cuja bandeira também serviam. Receberam no início de abril.
O Exército deu às viúvas o amparo devido, e elas recebem pontualmente as pensões a que têm direito. Apesar disso, elas tinham mais a sofrer. Seus maridos pagaram regularmente por uma apólice de seguro de grupo vendida pelo Bradesco, por intermédio da Poupex, vinculada à Fundação Habitacional do Exército. Instituição privada, presidida por um general (da reserva), utiliza dependências militares para atender sua clientela. Confunde-se indevidamente com a instituição. Na hora de receber o seguro, as viúvas foram informadas que o contrato não previa pagamento em caso de terremoto. Por deferência do Bradesco, cada família receberia entre R$ 100 mil e R$ 250 mil, como se os maridos tivessem sofrido morte natural. Algo como um enfarte na praia. Elas sustentam que eles morreram num acidente, a serviço do país. Nesse caso o valor do seguro dobra. "Meu marido morreu fardado", diz uma senhora.
O comando do Exército e o Bradesco (lucro de R$ 4,5 bilhões no primeiro semestre) estão diante de uma encrenca. Primeiro, porque surgiram quatro viúvas valentes que resolveram lutar pelos seus interesses. Até aí, jogo jogado, pois a seguradora sustenta que seu direito é melhor que o delas e, se não estão satisfeitas, recorram à Justiça. Elas informam que pretendem fazer exatamente isso, até porque o caso foi enriquecido por uma curiosidade: dois militares mortos tinham apólices individuais das seguradoras do Itaú e da Amil. Nenhuma das duas opera dentro de quartéis, nem associa seu nome ao Exército. Ambas entenderam que seus clientes tiveram morte acidental, pagaram o que julgaram devido e não há queixas em relação a elas.
No governo do companheiro Obama nada disso aconteceria porque nenhum presidente dos Estados Unidos é maluco a ponto de permitir que se vendam ilusões financeiras em quartéis. Uma das coisas que melhor funciona na burocracia americana é o seu Departamento de Veteranos, que não se mete com seguradoras privadas.

BOLSA DITADURA
O Tribunal de Contas da União resolveu rever a farra do Bolsa Ditadura, que já comprometeu R$ 4 bilhões do cofre da Viúva. Uma dessas bolsas rende cerca de R$ 5.000 mensais para Nosso Guia. Virá o dia em que alguém comparará a maneira como o Estado mimou um lote de aproveitadores do andar de cima com o tratamento recebido por vítimas da ditadura que estavam (e estão) no andar de baixo.
Entre 1972 e 1974 o Exército humilhou, prendeu e espancou centenas de lavradores miseráveis da região do Araguaia. Ao contrário do que sucedeu nas cidades, destruiu-lhes o patrimônio de casebres, roças e animais. Perderam tudo.
Enquanto as famílias dos guerrilheiros assassinados foram indenizadas, 44 camponeses enfeitaram um evento do ministro Tarso Genro, mas até hoje não receberam coisa alguma, pois o pagamento foi bloqueado na Justiça. De lá para cá, cinco já morreram.

NÃO É COMIGO
Alguém precisa avisar ao ministro José Gomes Temporão que política pública é uma coisa e serviço público, outra.
Aborrecido com a posição da saúde brasileira no Índice de Valores Humanos do Pnud, seu ministério desqualificou o relatório porque "não distingue a assistência realizada pelo sistema privado da realizada pelo sistema público".
Não distingue nem precisa distinguir. O que o Pnud diz é que a percepção dos brasileiros em relação à saúde é ruim. Os hospitais da rede pública são um serviço público, mas o descontentamento dos clientes dos planos de saúde reflete a qualidade da política pública praticada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Temporão não é ministro da rede pública. É ministro da Saúde.

ENFIM, CHUÇARAM O VESPEIRO DO LIVRO DIDÁTICO

Finalmente alguém chuçou o vespeiro da indústria e comércio de livros didáticos brasileiros. Com uma tiragem de 2.000 exemplares, está chegando às livrarias "Com a Palavra, o Autor", dos professores Francisco Azevedo de Arruda Sampaio e Aloma Fernandes de Carvalho, da editora Sarandi. Trata-se de um verdadeiro curso para se conhecer o funcionamento do Programa Nacional do Livro Didático, administrado pelo MEC. Em tamanho (115 milhões de livros), ele só perde para o da China. Em custo (R$ 900 milhões), consome 2% do orçamento do MEC. De cada três livros vendidos no Brasil, um é comprado pelo governo.
Os dois professores tiveram uma coleção, "Caminho da Ciência", recomendada pelo PNLD em 2001, 2004 e 2007 e encaminhada a 12 milhões de alunos. Foram reprovados em 2010 e decidiram confrontar seus avaliadores. Habitualmente, quando uma editora é reprovada, fica quieta, para não contaminar suas vendas na rede de ensino privada. Nessa experiência, meteram-se com a Santa Inquisição.
De saída, souberam que podiam recorrer, mas isso de pouco adiantaria. Mais: o recurso foi submetido aos mesmos avaliadores que haviam reprovado a coleção. Finalmente, aprende-se que o nome dos avaliadores fica sob sigilo.
Os dois professores louvam o PNLD, reconhecem que ele moralizou o mercado, acabando-se o tempo em que divulgadores de editoras sorteavam máquinas de pão para quem indicasse seus livros nas escolas. Em 432 páginas, publicam todos os documentos relacionados com o caso, inclusive, pela primeira vez desde que o PNLD existe, os pareceres que os reprovaram. O que eles pedem é o elementar: o debate aberto e a imputabilidade de avaliadores e educatecas que fazem coisas erradas.
Se todas as avaliações dos livros oferecidos ao MEC puderem ser consultadas pela patuleia, todo mundo ganha. Os autores incapazes serão expostos. Os avaliadores levianos serão responsabilizados, e o PNLD não será mais comparado com a Santa Inquisição.

MERVAL PEREIRA

Na reta final
Merval Pereira
O GLOBO - 15/08/10

A decomposição da mais recente pesquisa do Datafolha, que mostra a candidata oficial Dilma Rousseff colocando oito pontos de vantagem sobre o candidato da oposição José Serra, mostra uma tendência semelhante ao que aconteceu no primeiro turno da eleição de 2006, com o país dividido por regiões: Serra segue liderando no Sul do país, Dilma vence no Nordeste e no Norte, e o Sudeste está empatado dentro da margem de erro da pesquisa, com ligeira vantagem para Dilma. Em 2006, Alckmin perdeu a eleição mas ganhou no Sudeste, graças aos votos de São Paulo.

O cientista político Cesar Romero Jacob, diretor da editora da PUC, coordena uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses que estuda a “geografia do voto” nas eleições presidenciais do Brasil de 1989 a 2006 e vê um cenário semelhante ao da última eleição presidencial se desenhando, embora acredite que a fatura não esteja decidida a favor da candidata do governo, mesmo que as condições objetivas sejam favoráveis a ela.

Perto de ganhar a eleição no primeiro turno, com 47% dos votos válidos, Dilma Rousseff está em situação pior do que Lula aparecia às vésperas da campanha de rádio e televisão de 2006, quando o presidente, buscando a reeleição, tinha 55% dos votos válidos.

Também o então candidato tucano Geraldo Alckmin, estava em situação pior do que hoje está Serra: havia caído de 28% para 24%, enquanto Serra aparece hoje com 33%, ou 38% de votos válidos.

Marina Silva registra 12% de votos válidos, enquanto os candidatos de partidos pequenos somados vão a 2%, o mesmo quadro de 2006, quando Heloisa Helena, do PSOL, aparecia com 11% dos votos e Cristovam Buarque com apenas 1%.

O resultado do primeiro turno foi bem diferente. Lula teve 48,61% dos votos válidos e Alckmin: 41,64%, enquanto Heloisa Helena e Cristovam somavam menos de 10% dos votos.

O que demonstra que política não pode ser confundida com uma ciência exata, nem as pesquisas definem o resultado final das urnas.

A situação regional é explicada por Cesar Romero como resultado de uma cadeia de interesses, e não uma divisão simplista entre “ricos e pobres”.

No Nordeste, por exemplo, não é especificamente o beneficiário do Bolsa Família que influencia o voto, mas uma cadeia de beneficiários. No que aumenta a renda na região, e também a classe média, são também os comerciantes que se beneficiam.

E no Sul, não é só o executivo dos setores exportadores, mas toda a região que é afetada pela valorização do real, que prejudica as exportações.

Se o real estivesse valendo menos em relação ao dólar, toda a região estaria com mais dinheiro, não apenas os grandes exportadores como a Sadia e a Perdigão, mas também o pequeno produtor rural, que faz parte da cadeia exportadora, ressalta Cesar Romero.

Comparando os mapas regionais do resultado da eleição passada no primeiro turno com as pesquisas atuais, o cientista político da PUC destaca que, em 2006, Lula teve um ótimo desempenho na região Norte-Nordeste e em parte do Sudeste.

Em contrapartida, o Sul, São Paulo, parte de Minas e o Centro-Oeste ficaram com o outro lado.

Cesar Romero acha que pesquisas juntando o CentroOeste com o Norte confundem as informações, pois o CentroOeste tem um peso grande do setor agropecuário exportador.

São realidades econômicas muito diferentes.

Se pegarmos as diferenças de percentuais de votação entre 2002 e 2006, veremos que Lula cresce até 66% nas regiões Norte e Centro-Oeste e em parte do Sudeste e cai no Sul, em São Paulo, no Sul de Minas, no Triângulo Mineiro e em parte do CentroOeste, e Alckmin tem situação invertida, crescendo nas mesmas regiões.

Em contrapartida, nas regiões Norte e Nordeste e em parte do Sudeste ele cai muito em relação a Serra em 2002.

As pesquisas atuais indicam um bom desempenho da Dilma nas regiões Norte e Nordeste e em parte do Sudeste. Serra vai bem no Sul, no Centro-Oeste e em parte do Sudeste.

Para Cesar Romero, na verdade, quem define a eleição são os nove estados que têm 75% do eleitorado: Ceará, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Nesses estados, a situação de Serra vem piorando, enquanto Dilma vai crescendo.

Em São Paulo, onde Alckmin lidera com folga as pesquisas para governador, a vantagem de Serra sobre Dilma caiu sete pontos.

No Rio Grande do Sul, a vantagem de Serra caiu para oito pontos; no Paraná, a diferença, que era de 15 pontos, caiu para sete pontos.

Em Minas Gerais, Dilma está na frente de Serra com sete pontos de diferença. O começo da arrancada de Antonio Anastasia, candidato de Aécio Neves a governador, registrado pela mais recente pesquisa do Vox Populi — a diferença entre ele e Hélio Costa, que lidera, teria se reduzido para dez pontos — pode ser também um começo de virada no plano nacional, se não acabar prevalecendo o voto Dilmasia.

Ao contrário, no Nordeste, a diferença a favor de Dilma só faz crescer: em Pernambuco, chega a 33 pontos; na Bahia, está em 11 pontos.

No Rio de Janeiro, a vantagem de Dilma cresceu 10 pontos na última pesquisa e, Marina Silva, que registra seu melhor desempenho, com 15% das preferências, já se aproxima de Serra, que está com 25%.

O Datafolha tem uma boa notícia para Serra: a influência de Lula sobre o eleitorado já estaria chegando ao fim, enquanto ainda existem 22% de eleitores que cogitam votar em um candidato apoiado por Lula, mas não estão certos disso.

Neste grupo, Serra lidera com 36% contra 31% de Dilma.

O programa eleitoral será fundamental para a definição deste grupo, além dos muitos debates que acontecerão.

O perigo para Serra é que ele continue perdendo eleitores na exata medida em que Dilma ganha apoios. Ou que o voto útil acabe esvaziando Marina Silva.